É preciso dizer a verdade sobre a morte às crianças, diz especialista
Mamãe não virou estrelinha, papai não foi viajar e vovó não está só dormindo. Quando alguém morre, é preciso dizer a verdade para as crianças, de maneira simples e clara. “Além de confortar e acolher, é preciso explicar que a morte não tem volta e que todos vamos morrer um dia”, explica a psicóloga Maria Julia Kovács, coordenadora do LEM (Laboratório de Estudos Sobre a Morte) do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).
A palavra "morte" deve ser colocada e, se o adulto também estiver sofrendo com essa perda, ele pode expor essa dor para os filhos e aproveitar para mostrar que é normal ficar triste.
É a partir do diálogo que a criança começa a entender o que é a morte e como lidar com ela. “A literatura mostra que se a criança não for bem acolhida pode vir a ter problemas em seus lutos futuros, além de depressão e ansiedade”, explica a psicóloga Maria Aparecida Mautoni, que é autora do livro "Conversando sobre o Luto" (Editora Ágora) e ministra palestras sobre o assunto em escolas.
Como lidar com o luto infantil?
Foi com objetividade e muito pesar que o empresário Gleyson Gaudereto, de 34 anos, disse para seus filhos que eles haviam perdido a mãe, sua mulher. A morte não era esperada e aconteceu por complicações de uma cirurgia de vesícula em março deste ano. Era cedo quando o pai entrou no quarto dos dois para dar a notícia. O caçula, Gustavo, de apenas três anos, não teve reação, mas sua irmã Ludimila, de nove, deu um grito e desatou a chorar, abraçando o pai com força. À tarde, os três foram juntos ao velório.
“Era importante eles terem aquele último contato. Ela estava linda dentro do caixão. Gustavo agiu como se não fosse a mãe dele ali, enquanto Ludimila chorou e deu um beijo no rosto dela”, lembra Gleyson.
Muitos pais ficam na dúvida se devem ou não levar os filhos a velórios e enterros, mas a recomendação é de que a criança participe desse momento, tanto para se despedir quanto para não se sentir excluída. “É importante explicar o que está acontecendo e ter um adulto junto o tempo todo”, diz a psicóloga Maria Julia Kovács. No caso de crianças maiores, os pais podem perguntar se elas querem ir e respeitar essa escolha.
A publicitária Camila Santos Menegasso, de 34 anos, não queria, mas precisou levar a filha Anna Luiza, de quatro anos, aos velórios de sua avó e bisavó, porque não tinha com quem deixar a menina.
“Foi mais tranquilo do que eu esperava. No primeiro ela tinha dois anos e não entendeu muito bem. Ficou perguntando o que era aquele lugar e eu expliquei. No segundo, que foi ano passado, ela questionou muito, queria saber para onde a bisavó estava indo”, conta Camila, que explicou que ela estava velhinha, “dodói”, e por isso tinha morrido. “Agora sempre que ela passa em frente ao cemitério diz que as pessoas que morreram estão lá, e quando vê alguém mais velho, comenta que logo a pessoa vai morrer”.
Outra dúvida comum é sobre fotos e objetos do falecido. Cada família deve decidir o que é melhor para todos, mas não é necessário retirar objetos e fotos do falecido de perto da criança. Esse contato não é prejudicial e pode até ajudar no processo gradual de luto.
Como a criança se expressa?
Embora cada luto seja único e particular, as reações variam de acordo com o envolvimento afetivo que a criança tinha com a pessoa, o tipo de morte (se foi esperada, no caso de doença, ou súbita, como um acidente), o acolhimento familiar e a faixa etária. Um bebê pode apresentar um choro forte e constante depois de uma perda.
“Até os três anos, a criança pode sentir saudade e até demonstrar tristeza e desconforto emocional, porém nem sempre de forma clara. A partir dos três anos, ela se expressa mais e chora mais”, comenta a psicóloga Maria Aparecida Mautoni. Depois dos seis anos, há uma compreensão maior sobre a morte, mas a criança pensa que somente idosos ficam doentes e morrem. É só dos 12 anos para frente que ela entende o conceito com mais complexidade.
O comportamento diz muito sobre os sentimentos da criança. Os filhos de Gleyson, por exemplo, foram dormir com ele no dia seguinte à morte da mãe, e algo curioso aconteceu. “Nas duas primeiras noites, os dois urinaram na cama. Na terceira até eu urinei”, conta. Com o passar dos dias, Gustavo passou a ficar arredio, “igual a um bichinho do mato”, diz o pai. “Ele entrava no meio das minhas pernas e se escondia ali”.
Episódios de regressão de aprendizagem (como voltar a fazer xixi na cama) são normais, assim como perda de apetite, isolamento e baixa no rendimento escolar. “A compreensão dos pais é fundamental. Tudo volta ao normal assim que a criança assimila a perda”, afirma a psicóloga Maria Aparecida Mautoni.
Os professores podem falar sobre o assunto e incentivar as crianças a compartilhar ideias e sentimentos, principalmente quando morre alguém da escola. Algumas atividades podem ajudar dentro e fora da classe, como assistir a filmes que abordam a morte ou escrever uma carta para o falecido. Mostrar que as plantinhas também morrem é outra forma mostrar esse ciclo natural da vida.
O luto não tem tempo definido para acabar, e o sofrimento pode voltar ou se acentuar em momentos de recordação ou datas especiais, como aniversário ou Natal. A intensidade, no entanto, precisa diminuir. “Em geral, se depois de um ano a criança ainda estiver muito abalada, é hora de buscar ajuda e fazer um acompanhamento psicológico”, afirma a psicóloga Maria Aparecida Mautoni. Fique atento aos sinais de que seu filho não está conseguindo superar a perda.
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