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Após perdas e câncer, mulher cria livro de colorir para lidar com o luto

Deborah diz que “não se trata de um livro de receita, pois todos enfrentamos o luto de formas diferentes" - Getty Images
Deborah diz que “não se trata de um livro de receita, pois todos enfrentamos o luto de formas diferentes" Imagem: Getty Images

Jane E. Brody

The New York Times

20/05/2016 12h25

Não é à toa que dizem que “na vida há sempre um pouco de chuva” e, de tempos em tempo, precisamos recorrer a um guarda-chuva. Mas o que fazer quando a chuvinha se transforma em uma tempestade que parece não ter fim?

Uma perda pode ser o bastante para tirar uma pessoa dos eixos por anos, ou até mesmo pelo resto da vida. Mas a tragédia parece perseguir algumas pessoas e a gente acaba se perguntando como alguém consegue aguentar tantas perdas dolorosas.

Deborah S. Derman, conselheira de luto profissional nos subúrbios da Filadélfia, claramente sofreu o que tinha que sofrer. “O setor do aconselhamento de luto basicamente me encontrou, porque tenho um longo histórico de perdas”, contou.

Ela enfrentou sua primeira perda aos 27 anos, quando o namorado com quem havia rompido pegou de volta o aspirador de pó que havia emprestado para ela, colocou a mangueira do aspirador no escapamento do carro e se matou.

Uma década depois: feliz, casada e mãe de um bebê, foi ao aeroporto para buscar os pais, quando o avião particular pilotado pelo pai despencou do céu bem na frente dela, matando todos os quatro passageiros.

Quatro anos depois, o marido morreu de um ataque do coração enquanto jogava rugby, deixando-a viúva aos 39 anos de idade, com dois filhos pequenos e um terceiro à caminho. Então, poucos anos depois, descobriu que tinha uma forma rara de câncer de mama. “Foi então que senti como se alguém quisesse me pegar”, afirmou. Segundo ela, seu maior medo era que, caso morresse, os filhos ficassem órfãos de pai e mãe.

Mas ela não morreu. Na verdade, conseguiu criar os três filhos, se casar com “um homem maravilhoso” que adotou os três, receber o título de doutora com uma dissertação que falava justamente sobre o luto e o apego na viuvez precoce.

Desde então, Deborah abriu um consultório como conselheira profissional de luto, capaz de trazer muito mais do que formação acadêmica para as sessões de terapia feitas por pessoas que sofreram grandes perdas. Ela ajudou famílias em Staten Island que perderam entes queridos no 11 de setembro, ajudou pessoas que sobreviveram ao câncer e criou grupos de apoio para aqueles que sofreram com todo o tipo de perda e luto.

Ela sabe melhor do que ninguém o quanto é importante dizer a coisa certa para uma pessoa que está sofrendo, vulnerável. Quando seu ex-namorado cometeu suicídio, “eu senti que havia sido cúmplice em sua morte”, afirmou. Sua mãe a ajudou a encarar a situação, dizendo que não era culpa dela.

Mas quando seu marido morreu, os pais já não estavam por perto para ajudar com palavras sábias. Ela se lembra que “sentia tanta dor, que o luto parecia físico. Eu não conseguia me concentrar em nada. Não conseguia ler um livro nem ter uma conversa coerente. A única coisa que conseguia fazer era ler livros de autoajuda sobre perda e luto, em busca de respostas que me ajudassem a superar a angústia que vivia. Eu estava tão isolada e frustrada que ninguém sabia o que fazer comigo”.

Deborah não conseguiu ficar feliz nem mesmo quando, dois meses após a morte do marido, foi aceita no programa de doutorado em processos psicoeducacionais na Universidade Temple da Filadélfia. Aconselhada a conversar com outra jovem viúva, ela se sentiu ainda pior quando a mulher disse: “Debby, sabe quando você tem a impressão de que sua vida acabou? Ela acabou mesmo”. Essa frase foi suficiente para que ela não quisesse mais se levantar da cama.

