Aranhas e outros bichos que amamos odiar são úteis para a casa e o planeta
Se não bastasse a urbanização e o progresso tecnológico para afastar as pessoas da natureza, a abordagem com que certos animais são tratados e classificados acende um sinal de "perigo" para a maioria de nós. Já muito cedo, parte dos livros didáticos classificam os bichos entre úteis ou "ruins", uma interpretação que, para muitos pesquisadores, provoca uma condição chamada zoofobia: o medo de animais. A ênfase dada aos animais ditos "perigosos" faz parte da população enxergar o mundo selvagem como algo hostil, que deve ser combatido, e tal desconhecimento gera matanças desnecessárias.
Um dos mais populares símbolos de medo e do mal é a serpente. Mesmo em áreas rurais, onde é comum seu aparecimento, o bicho é indiscriminadamente morto. Mas se conseguíssemos perguntar a uma cobra questões como: você quer me matar? Você é caçadora de seres humanos? Ela responderia a todas com um sonoro "não". Sim, acidentes acontecem, mas são questão de defesa. Pensando nos bichos que povoam o imaginário como perniciosos, o UOL consultou diversos pesquisadores para saber sobre quanto desse temor é realmente fundamentado.
Amigo-bicho
Serpentes
O correto é falar serpente e não cobra e o Brasil tem o menor índice de acidentes com esses animais do mundo. Aqui apenas cinco espécies são peçonhentas, ou seja, possuem a capacidade de injetar veneno na presa. Dentre elas temos a cascavel (Crotalus durissus), a coral verdadeira (Micrurus sp) e a jararaca (Bothrops jararaca). As serpentes, peçonhentas ou não, são répteis, atacam para se alimentar e pessoas não fazem parte do cardápio habitual. Se um indivíduo de qualquer dessas espécies atacar um ser humano para se defender terá que esperar, em média, 15 dias para produzir novo veneno e isso significa um longo período de fome.
Além de participarem de uma cadeia alimentar que mantém o equilíbrio natural, as serpentes também servem diretamente aos seres humanos: o captopril, um anti-hipertensivo, é sintetizado a partir do veneno da jararaca. Atualmente, há diversos estudos sendo conduzidos com o veneno das cascavéis, que fornece uma cola biológica e outras substâncias de uso médico como analgésicos, anti coagulantes e, até mesmo, agentes eficazes no combate ao câncer.
Para evitar acidentes tome cuidado ao andar em descampados e áreas com vegetação e procure estar atento ao lidar com folhas úmidas ou raízes e deslocar pedras e tijolos, por exemplo. As serpentes vivem em tocas e buracos e gostam de tomar o sol da manhã em locais frios. Se encontrar uma em seu caminho, mantenha a calma e desvie, ela vai estar tão assustada quanto você. Se uma entrou em sua casa, chame o serviço de zoonoses da região ou o corpo de bombeiros (193), o Instituto Butantan não pode mais ser acionado para fazer o trabalho de remoção de serpentes. Se estiver em uma região endêmica, o recomendável é instalar telas de proteção em portas e janelas. E é sempre bom lembrar: matar animais silvestres é crime federal, segundo o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais).
Sapos
Outro mito que precisa ser desfeito: sapos não jorram veneno nos olhos das pessoas "a torto e a direito". Seu veneno fica guardado em glândulas perto dos olhos que precisam ser muito pressionadas para possibilitar a saída da substância, por isso são chamados anfíbios de defesa passiva. Logo, você vai precisar pegar um sapo na mão, apertar suas têmporas com força e colocá-lo bem em frente ao seu rosto para aumentar a possibilidade de ser atingido. Todavia, animais domésticos e sapos não combinam e o motivo é simples: se o cão ou gato tentar abocanhar o bicho, as tais glândulas parotoides podem ser pressionadas e o veneno, excretado.
Se olharmos os pontos positivos, sapinhos adoram comer insetos e aracnídeos e ajudam a controlar tais populações. Se um desses animais entrar em sua casa, afugente-o com uma vassoura ou pegue-o cuidadosamente com um pano, colocando-o para fora. Nada de arremessar um punhado de sal no coitado! A saber: sapos também são animais silvestres protegidos pelo IBAMA.
