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'Militante de sofá' não conhece causas que defende, mas quer ser popular

André Rocca/UOL
Imagem: André Rocca/UOL

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

20/11/2013 15h57

Provavelmente, 2013 ficará marcado na história do Brasil –quem sabe até em livros escolares– como o ano em que o ativismo e a internet (sobretudo as redes sociais) caminharam juntos em direção aos mais díspares objetivos.

Os exemplos são vários: internautas colocarem fotos de índios no avatar e o nome da tribo Guarani Kaiowa em substituição ao sobrenome; fotos com os dizeres "Feliciano não me representa"; posts e memes sobre a redução da maioridade penal, pedindo a legalização do aborto, execrando a homofobia, reclamando do valor do tomate e dos remédios, da violência doméstica, do salário dos professores, dos médicos cubanos...

A lista de motivos que transformou as redes sociais, em especial o Twitter e o Facebook, em palco de protestos é imensa e vem aumentando cada vez mais desde junho, quando as manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus em diversas capitais tomaram contas das ruas em cenas que mesclaram patriotismo, revolta, panfletagem, violência e vandalismo.

Muitos protestos foram organizados na rede. A internet é, hoje, o cenário-chave de reclamações e reivindicações políticas do país e, apesar de não surtir todos os efeitos desejados, a tendência é que os movimentos virtuais, criados e disseminados principalmente entre os mais jovens, cresçam, se articulem melhor e ganhem força. Uma evolução que podemos considerar produtiva, que não se via desde os tempos de ditadura militar (1964-1985) e, posteriormente, do movimento dos caras-pintadas, em 1992, se não fossem alguns fatores.

Um deles é justamente o fato de as redes sociais oferecerem, em muitos casos, uma versão "melhorada" da realidade. Hoje, muitos jovens se mostram politizados e engajados em causas sociais na internet, mas nem sempre o discurso virtual "bate" com a conduta do dia a dia. Uns afirmam que querem mudar o Brasil, outros defendem os direitos dos animais e, na prática, mal cuidam das próprias tarefas domésticas em casa, não cumprimentam o porteiro, jogam lixo na rua e, embora de afirmem livres de preconceito, praticam bullying contra os colegas. Mais de uma reportagem entrevistou manifestantes que, ao questionados sobre suas exigências, não sabiam ao certo o que estavam fazendo na rua, segurando cartazes.

Para a psicóloga cognitivo-comportamental Mara Lúcia Madureira, esse paradoxo existe porque hoje "pega bem" ser (ou parecer) politizado. "É típica da juventude a necessidade de pertencer ou de se engajar em movimentos que estão em evidência no momento. Muitos são movidos mais pela necessidade de aceitação e de pertencer a um grupo do que pelo senso de justiça e espírito de luta em defesa de ideias e práticas de ações de maior alcance e objetivos mais amplos”, afirma.

Frisson por popularidade

A busca de aprovação na rede social é outra paranoia dos tempos modernos. É provável que muita gente, ao levantar a bandeira de determinados movimentos sociais e políticos, esteja meramente testando sua popularidade e não preocupada em divulgar e promover ideias de mudanças políticas e sociais.

O filósofo e ensaísta Luiz Felipe Pondé, autor do livro "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia" (Ed. Leya), encara a militância virtual como um modismo. "Esses protestos no Facebook e no Twitter nada mais são do que um hobby para revolucionários de butique e só servem para promover linchamentos virtuais e ajudar a passar o tempo. Mas, como tudo, pode aqui e ali ter algum resultado, nem sempre o desejável", diz.

Na opinião de Pondé, a preocupação atual dos jovens com questões sociais também é uma forma de se autoafirmar. "Eles se envolvem com política não por razões morais, mas porque gostam de se sentir parte de um grupo com totens e palavras de ordem. Para mim, fazer militância no Facebook é a versão de militância ‘safe’, como comer bala com papel", afirma. A despeito das boas intenções, o filósofo lembra que o primeiro movimento político jovem de peso foi o fascismo, e o risco de as coisas saírem do controle continuam presentes em toda mobilização de multidões.

Embora muitos "militantes de sofá" tenham saído da frente do computador e ido para a rua (a hashtag #vemprarua foi um sucesso), não dá pra ignorar o fato de que muitos o fizeram por diversão, para postar fotos engraçadinhas no Instagram, para vivenciar uma experiência diferente e pela vontade de fazer parte de um momento histórico. Motivos, como é possível perceber, que nada têm a ver com convicções políticas.

Para os especialistas, no entanto, é mais importante que cada um avalie as próprias ações em sociedade e a maneira como interage com as pessoas mais próximas do que pensar ou agir em nome do coletivo. A postura consciente e cidadã deve acontecer no dia a dia para estar alinhada ao discurso virtual. 

Desconhecimento de causas

A ânsia por demonstrar engajamento pode, ainda, resultar em discursos vazios, opiniões mal embasadas ou postagens gratuitas apenas para que a pessoa não se sinta "à margem" do assunto do  momento.

"As manifestações políticas que vivenciamos recentemente trouxeram o velho mote de que viver é um ato político. Porém, compartilhar palavras de ordem sem conhecer a história da política no Brasil ou mesmo o que envolve e como se realiza, de fato, uma conscientização democrática, traz outra discussão: será que a maior parte dos internautas simplesmente não repete o que já está postado e ponto final?", diz Itamara Barra, coordenadora educacional e pedagógica do colégio Nossa Senhora do Morumbi.

No ponto de vista da psicóloga Mara Lúcia Madureira, é compreensível, entre os mais novos, o impulso para agir sem profundo conhecimento de causa e a falta de clareza sobre as possíveis consequências de suas ações. "No entanto, ao levantar a bandeira de um determinado movimento sobre o qual o jovem pouco ou nada sabe, ele abre a oportunidade para questionamentos e a necessidade de ampliar seu conhecimento a respeito da causa defendida é inevitável. Assim, ou ele entende a questão ou se afasta do movimento", fala.

O professor Eduardo Luiz Correa, historiador pela USP (Universidade de São Paulo), diz que é complicado cobrar conteúdo de quem ainda está se formando (no caso dos jovens), mas que o interesse por questões que envolvem o país e o planeta já serve, de alguma forma, como conscientização. "Seria bom que todas as pessoas, independentemente da idade, buscassem conhecer mais profundamente as causas que defendem e as complexidades dos temas, em vez de ficar na superficialidade dos debates e do maniqueísmo que muitas vezes as discussões virtuais carregam", diz.