É possível ser feliz com os livros de autoajuda? Especialistas divergem
Nas livrarias, é possível encontrar seções imensas de livros de autoajuda, com prateleiras que oferecem de tudo: manuais para ser feliz no amor, como ser um executivo de sucesso, ser uma mãe melhor ou um pai carinhoso e rico. Há, também, quem se proponha a ensinar a lidar com doenças psiquiátricas, como síndrome do pânico e depressão. Mas por que esses títulos são um sucesso? Simples: as pessoas querem ser felizes.
Os escritores estão cada vez mais diversificados e autores se consagram no gênero. Padres, gurus, pastores, terapeutas holísticos e psicólogos estão entre eles. Também não é raro encontrar celebridades (às vezes, em decadência) que vendem suas lições para alcançar o suposto sucesso. Alguns títulos, com sorte, vão para a tela do cinema, como "O Segredo", de Rhonda Byrne (Ediouro, R$34,90), que chegou às telonas em 2007, e, mais recentemente, "Comer, Rezar, Amar", de Elizabeth Gilbert (Objetiva, R$44,90).
Mas os manuais de autoajuda podem modificar a nossa vida? Para o professor e doutor em psicologia Jacob Pinheiro Goldberg, autor de “O Direito no Divã - Ética da Emoção” (Saraiva, R$ 52,20), esses livros só atrapalham e podem deixar os leitores ainda mais frustrados. Segundo ele, esses títulos criam uma expectativa idealizada do mundo e da vida, como se tudo dependesse unicamente de nossa vontade para mudar o cenário que não nos satisfaz. Apesar da boa vontade de muitos autores, para Goldberg, todos eles também são vítimas e produtores de processos de histeria individual e coletiva.
"Esses livros vendem o que eu chamo de ‘psicanálise fast-food’. A coisa mais perigosa da vida é ser otimista, porque quase sempre o sentimento gera frustração", diz ele, que acredita que autoajuda desperta egocentrismo e sentimento de onipotência. "Uma pessoa em crise já esta sem recursos emocionais. Esses livros são a exasperação da grande crise contemporânea na sociedade do espetáculo: mostrar para os outros que somos felizes e bem-sucedidos. E o pior: distorcem o sentido real da felicidade. Somos frágeis e essa ideia de superação é o último blefe mercadológico que a cultura norte-americana vendeu para o mundo."
O psicólogo Sergio Calixto, que atua no setor de recursos humanos de empresas, não acredita na ajuda proposta por estes títulos. Principalmente, quando se trata de trajetória profissional. “Os livros de autoajuda podem auxiliar a criar uma postura mais adequada no momento de uma entrevista de emprego ou elaborar um currículo melhor, mas não ajudam a ‘criar’ competências profissionais para determinado cargo ou área, pois isso é construído pelo indivíduo durante a carreira.”
É literatura? A professora doutora Maria Aparecida Junqueira, docente do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, afirma que esses livros não se enquadram no conceito do gênero clássico de literatura, por se proporem a atender apenas uma demanda emocional superficial do leitor. "Para ser literatura, precisa ter originalidade no tratamento da linguagem, o que não ocorre nesses manuais. Um texto de autoajuda não renova a percepção de mundo real e profundo do leitor. Não tem o critério de valor ligado a um momento importante da literatura. A verdadeira literatura humaniza, interroga, amplia a visão do sujeito que, em contrapartida, também precisará pensar, sair do senso comum. Os textos de autoajuda são redundantes, fecham-se em si mesmos e acabam sendo apenas um ponto de fuga." |
Há um lado positivo
Para a psiquiatra Silvana Bei Forelli, muitas pessoas recorrem aos ensinamentos da autoajuda para fugir de uma busca pessoal inevitável. Ela considera a hipótese de esses livros servirem em um momento de crise como um apoio religioso, mas isso não garante transformações profundas. "Eles funcionam como soluções paliativas, confortam. Não curam patologias, como a depressão profunda. Em algum momento, o indivíduo terá de buscar ajuda especializada."
Em se tratando de amor, há quem defenda e afirme ter modificado sua vida com os mandamentos desses guias, como a artista plástica Cristina Martoni, de 45 anos, que já passou por dois casamentos e se considera uma pessoa extremamente ansiosa. Ela tem uma biblioteca enorme de livros de autoajuda, acumulados nos últimos 20 anos. Cristina diz que sempre criava expectativas demais e frustrava-se com os resultados. Com o livro "O Poder do Agora", de Eckhart Toller (Sextante, R$14,90), ela diz que aprendeu a viver o momento presente, modificou pensamentos, está mais concentrada, menos preocupada com o futuro e apagou o passado.
Quanto à última experiência com "Porque os Homens Amam as Mulheres Poderosas”, Sherry Argov (Sextante, R$ 19,90) ela relata: “A autora me fez enxergar com mais clareza que não sou a única na mesma situação. Funciona como uma bússola, mostrando padrões negativos que a gente repete e precisa modificar, além de ser divertido. Eu me senti acolhida. Comparo o livro com uma terapia de grupo e convenci todas as minhas amigas a lerem", conta.
Para Miguel Filliage, jornalista, escritor e terapeuta de Medicina Chinesa, quando os livros são bem escritos e elaborados com seriedade podem, sim, ajudar. "Acredito que eles possam despertar a consciência das pessoas e dar um novo sentido para quem está perdido e desencontrado. Esses livros atuam como incentivadores para a autotransformação, entender melhor nossas dinâmicas internas, para tomarmos decisões, acessarmos outras escolhas e alcançar mais satisfação e felicidade."
Na opinião da psicóloga e escritora Benne Catanante, que também atua como professora de Psicologia Transpessoal, é mestre em Psicologia da Educação e consultora organizacional, os livros de autoajuda podem ser um bom caminho. "Quem diz que não gosta sem conhecer profundamente o que está disponível no mercado revela um preconceito, pois há muitos livros de autoconhecimento que são excelentes ferramentas de autogestão", diz ela.
Ela afirma que confundir autoconhecimento com autoajuda é um equivoco, pois, equipamentos eletrônicos também vêm com manuais que explicam como devem ser operados. "Então pergunto: por que não recorrer aos livros quando se faz necessário 'operar' um comportamento específico, como conduzir uma reunião?" Apesar disso, ela recomenda atenção e faz outra comparação: "Nem sempre o livro de receitas é suficiente para capacitar a pessoa a preparar um apetitoso jantar. Nesse caso, muito mais eficaz é contratar um chef. Com relação a comportamentos, em alguns momentos, é preferível recorrer ao terapeuta, ao coaching, ao guru, ao mestre que te aponte o caminho."
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