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Genial e autosdestrutivo, Robert Brownjohn levou o design à música e ao cinema

A arte da capa (à esq.) e da contracapa de "Let It Bleed", dos Rolling Stones, foi feita em 1969 pelo designer norte-americano Robert Brownjohn. Um dos sucessos do disco é  "Gimme Shelter"  - Montagem
A arte da capa (à esq.) e da contracapa de "Let It Bleed", dos Rolling Stones, foi feita em 1969 pelo designer norte-americano Robert Brownjohn. Um dos sucessos do disco é "Gimme Shelter" Imagem: Montagem

Alice Rawsthorn

22/01/2012 10h00

Londres – Quando os Rolling Stones estavam se preparando para lançar um álbum em 1969, Keith Richards pediu para que um amigo, Robert Brownjohn, criasse a capa da obra. O título do álbum seria “Automatic Changer”, então Brownjohn fotografou uma vasta e surreal gama de objetos circulares – prato, lata de filme, relógio, pizza, pneu e um bolo de casamento – empilhados sobre um disco de vinil como se eles estivessem sobre um daqueles mecanismos automáticos que permitiam que os antigos toca-discos tocassem vários vinis sem parar.

Na frente da capa, pequenos bonecos dos Rolling Stones “se apresentam” em cima do bolo, que foi decorado com primor por Delia Smith, na época uma jovem e desconhecida repórter gastronômica. Mas no verso, surge o caos. A pilha de objetos havia sido vandalizada. O vinil está quebrado e sujo com restos de pizza e bolo. Todos os pequenos músicos estavam caídos sobre a cobertura do doce, menos o amigo de Brownjohn, Keith Richards. Único a permanecer em pé, ainda tocando sua guitarra.    

Na época em que o álbum ficou pronto, o título mudou para “Let it Bleed”, mas o design de Brownjohn era tão poderoso que a banda o manteve. A arte original  para a capa de “Let it Bleed” foi leiloada em 2011 na Bonhams, em Londres, por um valor estimado entre 35 e 47 mil euros, que foi (e continua a ser), inevitavelmente, inflacionado pela sua associação com os Rolling Stones.

Mas Brownjohn, que faleceu de um ataque cardíaco em 1970 poucos dias antes de seu aniversário de 45 anos, era um designer gráfico extremamente talentoso, e recentemente o Museum of Modern Art de Nova York (MoMA) adquiriu de sua filha Eliza mais de 200 exemplares da sua obra.

Artista pop

Entre as aquisições do MoMA estão as criações de Brownjohn para a abertura do filme “007 Contra Goldfinger”, de 1964, e um pôster de 1969 que pregava a paz, no qual as letras P e E da palavra “peace” vêm seguidas de um Ás de Espadas [“ace”, em inglês] e um ponto de interrogação. Como muito de seu trabalho, o cartaz sobre paz foi um modelo da inventividade no design: uma ideia bem sacada e executada de forma primorosa.  

“Brownjohn era brilhante”, diz Emily King, a historiadora de design e autora do livro “Robert Brownjohn: Sex and Typography” [Robert Brownjohn: sexo e tipografia]. “Seu olhar curioso se unia à habilidade em expressar as coisas de maneira simples e clara.”

Apesar de talentoso, ele era conhecido por seus contemporâneos tanto pelo seu estilo de vida autodestrutivo quanto por seu trabalho. Charmoso e gregário, com arroubos de grandiosidade, Brownjohn era assombrado pelo vício em drogas. Como escreveu uma vez seu colega britânico Alan Fletcher, também designer gráfico: “Ele tinha carisma de verdade, mais que caráter. Você sempre sabia que ele estava cinco saltos à frente de qualquer coisa que você estivesse pensando.”

Nascido em 1925 em Newark, Nova Jersey, Brownjohn estudou arte no Pratt Institute do Brooklyn antes de se matricular no Institute of Design de Chicago, em 1944. Lá, ele se tornou um brilhante aluno de László Moholy-Nagy, o visionário do movimento Bauhaus que estava na linha de frente dos experimentos com movimentos nas imagens. Depois de formado, Brownjohn permaneceu em Chicago, onde badalava na cena jazz ao lado de Charlie Parker e Billie Holliday, e onde adquiriu o vício em heroína.   

Em 1951, Brownjohn se mudou para Nova York e fundou um grupo de design com dois amigos, Ivan Chermayeff e Tom Geismar. Além de trabalhar para a PepsiCo e para a editora Simon & Schuster, o trio projetou parte do pavilhão americano na Feira Mundial de Bruxelas, em 1958. Na época, Brownjohn definira uma linguagem gráfica distinta, que refletia a influência do modernismo europeu e da pop art americana, caracterizada por colagens de imagens, tipos gráficos, trocadilhos visuais, simbolismos vernaculares e detalhes desenhados à mão.

Ainda no mundo do jazz, Brownjohn tornou-se amigo de Miles Davis, John Coltrane e Stan Getz, e jogava pôquer com o ator Steve McQueen. Se casou com Donna Walters em 1955, e quando sua filha, Eliza, nasceu no ano seguinte, Davis tornou-se o padrinho. Apesar dos esforços de Brownjohn para largar a heroína, seu uso da droga aumentou.


Londres, Stones e James Bond

Em 1960, o designer deixou Nova York e foi para Londres com sua família. Sua sensibilidade para o design era perfeita para a Inglaterra dos anos 60: sexy, sagaz, provocativa, às vezes de modo chocante. Um pôster de 1963 para a exibição “Obsession and Fantasy” [Obsessão e Fantasia] ,na Galeria Robert Fraser, exibia um close dos seios de uma mulher, com os mamilos representando as letras "O" de “Obsession”.

Suas aberturas para os filmes “007 Contra Goldfinger” e “Moscou Contra 007”, também do James Bond, eram divertidas, sedutoras e emocionantes, além de interpretações fiéis das teorias "avant-garde" de Moholy-Nagy. Para “007 Contra Goldfinger”, ele projetou imagens do filme sobre um corpo feminino pintado de dourado. Nela, uma bola de golfe desce por entre os seios e Sean Connery, como Bond, corre pelas coxas.

Brownjohn foi para Londres esperando superar seu vício, mas falhou. Uma vez ele foi preso por invadir o consultório de seu médico para roubar drogas. Em outra ocasião, a polícia o pegou tentando arrombar uma farmácia. Um amigo foi encontrar Brownjohn para almoçar e então descobriu que ele havia convidado dezenas de pessoas para acompanhá-los, a caminho do restaurante.  

Mesmo assim ele ainda produzia trabalhos excepcionais. Tanto o “Let it Bleed” quanto o pôster da paz foram realizados menos de um ano antes de sua morte. Já existiram muitos designers desregrados e burlescos desde Brownjohn, mas poucos com o mesmo élan. Mesmo as suas mais pesadas histórias de excessos são contadas com afeto por sua persona e admiração pelo seu trabalho.

Alguns anos depois de sua chegada a Londres, Brownjohn foi persuadido por Alan Fletcher, seu amigo, a conversar com um grupo de designers. Falou com lucidez, mas tinha aspecto frágil e, às vezes, parecia lutar contra o sono. Um arquiteto na plateia perguntou: “O que é design gráfico?”, e ele respondeu: “Sou eu.”