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Acompanhar a vida alheia na internet é um comportamento doentio?

A curiosidade é uma característica comum do ser humano. Mas vigiar a vida das pessoas, comprometendo a vida delas ou a própria, pode ser um indício de obsessão  - Arte/UOL
A curiosidade é uma característica comum do ser humano. Mas vigiar a vida das pessoas, comprometendo a vida delas ou a própria, pode ser um indício de obsessão Imagem: Arte/UOL

CAMILA DOURADO

Colaboração para o UOL

02/07/2011 07h00

Se o termo "stalking" não soa familiar, o que ele significa é bastante conhecido. Trata-se de um tipo de violência em que o sujeito invade, insistentemente, a privacidade de uma pessoa, transformando-a em vítima de perseguições, muitas vezes forçando contatos indesejáveis, provocando danos à sua integridade emocional e tirando sua liberdade. Em casos mais leves, o stalker (que pode ser definido com perseguidor) apenas observa a sua vítima. Nos extremos, o praticante pode partir para ameaças e ações violentas.

Com a popularização das redes sociais, a internet passou a ser uma aliada de quem tem essa tendência comportamental. Nelas, pessoas são expostas em vitrines e oferecem, de bandeja, muitas informações –para perseguidor nenhum botar defeito. Com a ajuda da web, o velho termo também ganhou uma adaptação: o chamado "cyberstalker", ou seja, perseguidor virtual.

"Antigamente, os espiões enviavam cartas, rondavam a casa e o trabalho de suas vítimas e usavam binóculos. Hoje, com a Internet, o trabalho ficou mais fácil e seguro: cartas agora são e-mails, binóculos foram substituídos por câmeras e não é preciso mais rondar: lá estão as redes sociais", diz o psiquiatra e psicanalista Bernardo Lynch de Gregório.

Do normal para o doentio
"O ser humano é um bicho curioso por natureza", afirma Bernardo Lynch de Gregório. A era Big Brother em que vivemos não deixa dúvidas dessa tendência. E os perfis da Internet existem justamente para isto: as pessoas querem ser vistas e acompanhadas. "É natural querer saber o que anda fazendo aquele amigo querido", diz Maria Eugênia De Mathis, psicóloga e analista do comportamento do Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc).

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A história de um britânico ficou muito conhecida. M. criou um blog para publicar os e-mails que recebe de Miss X. Desde 2007, ele atualiza o site My Psycho Stalker com as declarações da "stalker".


Mas quando passa de uma atitude normal para algo perigoso e doentio? "Quando há danos. Tanto na vida de quem vigia quanto na vida de quem é vigiado", explica Maria Eugênia. Quando uma pessoa passa a observar com frequência exagerada a vida de outra, deixa de ser saudável, pois torna-se um comportamento obsessivo. "O 'stalker', normalmente, prejudica campos da própria vida, como profissional e familiar, para ocupar boa parte do seu tempo observando alguém", explica a especialista. Para Bernardo, "O perseguidor imagina que, com essas ações, exerce um controle sobre as pessoas, os acontecimentos e o mundo."

Quem vive em vigilância quase integral deve buscar uma terapia, para identificar o que despertou esse sentimento (as perseguições podem ocorrer por diferentes motivos, como insatisfação pelo rompimento de um relacionamento ou por uma admiração exagerada –como em casos de fãs que vivem atrás de seus ídolos).

Além da observação
A situação é mais grave quando o "stalker" deixa de ser um observador para invadir a privacidade alheia. Para isso, utiliza recursos virtuais para colher informações e agir a seu favor, como provocar encontros que parecem por acaso. Em boa parte das vezes, o perseguidor não percebe que está sendo inconveniente. "Ele acha que tem o direito de invadir, por pensar que sua vítima lhe deve alguma coisa", relata Maria Eugênia. "Outros têm noção, mas não conseguem deixar de fazer."

