Zumbido irritante no ouvido à noite, picadas que não param de coçar e até pequenos arranhões com sangue. É difícil encontrar quem não tenha sido vítima dos pernilongos no verão. De acordo com o biólogo Ademir Martins, pesquisador do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz, os chamados insetos antropofílicos - que se alimentam de tecido humano - são aqueles que vivem e se reproduzem em meio à água limpa ou suja, especialmente nos meses mais quentes (temperaturas entre 23º a 27º C) e chuvosos do ano.
Os mais comuns são os dos gêneros Culex, como o Culex quinquefasciatus, e Aedes, como o Aedes Albopictus (vetor da dengue e febre amarela em outros países), o fluviatilis e o aegypti, esse último importante vetor da dengue no Brasil. O Culex é o pernilongo que costuma infernizar o sono da população – e, também, das autoridades de saúde pública.
Segundo Eduardo Joseph Sayegh, bioquímico especialista em pragas urbanas, na região sudeste e central não existem relatos de transmissão de doenças pelos pernilongos comuns, ao contrário do mosquito da dengue, mas pela alta incidência de indivíduos, a espécie ganhou o status de praga.
Diferentemente dos insetos do gênero Aedes, os Culex costumam colocar seus ovos em águas sujas com baixo ou nulo teor de oxigênio e alta concentração de matéria orgânica. Por conta disso, rios poluídos como o Pinheiros e o Tietê, em São Paulo, são criadouros amplos e com condições perfeitas.
O combate desses mosquitos, claro, depende de uma ação conjunta entre população e governo. Mas, enquanto o poder público não atua, o que cada cidadão pode fazer, em especial dentro de casa, para se proteger? A resposta é simples, mas muito mais complexa e eficaz do que o fácil apertar de uma válvula de inseticida: trata-se de prevenção.
De acordo com o biólogo sanitarista Paulo Roberto Urbinatti - pesquisador do laboratório de entomologia da Faculdade de Saúde Pública da USP -, a primeira medida é instalar barreiras físicas como telas protetoras nas portas e janelas, assim como mosquiteiros em camas e berços. Para evitar a criação do pernilongo comum, porém, limpe e tampe caixas de gordura, canalize esgotos a céu aberto e elimine os depósitos de água suja e parada.
Já criadouros do mosquito da dengue são evitados com o descarte de recipientes que acumulam água, o depósito de areia nos pratos de plantas, a limpeza e secagem das calhas e de toda estrutura da casa que possa empoçar água limpa. Ao colocar areia nos vasos, cheque se o prato não está molhado e, se possível, lave-o e seque-o. O ideal é limpar os recipientes com palha de aço ou escova, no mínimo, uma vez por semana. “Os ovos chegam a ficar grudados nas paredes dos vasos de plantas por até um ano. Portanto, o importante é eliminar a água para que o ovo não seja recoberto e libere a larva ”, explica Martins. “Não descarte a água contida nesses recipientes em água corrente, jogue o líquido na terra e cubra com mais terra ou cimento”, completa.
Segundo informações do Instituto Oswaldo Cruz, as formas de prevenção caseiras, como usar vitamina do complexo B, borra de café, água sanitária, levedo de cerveja, vela de andiroba e inseticida têm suas limitações e até contraindicações. O levedo e o complexo B não devem ser ingeridos como repelentes, pois, nas dosagens capazes de afugentar os mosquitos, podem ser prejudiciais à saúde.
Com relação à borra de café, não existe comprovação científica que garanta a sua eficácia, principalmente por conta das dosagens recomendadas – duas colheres de sopa de borra em cada pratinho de planta da casa. Já a água sanitária não se faz eficaz na inibição da eclosão das larvas nas dosagens indicadas (uma colher de chá para um litro d'água) e não há estudos que indiquem a viabilidade do uso em maior concentração.
