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Mães universitárias falam sobre a batalha para continuar estudando

Beatriz Vichessi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/06/2016 07h10

Engravidar transforma a rotina de qualquer mulher. Se a mamãe em questão é uma universitária, a maternidade representa um desafio a mais. Não se trata apenas de ajustar as tarefas e leituras à atenção que o bebê demanda. Na maior parte das vezes, ela precisa fazer isso sem o apoio da instituição onde estuda.

Embora a Lei 6.202 estabeleça o direito da mãe estudante ao regime domiciliar durante três meses a partir do oitavo mês de gestação (o que significa basicamente estudar à distância ou ter um esquema diferente de entregas de atividades, previamente combinado) e garanta o direito da prestação dos exames finais. Na prática, as instituições de ensino não têm políticas claras para essa situação: deixam nas mãos de cada professor o acerto sobre como fazer as atividades de casa e repor avaliações.

Também é comum encontrar dificuldades para expedir a licença (de afastamento do curso) ou aceitar atestados. Espaços adequados para troca de fralda e amamentação são outra raridade.

Por conta de todos esses percalços, muitas estudantes acabam trancando a matrícula do curso, atrasando a formatura ou obtendo notas menores do que a média. E para piorar há quem seja submetida a constrangimentos, como mostram os relatos abaixo:

Aline Shirazi Conte com as filhas, Laura (à esquerda) e Heloísa; personagens de matéria de UOL Gravidez e Filhos sobre universitárias grávidas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Aline Shirazi Conte, 27, mãe de Laura, 4, e Heloísa, 1 ano e 4 meses

“No ano passado, fui pega de surpresa ao chegar para fazer uma prova na faculdade e descobrir que meu nome tinha simplesmente sumido da lista de presença. Estava de licença da faculdade por causa da gravidez da minha segunda filha. Não assistia às aulas, mas fazia os trabalhos e ia à instituição no dia das provas. O professor dessa disciplina me deu muitas faltas e, para piorar, meu nome, por uma falha no sistema da universidade, sumiu da lista de presença. Eu me formaria em dois meses, e aquela avaliação era muito importante para o meu currículo. Assinei atrás da lista, fiz a prova e formalizei minha reclamação por escrito. Cheguei em casa muito revoltada com a situação e escrevi um post no Facebook contando o que havia acontecido. Tinha me preparado para a prova, apesar das dificuldades em conciliar a criação de duas meninas e estudar. Não era justo que fosse proibida de fazer o teste. Na ocasião, disseram que eu estava sujando o nome da USP (Universidade de São Paulo), mas não é verdade. Estava fazendo uma reclamação legítima e deixei claro que a postura desse professor não era compartilhada por todos os docentes. Depois, fiquei sabendo que, apesar da lei, a diretriz da USP estabelecia que fica a cargo do docente decidir se libera a aluna ou não das aulas por conta de ela ter filhos pequenos. Isso é um absurdo porque a estudante fica à mercê da sensibilidade do docente. Com a polêmica do meu caso, a universidade alterou essa norma e agora toda gestante a partir do oitavo mês pode tirar licença integral e fazer as atividades à distância.”

[Na foto, com as filhas e o marido Vinícius Shirazi Conte]

Jaqueline Batista, 31, mãe de Davi, 2 anos e 10 meses

“Estou prestes a me formar em gastronomia pela Universidade Anhembi Morumbi. Chegar até aqui não foi fácil. Quando comecei a faculdade, meu filho tinha um ano e um mês. As aulas iniciaram no mesmo mês que ele começou na educação infantil. Foi um grande baque para nós dois. Ele nunca tinha ficado sozinho e, como também estudo à tarde, não consegui ficar para fazer a adaptação dele na creche. Minha rotina é bastante exaustiva. Parece fácil, pois não trabalho, mas não é. Acordo todos os dias às 5h30, dou conta das tarefas de casa sozinha, cuido dele e tento ler os textos entre uma tarefa e outra. Quase nunca tiro notas altas na faculdade porque não tenho tempo para estudar. Recentemente, meu filho foi internado com pneumonia. Na mesma semana, eu e meus colegas de classe tínhamos uma atividade em grupo. Alguns cozinhavam, enquanto outros assistiam e tiravam dúvidas. Precisei me ausentar em duas apresentações e perdi quatro pontos. Levei o atestado do meu filho para o professor, mas não adiantou, pois perdi a pontuação dos dias da apresentação. Não tirei uma nota final ruim, mas ela poderia ser melhor se eu tivesse tido a chance de fazer alguma atividade para compensar o que não fiz. Só que o professor não me deu essa possibilidade.”

