Expor castigo na web não evita mau comportamento e pode gerar revolta
Pais americanos vêm usando as redes sociais para publicar vídeos em que mostram os castigos dados aos filhos. Um pai, por exemplo, cortou o cabelo do filho adolescente, deixando falhas no couro cabeludo, por ele ter tirado notas ruins. Em outro vídeo, uma mãe fez com que a filha carregasse um cartaz pela rua dizendo que ela não é obediente. No Brasil, ainda há poucos pais adotando esse tipo de atitude e, segundo especialistas ouvidos pelo UOL Gravidez e Filhos, é melhor que continue assim.
As crianças e adolescentes devem ser corrigidos por seus erros, claro, mas sem serem expostos ou humilhados, muito menos publicamente. Além de inadequado do ponto de vista educacional, a conduta é passível de sanções legais contra os adultos previstas na chamada Lei da Palmada.
De acordo com a psicopedagoga e presidente da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia), Luciana Barros de Almeida, publicar os castigos na internet pode ser muito prejudicial para o desenvolvimento da subjetividade da criança. "O erro faz parte do processo de aprendizagem. Ao expor isso, a criança ficará em uma situação de vexame, que em nada vai contribuir para seu desenvolvimento socioemocional e tampouco para que ela entenda que o comportamento que teve é inadequado", afirma.
A criança ou adolescente também pode desenvolver problemas de autoestima. "Quando a pessoa é humilhada, ela fica se sentindo inferior. Se esse castigo for constante, a criança ou o jovem pode se tornar vítima de bullying, pois dá chance para que outras pessoas quaisquer as humilhem", diz Ana Cássia Maturano, psicóloga e psicopedagoga clínica, coautora do livro "Puericultura - Princípios e Práticas" (Editora Atheneu).
Pode ser até que, em um primeiro momento, a atitude dos pais tenha efeito corretivo. Para se protegerem de serem humilhadas novamente, as crianças deixam de repetir o comportamento que gerou o castigo, mas os prejuízos podem aparecer depois, no longo prazo, segundo Ana Cássia. "Essa exposição vai provocar raiva em relação aos pais. Isso gera um ciclo vicioso: a criança não respeita os pais, pois eles lhe faltaram com o respeito ao tornarem o castigo público e assim por diante", fala a psicóloga. O inverso também pode ocorrer: se o jovem for rebelde, do tipo enfrentador, vai reagir com comportamentos ainda piores, por se sentir incompreendido.
Há, inclusive, a possibilidade de a criança ou de o jovem assumir um comportamento violento. “O filho armazena os sentimentos de hostilidade com os quais foi tratado e se volta furiosamente contra o adulto. Tudo isso gera instabilidade emocional, dificuldade de relacionamento e insegurança”, diz Luciana.
Como repreender
Para Ana Paula Magosso Cavaggioni, diretora e psicóloga da Clia Psicologia e Educação, os pais são os responsáveis por amar, educar, proteger e orientar crianças e jovens, bem como repreender, mas sem humilhá-los na frente dos outros.
A base do relacionamento deve ser a conversa. Se a criança está batendo nos amigos na festa, chame-a de canto e deixe claro que, dessa forma, não será possível continuar naquele local. Se não funcionar, leve seu filho embora e, com mais calma e privacidade, mostre que há consequências pelo comportamento inadequado. “O problema é que muitos pais também não querem ir embora e preferem gritar com a criança e deixá-la de castigo ali mesmo, no ambiente público, fazendo com ela, muitas vezes, o que ela estava fazendo com os outros: agredindo e desrespeitando”, diz a psicóloga.
“Os pais devem mostrar desagrado pela atitude da criança e não por ela. Também não devem tornar as consequências daquele ato eternas –até porque não pagamos uma multa todo mês se tivermos cometido apenas uma infração, não é mesmo?”, declara Ana Paula. E nada mais eterno do que publicar um vídeo ou foto na internet, já que eles se propagam sem que os “donos” tenham o menor controle sobre isso.
Legislação brasileira
Segundo Alessandra Borelli, advogada especialista em direito digital do escritório Opice Blum, em São Paulo, os pais --a quem compete o exercício do poder familiar previsto no Código Civil, na Constituição Federal e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)-- têm o dever de proteger o filho e não podem expô-lo nem humilhá-lo.
A maneira como esses castigos expõem as crianças e jovens pode ser enquadrada na Lei da Palmada. O artigo 18-B prevê algumas medidas de punição para os pais que agem de maneira inadequada, como encaminhamento do filho para programa de proteção à família, tratamento psicológico ou psiquiátrico e advertência. "Tudo depende da gravidade do acontecimento. Eles podem até perder a guarda da criança ou do adolescente ", afirma Alessandra.
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