Aranhas
Entre os diversos tipos de medos patológicos, a aracnofobia é um dos mais frequentes. Apesar desse temor, as picadas são pouco comuns e raramente mortais. As aranhas, assim como as serpentes, não são seres prontos a nos atacar. Elas oferecem a menor mortalidade entre todos os animais peçonhentos (serpentes, abelhas, escorpiões e lagartas). Esses aracnídeos são em sua maioria venenosos, mas, assim como as serpentes, poucas espécies no Brasil são realmente perigosas: destacam-se a aranha marrom (gênero Loxosceles), a armadeira (gênero Phoneutria) e a viúva negra (Latrodectus curacaviensis). Além disso, as excretas de aranha não causam "cobreiro", bolhas de origem viral que aparecem na pele, e popularmente atribuídas a tais bichos.
Antes de sair chinelando qualquer aranhazinha (famílias Theridiidae e Pholcidae) que aparece na sua casa, saiba que elas ajudam a minimizar a quantidade de moscas e pernilongos. É importante se informar e tentar não interagir com as espécies mais perigosas, mas entenda que elas também só querem se alimentar, como todos nós. Esses bichos são predadores naturais de insetos e ajudam a controlar a população de tais bichos. Se mesmo assim você não quer esses animais em sua casa, tele as portas e janelas para evitar a entrada e se, por ventura, um acidente ocorrer, procure um médico de imediato.
Lagartixas
"Taí" um bicho completamente inofensivo: as lagartixas domésticas, de coloração bege clara e olhos escuros, são répteis que se alimentam de insetos e, dessa forma, ajudam a reduzir a população de moscas e mosquitos. Não são venenosas e suas fezes não transmitem doenças. A espécie Hemidactylus mabouia, da família Gekkonidae, se alimenta de moscas, traças, pequenas mariposas e mosquitos, inclusive o da dengue. Também adoram umas baratinhas! Assim, se houver uma ou mais lagartixas em casa, deixe-as em paz. Elas estão trabalhando a seu favor.
Lagartas
A lagarta é simplesmente a fase larval de um inseto da ordem Lepidoptera, que se transformará em uma borboleta ou mariposa. A maioria é inofensiva à saúde humana, mas as taturanas cheias de cerdas e espinhos (família Megalopygidae e Saturniidae) são venenosas e, neste caso, é melhor ficar bem longe delas.
Coloridos e chamativos esses bichos avisam "mantenham-se distantes", mas se eles estiverem destruindo alguma planta do jardim, é possível retirá-los: o procedimento mais correto é a "catação manual" e transferência das lagartas para outro local com vegetação (ou o encaminhamento a centros de pesquisa). Para executar tais serviços, use luvas de proteção grossas. De forma geral, evite exterminar tais insetos, pois são importantes polinizadores e fazem parte da cadeia alimentar de outros bichos.
Morcegos
Morcegos controlam populações de insetos e polinizam diversos tipos de plantas. As pessoas têm medo desses animais por conta daqueles se alimentam de sangue, mas das mais de 1,2 mil espécies que existem no mundo, apenas três são hematófagas e, mesmo nesses casos, raramente há episódios envolvendo humanos. Entretanto, os morcegos de modo geral são portadores de doenças que podem ser transmitidas ao homem e a outros animais: a raiva é a mais comum delas. O acúmulo das fezes também gera a proliferação de fungos que, se respirados, causam doenças de difícil diagnóstico.
O convívio direto, portanto, pode trazer riscos à saúde e alguns cuidados são aconselháveis, como vedar acessos ao telhado com telas e verificar a existência de telhas quebradas. No caso de haver morcegos alojados em sua residência, feche o acesso aos outros cômodos, abra portas e janelas que permitam a saída do animal e acenda as luzes, deixando o exterior mais escuro. O animal não deve ser manuseado, aprisionado ou atordoado de forma alguma. Simplesmente afugente-o sem tocá-lo. Alternativa é chamar o centro de controle de zoonoses para a captura. E, em caso de acidentes, procure um médico imediatamente.
Fontes: Carlos Jared, pós-doutor em Biologia Integrativa pela USP (Universidade de São Paulo) e diretor do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan; Felipe A. P. L. Costa, biólogo pesquisador e mestre em Ecologia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Paulo Cesar Motta, doutor em Ecologia pela Unicamp (Universidade de Campinas) e professor pesquisador da UnB (Universidade de Brasília); Roberto Henrique Pinto Moraes, biólogo e mestre em Entomologia pela Esalq – USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo) e pesquisador científico Instituto Butantan; Rodolpho Gonçalves da Silva, biólogo do Museu Biológico e do Observatório de Aves do Instituto Butantan; Professor Dr. Wilson R. Lourenço, pesquisador do Muséum national d'histoire naturelle (Museu Nacional de História Natural da França) e especialista em aracnídeos e escorpiões.
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