Opinião: homofobia reflete o temor do próprio desejo homossexual
Uma reportagem e uma entrevista sobre a questão homossexual tornaram esse mês de janeiro ainda mais quente aqui no UOL. O artigo anunciava que "Ser gay não é uma escolha e é tão natural quanto ser heterossexual" e a entrevista deu voz ao ex-pastor Sérgio Viula, que por uma década pregou a “cura gay” e hoje não só abandonou a missão religiosa como se assumiu ateu e gay. Os internautas "gritaram" divididos entre prós e contras às matérias publicadas.
Parece mentira, mas a homossexualidade provoca preconceito e ódio. Uma pesquisa sobre violência no estado de Nova York, EUA, concluiu que, entre todos os grupos minoritários, os homossexuais são objeto de maior hostilidade. Além dos insultos habituais, os ataques físicos são mais do que comuns. Mas o que poderia se esperar da mentalidade patriarcal, que oprime os homens com o ideal masculino de força, sucesso, poder e, além disso, associa masculinidade com heterossexualidade?
Para pensarmos sobre a questão vale a pena lembrar algumas afirmações deixadas nas matérias:
"Isto é desvio de comportamento e portanto ser homossexual é uma escolha e isso não muda."
"O inimigo de Deus está levando a melhor em cima de muitas mentes vazias e alheias ao Criador. Isso tudo vai acabar em tristeza e muita dor pois Deus não vai por a mão sobre cabeça de quem quer que seja. A graça e a Bíblia estão a disposição a todos que queiram ver a verdade e serem realmente felizes e livres...".
"Infelizmente grande parte da sociedade está no caminho errado: a luxúria, a infidelidade, e todos os tipos de loucuras, mas seremos julgados (os ateus acham que eles sabem de tudo). Veremos."
"Já sentiu desejo por alguém do mesmo sexo? Não?! Então não teve que escolher nada. Somente seguiu sua natureza... Se sentiu e sufocou o desejo é o que se chama entrar no armário... E isso vai contra sua natureza...."
O que os gregos, mentores do modelo de civilização adotado no Ocidente, pensariam dessas opiniões?
Na Grécia clássica (século 5 a.C.), a homossexualidade era uma instituição e os gregos não se preocupavam em julgá-la. Em algumas cidades gregas, a homossexualidade aparece como uma prática necessária dos ritos de passagem da juventude, num quadro regido pelas leis, mas se relacionando estreitamente com a masculinidade.
O amor por um jovem dotado de fascínio físico e intelectual aperfeiçoava o caráter tanto do amante como do amado. O Batalhão Sagrado de Tebas –quadro de tropas de choque– era composto inteiramente de casais homossexuais. Em Esparta, todo recruta de bom caráter possuía um amante de idade madura.
O tabu sobre a homossexualidade perdurou até a metade do século 20. O surgimento da pílula anticoncepcional na década de 1960, ao permitir a dissociação entre o ato sexual e a reprodução, revolucionou os valores relativos à sexualidade e melhorou muito a situação dos gays.
A partir daí os casais héteros puderam fazer sexo exclusivamente pelo prazer. Os gays, que nunca tiveram outro objetivo, foram beneficiados socialmente e começaram a sair da clandestinidade. Afinal, as práticas homo e hétero nesse aspecto se aproximaram. Mas apesar de haver mais aceitação hoje, os preconceitos ainda continuam fazendo vítimas.
É na adolescência que a orientação afetivo-sexual começa a ser percebida. E é muito difícil aceitar a ideia de que seu desejo e suas fantasias sejam dirigidos a outro homem. O jovem tenta negar sua homossexualidade, pois teme não ser aceito pela família, pelos amigos e por si próprio. Faz força para se interessar pelas meninas, às vezes até namora várias delas. Mas não adianta. Com quem vai conversar? E se não for compreendido? Na realidade, o problema não é ser homossexual, e sim viver numa sociedade que discrimina os homossexuais.
A razão mais significativa da hostilidade dos homens heterossexuais é o temor dos seus próprios desejos homossexuais. Eles aprendem desde cedo a negar características de sua personalidade que não são consideradas masculinas e, portanto, indicariam fraqueza.
O contato com o gay pode despertar angústia em muitos homens, por perceber no outro o que tentam negar em si próprios: sensibilidade e passividade. É óbvio que um homem seguro de sua orientação sexual não tem o menor problema de conviver com homossexuais e se sente livre até para ser amigo íntimo de gays.
Quando as pessoas vão sair do obscurantismo e entender que a sexualidade aceita e considerada normal nada mais é do que um estilo de vida entre vários outros possíveis?
E para os homofóbicos que estão lendo este artigo, sugiro que reflitam sobre uma afirmação do médico Drauzio Varella, com a qual concordo inteiramente: "Que diferença faz para você, para sua vida pessoal, se seu vizinho dorme com outro homem, se a sua vizinha é apaixonada pela colega do escritório? Que diferença faz para você? Se faz diferença, procure um psiquiatra....você não está legal!"
*Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 11 livros sobre relacionamento amoroso e sexual. Atende em consultório, realiza palestras, é consultora e participante do programa "Amor & Sexo", da TV Globo, e mantém um blog no UOL
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