Tentar prever o futuro pode ser fuga das dificuldades do presente
A vontade de saber antes o que vai acontecer logo ali à frente sempre acompanhou o ser humano. E não por acaso. Afinal, sempre que fazemos planos, surgem esperanças e dúvidas que escapam à razão. Assim, ler horóscopos, interpretar cartas de tarô e até visitar videntes são estratégias para tentar controlar aquilo que sempre foi e sempre será incontrolável: o amanhã.
"Viver em sociedade é algo muito complexo e as pessoas buscam referências para se situar. A astrologia, por exemplo, foi desenvolvida não com o objetivo de prever o futuro, mas sim com o intuito de apontar regularidades nos acontecimentos naturais da vida, gerando informações que as pessoas, em épocas mais arcaicas, usavam para tentar se proteger", explica Jorge Claudio Ribeiro, filósofo e professor do Departamento de Ciência da Religião da PUC de São Paulo.
De lá para cá, a astrologia é uma das ferramentas alternativas mais usadas na tentativa de solucionar conflitos pessoais, de naturezas diversas. Desde a procura por um grande amor até a busca por uma vida financeira melhor. Para o psicólogo Elder Cerqueira Santos, da Universidade Federal de Sergipe, a tentativa de prever o que vai acontecer está relacionada com uma necessidade de controlar riscos e possibilidades, como se fosse possível de obter garantias sobre os planos que traçamos para o futuro.
Tapar o sol com a peneira
Viver o presente colocando certa dose de expectativa no futuro é até normal. "Precisamos desta motivação para fazer planos e batalhar por eles", explica Santos. No entanto, a curiosidade exagerada pelo que ainda está por vir pode ser um indício de forte ansiedade e até insegurança. "Além de uma falta de aceitação do mundo e de si mesmo", pondera Aurélio Melo, psicólogo e professor do Mackenzie, de São Paulo.
Nesse sentido, utilizar recursos externos que ajudem a interpretar e a refletir sobre o presente pode até ser benéfico. No entanto, segundo Melo, erra feio quem nega a si mesmo como principal responsável por seus erros e acertos. "Acreditar que há uma explicação mística para uma decepção amorosa, por exemplo, e usar isso para negar falhas suas ou do outro que levaram aos problemas no relacionamento pode ser extremamente prejudicial para a evolução pessoal", ressalta Melo.
Para Santos, quem busca encontrar explicações para tudo na vida passa a acreditar demais em variáveis não controláveis. "Isso prejudica a autoanálise. É preciso ter em mente que sentimos, hoje, as consequências do nosso passado", alerta o psicólogo.
Quem se esquiva desse tipo de reflexão, e prefere acreditar na força do destino, ou do acaso, corre o risco de se render ao conformismo e, com o tempo, caminhar para a estagnação. Ao acreditar que não pode dominar a própria vida, a pessoa deposita toda a sua esperança numa crença, em vez de fazer acontecer. "Quem olha demais para a frente não consegue se dar conta do que já realizou e compromete as possibilidades do presente", diz Ribeiro.
O lado bom da fé
Contudo, o simples fato de ter fé em algo ou alguém que pode ajudar a conquistar o que deseja não é de todo ruim. "Independentemente do que guia a fé individual, o fato de ter fé em algo, por si só, já pode ser positivo", avalia Santos. Segundo ele, a maioria das pessoas precisa de um sistema de crenças que as ajude a responder ao que consideram inexplicável.
A saída, então, é se dar conta do próprio poder de decisão e autonomia, mesmo seguindo uma crença ou praticando qualquer tipo de experiência mística. Ou seja, você pode consultar as cartas ou a astrologia de vez em quando, desde que não pare de agir. "A busca pelo futuro pode ser boa se levar a pessoa a questionar os próprios atos no presente e também a refletir sobre a postura dela na direção da própria vida", garante Santos.
Se conseguir fazer isso, você ainda precisará contar com o conhecimento, a aceitação, a confiança e a paciência como recursos para lidar com o que está por vir. "Boa parte do seu futuro vai nascer das relações que for capaz de estabelecer fora de você. O futuro é uma dimensão da vida que é sua, e cabe a você construir", finaliza Ribeiro.
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