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Diário ajudou escritora a enfrentar a leucemia

Escritora conta que o diário a distraía do barulho constante dos monitores do hospital - Getty Images
Escritora conta que o diário a distraía do barulho constante dos monitores do hospital Imagem: Getty Images

Suleika Jaouad

The New York Times

26/10/2015 16h59

Por boa parte do começo dos meus 20 anos, eu fui a "garota da bolha". Aos 22, quando descobri que tinha leucemia, meu mundo de repente se resumiu a quatro paredes brancas, uma cama de hospital e um matagal de tubos e fios que me conectavam com um suporte para receber medicamentos via intravenosa. De um dia para o outro, perdi a habilidade de ter um emprego, ir a festas, viajar ou atingir qualquer um dos pequenos ou grandes marcos que fazem parte da vida de um jovem adulto.

Ficar doente enquanto jovem é difícil de todas as maneiras que se pode imaginar e muito mais, mas, na maior parte do tempo, pode ser apenas incrivelmente entediante. "Você precisa de um projeto", as pessoas não paravam de me dizer durante minhas primeiras semanas no hospital. Os voluntários locais ofereceram uma variedade de aulas para diminuir o marasmo dos dias com coisas como tricô e confecção de colares de contas e amuletos. Mas nenhuma dessas atividades me interessou. Afinal, estava doente, não aposentada.

Foi mais ou menos aí que meus amigos e minha família sugeriram que começássemos algo chamado "Projeto dos Cem Dias". A ideia era que cada um de nós faria algo criativo uma vez por dia, todos os dias, por cem dias.

Minha mãe decidiu pintar uma aquarela todas as manhãs junto a minha cama de hospital. Meu pai, que quase nunca falou sobre como havia sido crescer em uma família com sete filhos em uma região rural da Tunísia, escreveu cem memórias de infância em um livro para mim.

Para o meu "Projeto dos Cem Dias", escolhi escrever. Prometi para mim mesma que, não importando o quão doente e cansada estivesse, faria anotações em um diário todos os dias. O projeto era para ser uma distração do barulho constante dos monitores e da conversa dos estudantes de medicina no corredor. Com o tempo, no entanto, tornou-se muito mais do que isso. Foi a maneira de organizar meus dias em torno de um pequeno e simples ato de felicidade.

Manter o diário me mostrou como escrever podia me ajudar a sair de meu inferno particular. Deu-me voz quando sentia que não a tinha e algo para fazer que ia além de apenas tentar sobreviver. Montar um plano de cem dias era me transportar para o futuro, mesmo que ele parecesse incerto.

Um ano depois do meu diagnóstico, o "Cem Dias" ganhou um significado extra enquanto me preparava para passar por um angustiante transplante de medula, que teve meu irmão Adam como doador. O objetivo era chegar ao dia cem ou "dia de prova" como dizem os médicos, a primeira marca importante para avaliar a recuperação do paciente que passou por um transplante.

Vivi para comemorar o dia cem, cem dias depois dele e muitos mais. Contra todas as probabilidades, quatro anos depois do meu diagnóstico, ainda estou aqui: golpeada, ferida, um pouco quebrada, mas em remissão. Passou-se pouco mais de um ano desde que terminei o tratamento de câncer e deixei o reino dos doentes. Sou grata por estar viva, mas a tarefa de encontrar meu caminho de volta ao reino dos saudáveis é mais assustadora do que poderia prever.

A sobrevivência vem com pressões, responsabilidades e desafios implícitos. Afinal, qual a razão para salvar uma vida se ela não é proveitosa? Enquanto encontro meu caminho, lancei um novo "Projeto dos Cem Dias". Partirei por uma viagem de cem dias pelos Estados Unidos. Com uma segunda chance, quero tirar um tempo para aproveitar minha liberdade recém-conquistada e para me curar. Depois de passar tantos anos dependendo de cuidadores, fiquei obcecada pela ideia de estar no comando de minha própria vida.

Pelo caminho, planejo visitar e agradecer alguns dos desconhecidos que inesperadamente me apoiaram e me inspiraram quando estava doente. Houve uma mãe viciada nos remédios para dor que tomou durante seu tratamento de câncer e um homem que perdeu o irmão na Torre Norte no 11 de setembro. Fiquei sabendo de médicos que sugeriram minha coluna aos seus alunos, e de estudantes que, inspirados no que escrevi, decidiram se tornar médicos.

Um condenado à pena de morte me escreveu sobre os paralelos inesperado em nossas vidas. “A ameaça da morte está de tocaia em nossas sombras”, anotou com uma letra cursiva cuidadosa.

Eles não sabem, mas muitas dessas pessoas se tornaram uma corda de salvação --luzes brilhantes durante os dias mais escuros. Suas histórias de resistência me deram força nos momentos de fraqueza. Mostraram-me que todos temos interrupções em algum momento, seja por doença, pela morte de uma pessoa querida, pela perda do emprego ou pelo término traumático de um relacionamento.

Mas, apesar desses desconhecidos terem afetado muito minha vida, a verdade é que, na maioria do tempo, estava muito doente para responder a eles. Agora, vou tirar um tempo para responder --não por e-mail--, mas pessoalmente. Quero saber mais sobre suas histórias, e --mais do que qualquer coisa-- dizer obrigada.

Nos últimos meses, aprendi a dirigir, passei por meu teste de estrada e transformei um carro em um acampamento. Na semana passada, peguei a estrada com Oscar, meu vira-lata resgatado, como copiloto. Não tenho nenhuma expectativa de passar por uma experiência que vai mudar minha vida nesses meses nômades que tenho à frente. Como dizem, você traz seus problemas e realizações com você, mesmo quando muda seu código postal. Mas acredito no poder de viajar e fazer um balanço do que é bom em sua vida para quebrar a prisão da rotina e fazer crescer o espírito.

Eu e Oscar podemos acabar em um dormitório de faculdade na Carolina do Sul ou em uma fazenda nos milharais do Iowa, em um sofá em Wyoming ou visitando uma prisão no Texas. Iremos onde as interrupções nos levarem e veremos o que vamos encontrar.