Jamille Gomes, 22, mãe de Alice, 1 ano e seis meses 
Jamille Gomes, 22 anos, mãe de Alice de 1 ano e seis meses - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

“Engravidei aos 20 anos quando cursava o quarto ano de pedagogia na UFV (Universidade Federal de Viçosa), em Minas Gerais. No início da gestação, ia às aulas e, quando passava mal, levava os atestados e minhas faltas eram abonadas. Os professores eram compreensivos comigo. Os combinados sobre trabalhos e provas são feitos diretamente com os professores, então, fica muito na mão deles decidir se vão repor uma ou outra atividade. Mas nem tudo correu bem. Um dos meus professores só dá nota por meio de provas, não pede trabalhos. Conversei com ele e combinamos que, se eu não pudesse ir à faculdade no dia das avaliações, marcaríamos novas datas. Só que descobri pelas mensagens do grupo da faculdade que ele passou uma atividade surpresa e lançou a nota como se fosse prova. Perdi essa avaliação, mas achei que ele daria a minha nota considerando a prova que nós combinamos que eu faria no fim do semestre. Na ocasião, deixei a minha filha com 22 dias de vida com a minha mãe e fui para a faculdade. Chegando lá, o professor disse que não daria a nota da atividade. Não quis discutir para não me prejudicar, mas isso baixou a minha média, o que pode me prejudicar quando eu quiser concorrer a um estágio ou a um projeto de pesquisa. Outro problema aconteceu quando o período a licença [prevista na Lei 6.202] terminou. Alice estava com três meses --ela nasceu em novembro e o afastamento pegou as férias da universidade. Verifiquei previamente quais seriam os professores que me dariam aula e fui conversar com eles antes do início do semestre. Avisei que minha filha era um bebê, não tinha com quem deixá-la e teria de levá-la para a aula algumas vezes. Teve uma professora que entendeu. Outros liberaram que ela ficasse comigo e permitiram que eu amamentasse em aula, já outros pareceram se incomodar. Decidi fazer menos disciplinas do que o normal e só me matriculei naquelas cujos professores entenderam a minha condição. Alguns colegas me criticaram. Outros foram mais compreensivos e até pegavam ela no colo durante as aulas. Também recebi olhares tortos por não conseguir cumprir minha parte nos trabalhos em grupo.”

Valquiria Santos da Silva, 27, mãe de Lívia, 8, e Sofia, 2

“Quando comecei o curso de ciências biológicas na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Porto Alegre (RS), minha filha tinha cinco anos. O contexto era favorável: meus pais não queriam que eu deixasse de estudar e ficavam com ela. No terceiro semestre do curso, descobri que estava grávida novamente. Na mesma época, meus pais mudaram de cidade e eu me vi grávida, com uma filha pequena e fazendo um curso universitário integral. Antes da segunda nascer, pesquisei na internet e descobri que poderia pedir licença. A secretaria do curso nem sabia como protocolar o pedido. Durante o meu afastamento, não assisti às aulas. Só acompanhava as atividades pela plataforma on-line. Minha filha nasceu em maio e, em junho, tranquei o curso. Era impossível conciliar as aulas e a maternidade. Logo percebi que não ia conseguir participar das viagens de campo nem concluir a graduação. A solução foi abandonar a biologia e mudar de curso. Depois de um semestre parada, comecei a fazer psicologia. Ao pedir transferência, a direção questionou se eu ia mesmo conseguir estudar já que havia deixado o curso anterior. Foi um pouco constrangedor. Eles insistiram que psicologia era um curso denso, com alta carga de leituras. Mas consegui convencê-los que daria conta. Estou no terceiro semestre do período noturno. No primeiro ano, cursei o menor número possível de disciplinas (duas) para continuar amamentando a criança. Também deixei de cursar uma disciplina no sábado porque as aulas aconteciam no horário das reuniões da escola da filha mais velha. Como não tenho como justificar essa falta para a professora da matéria, cancelei minha inscrição. Por conta de tudo isso, vou demorar mais do que os cinco anos regulares para me formar. Acho que a faculdade deveria ter uma creche ou reservar um espaço para as alunas que são mães. Isso daria mais segurança para estudar, enquanto os filhos estão por perto, e não atrasaria os estudos.”