Topo

Brigas dos pais afetam até a vida amorosa dos filhos no futuro

Quando os pais brigam, os filhos vivenciam um sentimento de ameaça - Getty Images
Quando os pais brigam, os filhos vivenciam um sentimento de ameaça Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

04/07/2014 08h00

Não entrar em discussões acirradas na frente dos filhos deveria ser regra para todos os pais, mas, na prática, nem sempre é assim. Na hora em que os ânimos se exaltam, é difícil moderar a raiva e as palavras. Mesmo que tudo volte às boas depois, essas ocasiões podem deixar marcas profundas nas crianças. "Os adultos deveriam pensar sempre duas vezes antes de agir, porque a criança sempre precisa ser preservada", afirma a psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria, de São Paulo (SP).

De acordo com a psicóloga Susana Ório, também da capital paulista, para qualquer faixa etária sempre é muito sofrido presenciar as desavenças. “Quando os pais brigam, os filhos vivenciam um sentimento de ameaça. Os menores, de dois a quatro anos, não conseguem compreender o que está acontecendo. Por isso ao ver os pais discutindo, se sentem abandonados”, conta. A criança não entende porque os pais estão brigando, principalmente quando os assuntos têm relação com finanças ou ciúme.

Segundo a psicóloga Miriam Barros, de São Paulo (SP), especialista em terapia familiar, nessa faixa etária, a criança é muito autorreferente e acredita que todas as coisas que acontecem na família têm a ver com ela. “No caso da briga dos pais, elas normalmente acham que são culpadas”, diz. Como nessa idade os filhos ainda não têm repertório para expressar o que sentem nem capacidade de entender os problemas dos adultos, podem desenvolver sintomas físicos ou psíquicos para conseguir lidar com a tensão. O terror noturno, por exemplo, é bastante comum.

  • 33550
  • true
  • http://mulher.uol.com.br/comportamento/enquetes/2014/07/03/voce-costuma-ter-brigas-de-casal-na-frente-dos-seus-filhos.js

Entre cinco e oito anos, a criança já começa a entender e verbalizar o que está sentindo. É comum dizer aos amiguinhos que acha que os pais vão se separar, contar que estão brigando. “É uma fase em que a criança vai querer cuidar do pai e da mãe, pedir para que eles não briguem, pedir que se beijem... E também desejar ficar em casa para não deixar que os dois discutam”, comenta Susana, que afirma que depois dos nove anos de idade há uma percepção maior dos conflitos.

Dependendo da frequência com que as discussões ocorrem, muitas crianças chegam a comentar na escola que seria melhor que os pais se separassem, pois não suportam mais tanto estresse. “Quanto maior a criança, mais ela costuma fazer suas próprias interpretações, defendendo um ou outro de acordo com a própria opinião”, completa Luciana Barros de Almeida, presidente da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia).

Aprendizado negativo

Seja qual for a idade, porém, é fato que a criança que assiste constantemente aos embates familiares se torna mais tensa, triste, abatida e apática, o que acaba afetando, também, o rendimento escolar. A tensão familiar compromete sua visão sobre os relacionamentos amorosos entre os adultos. “Ela pode entender que a relação conjugal é algo ruim e assimilar isso para sua vida adulta", diz Luciana.

Muitas crianças chegam a falar que não querem se casar nem ter filhos quando crescerem, numa demonstração clara de que não pretendem passar de novo pelo sofrimento que vivenciam no dia a dia.

Segundo a psicóloga Suzy Camacho, autora do livro "Guia Prático dos Pais" (Ed. Green Forest), brigar na frente dos filhos funciona como uma espécie de curso prático sobre a convivência a dois. “Há o risco de as crianças reproduzirem, mais cedo ou mais tarde, no relacionamento com os amiguinhos ou na vida adulta, os gritos, o tipo de palavreado, os gestos, as ofensas... Poucas são as que fazem o caminho oposto e evitam repetir aquilo que presenciam os pais fazendo", declara.

As palavras que um diz ao outro podem moldar a imagem que a criança tem do pai ou da mãe. É preciso cuidado com xingamentos e termos que desqualificam. Quando o pai humilha a mãe, por exemplo, a mensagem transmitida é de que uma mulher não merece ser respeitada. E se a mãe tem mania de falar que o parceiro é folgado ou preguiçoso, a própria criança pode passar a usar essas palavras para se referir ao pai, já que as ouviu com frequência e as assimilou como verdade absoluta.

Situação sob controle

Os ânimos se exaltaram e as crianças ficaram nervosas? Respire fundo e tente acalmá-las, explicando que a discussão não tem nada a ver com elas –mesmo que o motivo seja alguma divergência no modo de educá-las. É imprescindível agir de modo que os filhos não se sintam culpados pelo ocorrido.

"E mais: peça desculpas. Fale que lamenta ter brigado com o papai ou com a mamãe e que sente arrependimento. Explique ainda que adultos às vezes perdem a paciência, porque se relacionar é difícil, mas que vocês se amam, vão resolver tudo juntos e que eles não precisam se preocupar”, declara a psicóloga infantil Daniella Freixo. "Só não tente fazer de conta que não houve nada, pois isso é cinismo e confunde a criança. Ela aprende que não pode confiar nas próprias percepções", conta Suzy.

A forma mais sensata de poupar os filhos é mesmo conversar a sós, com tranquilidade e objetividade, e, de preferência, longe dos olhares e ouvidos das crianças. "Trancarem-se no quarto pode até ser uma forma de manter o controle para não discutirem na frente da criança. Porém, de nada adianta se os dois se exaltarem ao ponto de, do lado de fora, todos escutarem o que está sendo falado", diz Luciana de Almeida, da ABPp.

"Ficarem sem se falar para evitar atritos também não é bom, porque mantém um clima de tensão a maior parte do tempo gerando mais ansiedade", afirma Miriam Barros. Além disso, um período de silêncio muito longo sinaliza falta de maturidade para resolver os próprios conflitos.

Existe um jeito ideal de resolver as coisas se as crianças estiverem por perto? "Depende do assunto. Se for apropriado para as crianças ouvirem pai e mãe podem até tentar resolver, mas mantendo o respeito entre o casal. Mas a maior parte dos assuntos não deve ser discutida na frente das crianças", explica Miriam.

Ainda que o par esteja atravessando uma crise conjugal com possibilidade de resolução, os filhos devem ser poupados. Os pais devem responder –de uma forma compreensível, claro– se os filhos fizerem perguntas, mas não é necessário se antecipar e abrir uma intimidade que eles não são capazes de absorver.

"Toda relação passa por ajustes e momentos de crise. O importante é que o casal procure, desde o início, fazer um pacto de respeito para que não magoem um ao outro nem os filhos. Dá trabalho, claro, é algo a se fazer dia a dia, mas é necessário. A família só ganha com isso”, diz Daniella.