A queima da vela de andiroba tem uma certa eficácia em afugentar mosquitos se, segundo os especialistas, usada em ambientes com máximo 12 metros quadrados. “Produtos caseiros são paliativos, não duram o tempo todo e muitas vezes sequer há informações sobre a procedência ou garantia da ausência de contaminação por bactérias. Portanto, a melhor proteção é mesmo não deixar a água acumular”, pondera Martins.
Já os repelentes tópicos podem ser usados seguindo as recomendações da embalagem ou dos médicos, mas eles não evitam a presença dos mosquitos no ambiente. É preciso cuidado também com os inseticidas. “Não adianta aplicar o inseticida contra o pernilongo adulto, o combate efetivo é acabar com os criadouros”, explica Eduardo Sayegh. Com relação ao uso indiscriminado dessas substâncias, Martins alerta para o surgimento de classes de mosquitos imunes aos produtos. “A OMS (Organização Mundial de Saúde) só regula duas classes de sprays para insetos, ou seja, além de poluir o ambiente estamos selecionando mosquitos cada vez mais resistentes”, afirma o biólogo.
O que cobrar do governo?
Para combater o pernilongo são necessárias ações de saneamento básico em esgotos e canais a céu aberto, repositórios perfeitos de ovos e larvas. Segundo Eduardo Sayegh, essas políticas deveriam envolver controle e poda de plantas aquáticas nas margens dos rios contaminados, onde a corrente de água tem sua velocidade diminuída. “O Culex adora água parada e suja, o rio Pinheiros, em São Paulo, é seu lugar ideal”, aponta. Ainda segundo o bioquímico, nessas águas poderiam ser aplicados de maneira controlada larvicidas e adulticidas (para atingir insetos adultos).
Em relação ao mosquito transmissor da dengue, os municípios devem empreender um constante monitoramento de possíveis focos em residências, prédios públicos, hospitais, desmanches e qualquer lugar onde água limpa possa ser empoçada. Além disso, é importante transformar, por meio de campanhas publicitárias, cada cidadão em um agente de combate ao mosquito que se desenvolve em pequenos recipientes, próximos à linha da água limpa e parada. “A dengue é uma questão de saúde pública e como tal deve ser tratada”, enfatiza o bioquímico. Para fazer denúncias de focos e criadouros à prefeitura de São Paulo, ligue: 156. No Rio de Janeiro, o telefone é 1746. No geral, o órgão responsável por receber as chamadas é a Secretaria de Saúde, informe-se.
Hábitos e reprodução
Cada espécie de mosquito comporta-se de maneira diferente, mas, em geral, vírus, bactérias e protozoários que causam doenças são transmitidos pela saliva do inseto, expelida no momento em que a fêmea pica. Na verdade, macho e fêmea se alimentam mesmo da seiva das plantas e de soluções açucaradas. Mas a fêmea precisa do sangue como meio de maturar seus ovos. “Uma única fêmea de Aedes aegypti fecundada é capaz de originar cerca de 1,5 mil mosquitos durante sua vida, pois em cada postura há o depósito de cerca de 150 a 200 ovos em diferentes recipientes”, esclarece Urbinatti.
Quanto ao ciclo biológico, segundo o biólogo, os mosquitos apresentam uma evolução completa composta por ovo, larva (em quatro estágios), pupa e adulto ou alado. As formas imaturas (ovo, larvas e pupa) se desenvolvem no ambiente aquático e a adulta no ambiente terrestre. Ao acasalar, a fêmea recebe o esperma do macho e é capaz de guardá-lo por toda a vida, na chamada espermateca. “Ela se alimenta do sangue e, à medida que produz um ovo, ele é inseminado por um espermatozoide”, completa o biólogo.
Algumas espécies de mosquitos depositam seus ovos diretamente na superfície da água (como o Culex quinquefasciatus),enquanto outras o fazem na parede do recipiente, próximo ao nível do líquido (Aedes aegypti). A fase aquática dura cerca de dez dias, e depois de adulto, um mosquito vive cerca de 20 a 30 dias.
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