Estigmatizados, solteiros sofrem para provar que não são solitários, infelizes e encalhados
Solteiros sofrem. Não de solidão, mas com o preconceito. É o "solteirismo", no termo cunhado por Bella DePaulo, psicóloga social da Universidade da Califórnia com quase seis décadas de solteirice invicta. "Basta dizer que você é solteiro a alguém que acabou de conhecer que, em geral, a pessoa pensa que sabe muito sobre você. Que entendem suas emoções", escreve DePaulo no livro "Singled Out" (sem versão em português).
Na imaginação de quem não compreende o solteiro, poucas presunções são lisonjeadoras: "Quem não se casa só pode ser um solitário soturno" ou "No fundo, só quer encontrar alguém". Mais: o solteiro é egoísta, imaturo, incapaz de assumir compromissos e só pensa em diversão. Ou é seletivo demais, intolerante, promíscuo, frívolo, suspeito ou encalhado. Nada poderia estar mais distante da realidade. Ser solteiro não é necessariamente falta de opção. Nem é sinônimo de solidão. Pode significar mais contato com pais e amigos, mais dedicação ao trabalho, mais realizações pessoais.
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- http://mulher.uol.com.br/comportamento/enquetes/2012/08/15/e-possivel-ser-feliz-sozinho.js
Nem solteirão, nem casado
Esqueça as palavras solteiro e casado. "Elas estão se tornando muito limitadas para descrever a gama de opções e comportamentos possíveis para estar ou não com alguém", diz Sergio Savian, terapeuta e escritor especializado em relacionamentos. De que forma classificar como casadas ou solteiras, por exemplo, pessoas com um envolvimento sério, mas que não moram na mesma casa nem tenham assinado papéis? Esse é o caso da gestora de mídias sociais Maria Eugênia Mourão. Aos 43 anos, ela já se casou formalmente com três homens. Informalmente, com outros dois. "As pessoas têm muito medo de abrir mão do que elas têm e acabarem sozinhas. Mas eu, não. Não consigo continuar um casamento se amar outro", diz.
Hoje, Eugênia está feliz em um relacionamento estável --ele na casa dele, ela na casa dela. "O que acho mais divertido é que muita gente acaba achando que nós somos gays. Procuram um padrão --e, para quem não está casado, outro padrão é ser homossexual", diz Eugênia. "Acontece que, para mim, não há uma regra fixa. É circunstancial. O que tenho que procurar é o meu bem-estar e o do outro. No momento, a gente está superbem. Se nos casarmos, não vai ser para calar a boca dos outros. Vai ser uma decisão autônoma."
Para a psicóloga Marcella Almeida, assim deve ser um relacionamento: negociado pelas duas partes. "Eu tenho filhos. Mas acho encantador quando um casal escolhe não morar junto ou ter filhos, pois demonstra um respeito mútuo muito grande. Não coloca no outro a responsabilidade pela sua felicidade", diz Almeida.
Família, família
A engenheira paulistana Ana (que preferiu não publicar seu nome real) é solteira --e não por opção. "Só não achei o cara certo. No máximo tive um rolinho de seis meses. Aos 32 anos, a gente vai se decepcionado, endurecendo com as experiências anteriores", diz. Mas ela não é uma pessoa solitária. Sempre está acompanhada de amigos. Só tem um problema: a família.
"É um inferno. Minha mãe fica me apresentado para o farmacêutico, para o padeiro, para o filho do médico. E isso piorou agora que conheci uns caras de um site de relacionamentos", conta Ana. Um só queria transar. Com outro não rolou química. O terceiro virou amigo. “E minha mãe fica falando para eu voltar a buscar alguém da internet."
O pai de Ana não fala sobre o assunto. A irmã cobra que ela tenha filhos. "Ela é mais nova, mas é casada e está grávida. Diz que não preciso de convenções, que tenho de adotar, que tenho de fazer uma produção independente. Não quero um filho, quero um cara bacana. Só não encontrei um, ainda."
Para Antonio Carlos Amador Pereira, professor de psicologia da PUC-SP, solteiros precisam lidar com o choque de gerações. Pense em reuniões da família estendida. Dia dos pais. Dia das Mães. Natal. Casamentos. Lá estarão tios e avós ávidos para saber quando você se casará --ou ao menos apresentará alguém à família. "Até certa época, uma mulher com 22 anos já era considerada encalhada. E o homem só era solteiro se quisesse ser padre, afinal, casar e ter filhos era prova de masculinidade, posta em dúvida caso fosse solteiro", diz.