Graças aos modernos aplicativos que informam a localização dos usuários –e também por comentários que colocamos em nossas páginas na web–, ficou mais fácil saber onde as pessoas estão. Assim, o perseguidor pode seguir os passos de alguém, sem ser notado. Encontros contantes podem ser motivo de desconfiança: talvez não seja mera coincidência. Há ações típicas, como envios de e-mails com conteúdo ameaçador, recados insistentes nas redes sociais, inúmeros torpedos e ligações... Se você passa por isso e sente que está perdendo a liberdade, o primeiro passo para se proteger dos invasores na Internet são as funções "bloquear" e "denunciar", além de tomar cuidado com o que você publica. Se a perseguição persistir, o aconselhável é procurar a polícia.    

 

  • Arquivo pessoal

    Rodrigo Branco, que é radialista e conta que foi perseguido por um fã de seu programa


Vítimas e seus danos

Mauricio Santini, diretor de uma assessoria de comunicação, saía com uma garota, mas sem compromisso. E existia um acordo entre eles. "Não estávamos namorando, portanto, éramos livres para conhecer outras pessoas", explica. Mesmo assim, quando Maurício se envolveu com uma terceira mulher, passou a ter problemas, já que decidiu terminar o primeiro romance. Inconformada, a garota passou a acompanhar todas as atividades de Maurício pelas páginas da Internet (blog e rede social).

Na rede, a moça descobriu quem era a nova namorada e pegou os seus contatos. Foi atrás de todas as mulheres com quem Maurício interagia pela internet, inclusive da ex-mulher dele. Segundo ele, em uma tentativa de lhe prejudicar, ela escreveu um e-mail contando algumas coisas que sabia sobre sua vida e inventou novas informações comprometedoras, sob o argumento de alertar aquelas mulheres. Apesar de Maurício afirmar que tudo aquilo era mentira, a nova namorada achou melhor não continuar com ele. Maurício ainda teve de se explicar para mais algumas pessoas.

Rodrigo Branco, radialista, adicionou F. em uma rede social. "Ele dizia que tínhamos um amigo em comum", conta. O perfil não trazia muitas informações: apenas nome e uma foto pouco nítida, o que Rodrigo achou estranho a princípio. Mas F. passou a enviar mensagens ao radialista elogiando seu trabalho, começou a falar de sua própria vida, contando que passava por diversos problemas de saúde, além de ter uma deficiência física.

"Eu respondia sempre. Acabei me solidarizando com a história dele", explica. Logo, vieram outras mensagens e, conforme ele recebia respostas, novidades surpreendentes apareciam. "As histórias começaram a ficar elaboradas demais". Em poucos meses, F. deixou a cadeira de rodas, foi promovido no trabalho, passou a viajar e a dar palestras. Dizia, também, que mesmo não sabendo tocar instrumentos, influenciado pelo programa de Rodrigo, havia entrado para uma banda, além de ter montado um fã-clube para ele.

O amigo virtual dizia que o fã-clube tinha centenas de membros -embora Rodrigo nunca tenha conhecido nenhum deles- que sua banda crescera, que se apresentava em várias cidades para centenas de pessoas -mas ninguém nunca ouviu falar do grupo musical. O fã passou a ter contato com outros ouvintes, que se envolveram nas histórias, e também se aproximou de amigos de Rodrigo, na rede.

"Até que eu comecei a vetar. Fui parando de responder as mensagens e de participar da rede social onde ele havia criado um perfil em homenagem ao meu programa". Mas F., ao perceber o que estava acontecendo, passou a reclamar, publicamente, que Rodrigo estava ignorando-o. Procurou outros ouvintes, criou tópicos em comunidades e mandou até e-mails para a diretoria da emissora dizendo que o radialista estava denegrindo a sua imagem.

Rodrigo optou por excluí-lo de seus perfis. Desde então, F. insiste em voltar. "Logo depois que resolvi acabar com a farsa, descobri que ele estava começando a fazer o mesmo com outros radialistas, de outras emissoras, com os mesmos papos. Ou seja, a saga continua..."