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Os eletrodomésticos deram mais tempo livre à mulher? Especialistas analisam

Mulheres que têm lavadora de roupas gastam duas horas por semana a menos na execução das tarefas domésticas se comparadas àquelas que não têm o equipamento em casa, segundo levantamento do Ipea - Getty Images
Mulheres que têm lavadora de roupas gastam duas horas por semana a menos na execução das tarefas domésticas se comparadas àquelas que não têm o equipamento em casa, segundo levantamento do Ipea Imagem: Getty Images

Karine Serezuella

Do UOL, em São Paulo

06/03/2014 07h06

Hoje há mais homens que cuidam de suas casas. Mas mulheres certamente ainda são maioria quando o assunto é o trabalho doméstico. Esses afazeres foram ganhando meios facilitadores ao longo do tempo e dificilmente dispensaríamos, nos dias atuais, a máquina de lavar roupas, o aspirador de pó, o forno de micro-ondas ou o freezer.

As tecnologias ajudam (e muito) nas atividades rotineiras de limpar e cozinhar. Mas esses eletrodomésticos teriam uma relação direta com a inserção da mulher no mercado de trabalho? Teriam dado mais tempo livre para que as mulheres cuidassem de si mesmas e se dedicassem a atividades que lhes dão prazer e contentamento individual? Em entrevistas para o UOL Casa e Decoração, pesquisadoras e especialistas analisam e refletem acerca dessa complexa questão. Veja.

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  • Leandro Moraes/UOL

Tarefas domésticas

Em 2012, as mulheres despendiam, em média, 20,8 horas por semana realizando afazeres domésticos, enquanto os homens gastavam cerca de dez horas semanais. Em 2011, as mulheres dedicavam 22,3 horas ao lar, em uma semana, e os homens; 10,2 horas*.

Para a economista, professora do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa, instituição de ensino superior especializada nas áreas de administração, economia, direito e engenharia) e pesquisadora na área “mulheres no mercado de trabalho”, Regina Madalozzo, é perceptível que hoje em dia, embora os gêneros dividam mais o serviço da casa, ele ainda seja visto como responsabilidade feminina.

Mercado de trabalho

Entre 1992 e 2012, a participação do sexo feminino na População Economicamente Ativa (isto é, aquela que trabalha ou que está a procura de emprego) subiu de 39,4% para 43,3%*. Segundo a pesquisadora do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Cristiane Soares, há uma mudança na estrutura das famílias, onde essa mulher, mais escolarizada e que trabalha fora, se faz importante para o orçamento da casa. “Com elas no mercado de trabalho, os afazeres no lar têm que ser repensados”, avalia.

A socióloga e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Maria Rosa Lombardi, que se dedica ao estudo de gênero, também reafirma esse panorama social. “É coisa do passado dizer que o salário da mulher é complementar. Elas precisam e querem uma carreira e acabam acumulando funções, o que torna a relação mulher-trabalho doméstico nada fácil”, opina.

Tecnologias do lar

Embora as mulheres ainda se ocupem por mais horas das tarefas do lar do que os homens, nota-se pelos números que há uma pequena redução desse tempo dedicado à casa. Para Soares, ainda que a pesquisa do IBGE não assinale uma conexão contundente entre as horas de serviço doméstico reduzidas pelas tecnologias do lar e o percentual do sexo feminino no mercado de trabalho, pode existir tal relação.

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Assim, a diminuição no tempo destinado ao serviço de casa poderia ser explicada pelo aumento na aquisição de bens duráveis (eletrodomésticos) e pelo acesso às novas tecnologias que facilitam o cuidado com a residência.

No entanto, a socióloga e professora titular da The Open University na Inglaterra, Elizabeth Bortolaia Silva, ressalta que no Brasil esse movimento (investimento em tecnologias no lar) é lento. A autora do livro “Tecnology, Culture and Family: Influences on Home Life” [Tecnologia, Cultura e Família: Influências sobre a Vida Doméstica, em tradução literal] explica que nos EUA e na Europa, o grande “boom” do desenvolvimento dos eletrodomésticos (e de seu consumo) se deu logo após o final da Primeira Guerra (anos 1920-30).

Na época, as empregadas domésticas começaram a trabalhar em outros serviços e as patroas se viram obrigadas a fazer as tarefas de suas próprias casas. “Quando você não tem quem faça o serviço, você investe em tecnologia. Mas no Brasil a disponibilidade do trabalho doméstico é ainda maior e mais barata do que a tecnologia”, afirma a socióloga.

Contudo, a crescente valorização do serviço dos empregados domésticos brasileiros com a Proposta de Emenda à Constituição 66/2012, conhecida como PEC das Domésticas, pode levar a uma reflexão sobre os afazeres no lar, sobre o uso dos facilitadores domésticos e sobre a responsabilidade dos homens em relação à manutenção da casa. “Do ponto de vista social, as novas gerações de ambos os gêneros são afetadas, o que pode resultar em padrões mais igualitários”, diz Silva.

Nem todos concordam com a tese da substituição da mão de obra por eletrodomésticos. A socióloga e diretora de pesquisa emérita do Centro Nacional de Pesquisa Científica - CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), em Paris, Helena Hirata, considera que mesmo com o aumento salarial das empregadas domésticas, a contratação delas ou de diaristas ainda é mais favorável do que adquirir eletrodomésticos. Porém, “a situação social talvez mude por meio de reivindicações levantadas e conquistadas pelo movimento feminista”, salienta Hirata.

Lavadora de roupas

Talvez o serviço que demande mais tempo, esforço físico e frequência seja a lavagem de roupas à mão, no tanque. Por estas razões, faz sentido imaginar que a máquina de lavar tenha um impacto na vida das mulheres e possa ser considerada uma das principais tecnologias que mudaram o trabalho doméstico.

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  • Getty Images

Em 2001, 33,64% dos domicílios particulares permanentes no Brasil possuíam máquina de lavar roupas. Em 2011, esse número subiu para 51%*. De acordo com um levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), feito em 2009, as mulheres que têm a lavadora de roupas gastam duas horas por semana a menos nos afazeres da casa se comparadas àquelas que não têm o equipamento.

Todavia, Lombardi questiona: “Não tenho dúvidas que a tecnologia alivia o trabalho, mas o que essa mulher faz com essas horas antes ocupadas pelos afazeres do lar?”. Para a socióloga - considerando o contexto econômico global, a aceleração do tempo e a competitividade -, os empregadores acabam absorvendo esse “tempo livre”. “O que dá a impressão de que o tempo gasto com o trabalho remunerado invade cada vez mais o tempo familiar e de lazer”, avalia.

Hirata, entretanto, discorda que as horas ocupadas com a limpeza da casa e a manutenção dos objetos tenham diminuído com as tecnologias do lar. Segundo a docente-visitante da USP (Universidade de São Paulo), o tempo poupado pelos eletros é usado ainda nos afazeres domésticos e familiares como cozinhar ou cuidar dos filhos. “Acredito que as ações públicas sociais, como o acesso à creche, ajudam bem mais a mulher a trabalhar fora do que o emprego da tecnologia dentro de casa”, defende Hirata.

*Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE