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Ficar em silêncio funciona como "academia" para a mente

É possível praticar o silêncio em breves pausas, mesmo em locais barulhentos - Getty Images
É possível praticar o silêncio em breves pausas, mesmo em locais barulhentos Imagem: Getty Images

Beatriz Vichessi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

31/03/2016 07h15

Manter-se calado ainda que alguns minutos por dia é um hábito que parece impossível de ter nos dias de hoje. As pessoas estão conectadas o tempo todo e é raro encontrar quem tenha tempo para simplesmente ficar em silêncio, fazendo uma higienização mental. Por mais quietas que estejam, a mente continua a mil por hora. Elas digitam mensagens freneticamente no celular, pensam no que têm de fazer. É uma tempestade de pensamentos nem sempre agradáveis.

Segundo Sérgio Braghini, psicanalista e coordenador do curso de pós-gradução de psicosociologia da juventude da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o excesso de comunicação que vive-se hoje é uma forma de tentar não ficar calado. “Temos receio do não dito”, fala o especialista.

“Todo ser humano possui um espaço de silêncio”, fala Juliana Vilarinho, coordenadora voluntária das atividades do movimento espiritual Brahma Kumaris, na Grande São Paulo, a despeito das condições atuais impelirem as pessoas a se comunicarem freneticamente.

No Brahma Kumaris, há a prática da meditação Raja Yoga, que defende que os indivíduos silenciem voz e pensamento para criar um estado interno de qualidade para que as coisas ao redor não os influenciem tanto de forma negativa. Tal como uma blindagem.

Segundo a linha de pensamento da Raja Yoga, o silêncio não tem a ver com ausência de algo. É um estado de preenchimento, desde é claro que os pensamentos sejam bons. “Pensamentos fracos não preenchem a mente e ainda causam barulhos. Quem está bem consigo mesmo consegue ficar em silêncio por quanto tempo desejar. O silêncio é o caminho para a paz”, diz Juliana.

Ficar calado pode ser como ir à academia. Porém, em vez de exercitar o corpo, a prática tem a ver com a mente. Atualmente, as pessoas vivem sem tempo para cuidar do espaço interno delas mesmas, que acaba ficando esquecido ou bagunçado, como se fosse a casa de uma pessoa que só entra e sai, nunca cuida do local. O resultado disso é uma vida caótica e de distanciamento do indivíduo consigo mesmo. Quanto menos em silêncio ficamos, mais difícil nos lembrarmos de quem somos.

Valor

Os monges trapistas (presentes em mais de 160 países no mundo) também cultivam a prática do silêncio, porém de forma mais intensa e regrada. “A voz de Deus, por meio do silêncio, pode ser ouvida no centro do coração e sempre garantir uma união íntima com Ele”, declara José Pereira da Silva, doutor em história social na USP (Universidade de São Paulo) e autor de uma tese sobre o grupo religioso no Brasil.

Os trapistas não fazem voto de silêncio. Para eles, ficar calado é um valor, não um instrumento disciplinar. Acreditam que, perdendo-se o silêncio --interior e exterior--, perde-se a interioridade, tal como pensam os adeptos da meditação Raja Yoga.

No dia a dia, o monge trapista conversa só quando necessário com outros monges, durante o trabalho ou a execução de alguma atividade. Evita conversas prolongadas para manter o clima de conexão interior. “Mas é permitido que conversem entre si, desde que seja acordado previamente com o superior”, fala Da Silva.

Exercício sem contraindicação

Juliana, da Brahma Kumaris, sugere quatro passos para praticar o silêncio por meio da meditação:

1º passo

Todos os dias, ao acordar, saia da cama e vá para um lugar para apreciar a si mesmo por cinco minutos. Você pode ficar com os olhos abertos ou fechados. Relembre-se quem você é, um ser de paz e harmonia. Aprecie também o novo dia que tem pela frente e se empodere para vivê-lo. Esse momento deve durar cerca de cinco minutos e ter dedicação total.

2º passo

Lembre-se de fazer entre cinco e sete pausas ao longo do dia, de um minuto ou 30 segundos cada uma. Pare, respire e fique em silêncio, mesmo estando em um ambiente barulhento, como um restaurante. Acolha seu estado emocional, fazendo uma conexão consigo mesmo. Os intervalos são uma forma de fazer uma manutenção do primeiro passo. Funcionam como um cochilo mental.

3º passo

Durante o passar do dia, tenha a atitude de observar a si mesmo e se modificar. Todos  temos reações negativas às vezes e precisamos travar uma conversa interna para mudar a direção de nossos pensamentos e atitudes. Com esse passo, você se livra de armadilhas e cria padrões de positividade.

4º passo

Todas as noites, antes de dormir, faça uma avaliação do dia, liberte-se do que aconteceu para poder descansar de verdade. Lembre-se do que você fez de bom e pense no que poderia ter feito. É como fazer a contabilidade de uma empresa e entregar o relatório. É um benefício para o progresso pessoal. Procure não ser duro demais nem condescendente em excesso. Prossiga em silêncio por mais um minuto e procure se estabilizar em um estado de paz.