Isso mudou. Apenas 45,8% dos brasileiros com mais de 15 anos são casados, segundo o IBGE, com dados de 2010. Somente depois dos 29 anos que o número de casados ultrapassa o de solteiros. Mas as gerações passadas mantêm as expectativas de quando eram jovens.
Então, como reagir diante da pressão familiar? Primeiro, relaxe. Se você reagir a toda cobrança, não ficará numa boa situação. Quanto menos você mostrar incômodo, menor será a cobrança. Agora, entenda o lado do outro. Pessoas têm incertezas e buscam respostas para elas. Se perguntarem, basta dar uma resposta. Não precisa mentir, mas tampouco precisa falar a verdade detalhada. Em geral, o curioso se satisfaz com respostas como "ainda não encontrei a pessoa", "não é o momento" ou "preciso me dedicar primeiro à carreira".
Isso não quer dizer que você deva satisfações sobre sua vida. "O crescimento pessoal é proporcional ao fortalecimento de sua autorreferência, não considerando tanto o que os outros esperam de você", diz Savian. "Aqueles que são muito dependentes das opiniões familiares sentem-se culpados por não atingir o padrão de comportamento que lhes é cobrado, segundo o qual todos nós devemos nos casar para ser felizes". Mas isso é verdade? Em 2010, foram registrados 977,6 mil casamentos no Brasil -- mas, também, 243 mil divórcios.
E quando você ficar velho?
"Dizer que você vai envelhecer sozinho é um dos mitos favoritos para assustar solteiros", afirma DePaulo. "Mas o que me irrita nisso é como alguém pode garantir que o casamento não o fará morrer só". Marcella Almeida acredita que a verdade pode ser o contrário. "Nós nos perguntamos se não vamos precisar de um parente quando ficarmos velhos. Não. Em asilos, por exemplo, o sofrimento não é o de estar só, mas de ter sido abandonado pela família. A gente só se decepciona quando cria uma expectativa --por exemplo, de viver com os filhos e netos. E não é o que acontece com quem construiu uma velhice consigo mesmo", diz Almeida.
E isso é apenas opinião? Um estudo feito em seis países com pessoas de 65 anos ou mais buscou descobrir se solteiros sem filhos ficam sem uma rede de apoio na velhice. Homens que nunca se casaram e não têm filhos tendem a ter redes de apoio mais restritas do que outros. Mas o caso é o contrário para mulheres que nunca se casaram nem tiveram filhos. Elas mostraram ter contato maior com parentes, amigos e membros de grupos voluntários do que as demais. Ou seja, entre elas --que têm expectativa de vida maior do que homens--, a eterna solteira se preparou mais para uma velhice não solitária. "Ela aprendeu que o contato com outro traz alegria, mas a dependência do outro, não", diz Almeida.
Solteiros, sim, solitários, não
Solteiros podem realmente ser felizes com sua condição. Da mesma forma como compromissados podem ser felizes ou tristes. "Há solteiros que não desejam um relacionamento e outros inconformados por não encontrar alguém para se relacionar", diz Sergio Savian. "Paradoxalmente, notamos que o desespero para arranjar um par acaba atrapalhando muito, enquanto que, com a cabeça fria, aumentam as chances de se envolver."
Para verificar se o casamento realmente melhorava a qualidade de vida, um estudo da Universidade Cornell, EUA, pediu a mais de 2.700 solteiros americanos que avaliassem sua felicidade geral, seu contato com pais e o tempo gasto com amigos. Passados seis anos, repetiram as perguntas.
Num primeiro momento, o estudo pareceu reforçar o lado bom do casamento. Quem se casou ficou mais feliz do que quem ficou solteiro --ainda que por uma pequena diferença. Mas há dois detalhes: primeiro, os casados há menos de três anos estavam mais felizes do que os casados por mais tempo, o que indica que parte da felicidade dos casados é um efeito lua de mel. E mais. Aquelas pessoas que foram morar junto sem se casar oficialmente eram mais felizes do que as que se casaram --e isso, segundo os pesquisadores, indica que o casamento formal diminui o sentimento de autonomia e de crescimento pessoal.
Agora, será que os solteiros são mais sozinhos? O estudo provou que não. Aqueles que se casaram diminuíram o contato tanto com os pais quanto com os amigos --independentemente do tempo que são casados. Ou seja, em comparação com solteiros, casais acabam se isolando. E, diferentemente da felicidade, esse isolamento é de longo prazo. "Certamente não estamos dizendo que o casamento é irrelevante para o bem-estar individual. O que descobrimos é que, levando em consideração as diferenças individuais, o casamento está longe de ser uma prescrição para o bem-estar", afirmam os pesquisadores.
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