Mas um dia, resolveu sair e tentar uma abordagem diferente depois que sua irmã falou: “Um dia, Debby, tudo isso estará no passado”, o que a fez perceber que talvez tivesse um futuro, afinal. Ela contou que mudou o tema do doutorado para o luto e a perda “porque nunca mais queria que outra viúva se sentisse tão isolada quanto eu. Queria que essa pessoa se sentisse bem e queria ajudar nesse processo”.

“A superação da perda é um processo que leva a vida toda e elementos do luto podem reaparecer a qualquer momento. Sou viúva há 24 anos, mas quando meu filho entrou na faculdade de medicina, chorei porque meu marido e meus pais não estavam lá para ver. Minha filha está prestes a se formar e ambas vamos chorar porque ela não pode nem conhecer o pai. O luto dela é diferente, mas também está lá.”

Agora, Deborah criou uma ferramenta interessante --um livro de colorir para adultos cujo objetivo é ajudar a “superar um momento difícil”. Chamado “Colors of Loss and Healing” (As cores da perda e da superação, em tradução livre), o livro conta com 35 páginas com belíssimas ilustrações para colorir, cada uma relacionada a uma palavra ou frase como “um dia de cada vez”, “doce e amargo” e “resiliência”, com o objetivo de evocar pensamentos e sentimentos que possam ajudar a promover a superação.

Ao lado de cada uma das ilustrações criadas por Lisa Powell Braun há uma página em branco com os dizeres “Minha palheta… minhas palavras… meus pensamentos”, para incentivar as pessoas a anotarem os sentimentos que as palavras e as frases das ilustrações evocam.

Deborah conta que escreveu um diário após a morte do marido. “Quando você anota alguma coisa, aquilo realmente clareia os pensamentos e ajuda a encontrar um caminho adiante. No diário, você pode escrever o que bem entender. Ninguém tem que ler aquilo, é algo privado.”

Embora a arte-terapia seja usada há décadas para ajudar as pessoas a expressarem o que não conseguem dizer, completar os espaços de um livro de colorir ainda traz um benefício diferente: ajuda a relaxar e se concentrar mais. Marygrace Berberian, professora clínica assistente de arte-terapia na Universidade de Nova York, afirmou que “as pesquisas mostram que fazer arte pode ter um impacto profundo no bem-estar físico e psicológico da pessoa. E colorir os espaços delimitados dos livros pode ajudar a conter e organizar sentimentos de medo e desamparo”.

Em 2005, Nancy A. Curry e Tim Kasser do Knox College em Galesburg, Illinois, relataram em Art Therapy, a revista da associação americana de arte-terapia, que colorir uma mandala ajudava a reduzir a ansiedade em estudantes de graduação, uma descoberta que foi replicada por outras pesquisas. Atualmente, existem livros de colorir para adultos que têm o objetivo de aliviar o estresse e a ansiedade, liberar a raiva, induzir a calma e melhorar a concentração.

A ideia de Deborah partiu de um livro de colorir que ganhou de aniversário. “Eu colori um espaço, depois outro, depois outro e outro, e percebi que é assim que caminho pela vida: um passo de cada vez. Esse é um bom paradigma de como uma pessoa enfrenta uma perda: um dia de cada vez. Depois que meu marido morreu, não achei que iria aguentar um dia inteiro. Eu olhava para o relógio --ele dizia 10 da manhã-- e eu prometia a mim mesma que chegaria às 11 horas, então ao meio dia, até o dia terminar”.

O livro foi feito para ajudar as pessoas que passaram por perdas de todo o tipo, incluindo doenças, divórcio, falência, um vício --qualquer coisa que possa forçar as pessoas a redefinirem suas identidades.

Deborah destacou que “não se trata de um livro de receita. Ele não diz como as pessoas devem se sentir. Todos enfrentamos o luto e a perda de formas diferentes. Uma coisa que aprendi com a minha vida e a das centenas de pessoas que ajudei é que não adianta fingir que nada aconteceu e tentar fugir da realidade.