Na terceira idade, homem tem mais chance de estar casado do que mulher
Em intervalos de alguns anos, um grupo de organismos federais dos Estados Unidos publica dados que afetam os idoso, como habitação, emprego e lazer. Os números que se destacaram para mim no relatório mais recente, "Norte-americanos Idosos 2016", dizia respeito a uma questão mais íntima: diferenças de gênero quanto ao estado civil. Para trocar em miúdos, elas são enormes, com consequências muito além do puramente pessoal. Segundo o estudo, em cada faixa etária, os homens idosos apresentam uma probabilidade muito maior de estarem casados do que as idosas.
Quase 75% dos homens com idades entre os 65 e os 74 anos são casados, contra 58% das mulheres da mesma faixa etária. De maneira mais surpreendente, a proporção de homens casados na faixa dos 75 aos 84 anos não declina; entre as mulheres, ela cai para 42%.
Até mesmo entre os homens com mais de 85 anos, quase 60% são casados. No mesmo intervalo, somente 17% das mulheres estão casadas.
A expectativa de vida explica somente uma parte desse abismo, diz Deborah Carr, diretora temporária do Instituto para Saúde da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, que estudou casamento e viuvez.
Sim, as mulheres costumam viver mais tempo e desposar homens mais velhos do que elas, então apresentam maior probabilidade de ficarem viúvas.
O outro fator, no entanto, é que os "homens são muito mais propensos a casar novamente do que as mulheres", diz Deborah. Com 2,55 mulheres para cada homem entre as pessoas solteiras com mais de 65 anos, e 3,27 mulheres não casadas para cada homem solteiro com mais de 85 anos, "o homem que desejar casar novamente tem muitas possibilidades de escolha". Em idades avançadas, tais diferenças podem ter repercussões significativas.
Levemos em consideração o estilo de vida. Entre as pessoas com mais de 75 anos, o relatório afirma que 23% dos homens moram sozinhos. No caso das mulheres, a cifra dobra.
Pessoas saudáveis e com dinheiro suficiente podem florescer por conta própria. Vejamos o caso da minha amiga artista Frieda Kasden, de Rockville, Maryland. Elegante (e ainda loura) aos 89 anos, Frieda enviuvou duas vezes e teve relacionamentos importantes posteriormente, mas continua sendo uma solteira feliz.
"Os homens não se dão bem sozinhos. As mulheres vicejam. Elas vão a espetáculos, viajam, jogam baralho", afirma ela. Bem, Frieda viceja. Ela parou de dirigir, mas conhece todos os motoristas do Uber pelo nome. Já as mulheres que sofrem com problemas financeiros ou isolamento social, podem se beneficiar com um parceiro.
E muitas idosas solteiras enfrentam dificuldades econômicas. "As mulheres são mais afetadas financeiramente pela viuvez e o divórcio", assegura Deborah Umberson, diretora do Centro de Pesquisa Populacional da Universidade do Texas, campus de Austin.
Impacto econômico
Qual o tamanho do impacto? Alicia Munnell, diretora do Centro para Pesquisa de Aposentadoria da Faculdade de Boston, calculou as taxas de pobreza baseada nos dados atuais do censo norte-americano. Quase 8% dos idosos casados são pobres ou "quase pobres". Entre os homens solteiros, a porcentagem sobe para perto de 20%. No caso das mulheres solteiras, é de 27%.
A pesquisa também já demonstrou que o casamento pode fazer bem. "Divórcio e viuvez são horríveis para a saúde", fala Umberson.
Os homens idosos podem sofrer o maior impacto a seu ver porque as "mulheres são as especialistas em saúde dentro das famílias", as que marcam consultas médicas e tomam conta dos remédios e da dieta. "Quando os homens perdem isso, sofrem as consequências na saúde."
Só que as mulheres idosas também sofrem. "Problemas econômicos fazem mal à saúde", diz Umberson, e novamente as solteiras suportam o maior impacto.
Sempre presumi que a desproporcionalmente da população feminina em casas de repouso se devesse à longevidade, mas, talvez, as mulheres encham esses lugares não apenas porque estão enfermas e necessitam de cuidados, mas também porque estão mais propensas a estarem solteiras.
Por exemplo, pacientes solteiros com Alzheimer entram em clínicas geriátricas muito mais cedo do que os casados, segundo estudo conduzido por Susan Miller, gerontóloga e epidemiologista da Universidade Brown.
Gail Schwartz, por exemplo, passou cinco anos garantindo que David, o marido que sofria de demência vascular, pudesse viver e morrer em casa, em Chevy Chase, Maryland. "Ele ficava mais à vontade e calmo com objetos familiares e pessoas ao redor. Era uma coisa que eu queria e planejava fazer, algo que amigas fizeram pelos maridos."
Primeiro, ela foi a única cuidadora, depois contratou auxiliares para ajudar. E conseguiu evitar o lar de idosos. David Schwartz tinha 85 anos quando morreu em casa, em julho de 2015. Gail Schwartz, 79 anos, ainda se recupera da perda, retomou o voluntariado, a natação, as caminhadas e o grupo de leitura. Amparada pela família e pelos amigos, ela deve se sair bem por conta própria, mas sabe que, se precisar ser cuidada, não tem ninguém em casa para fazer isso, como fez com o marido.
Temendo que esse cenário pareça inteiramente sombrio, quero assinalar que cientistas sociais documentaram formas pelas quais mulheres idosas florescem após a viuvez e o luto. Por exemplo, no estudo de Deborah Carr com residentes idosos de Detroit, as mulheres com maior dependência emocional dos maridos durante o casamento apresentavam os níveis mais elevados de autoestima na viuvez. "Elas tiveram de aprender novas capacidades. Em questão de um ano, vemos expansões em coisas como crescimento pessoal."
Também sabemos que muitos casamentos não são idílicos e que o próprio estresse do relacionamento cobra seu preço em termos da saúde dos idosos. Além disso, as mulheres idosas têm uma arma nada secreta: fortes laços sociais. Reuniões sociais, grupos de leitura e amizades valem a pena. "As mulheres têm relacionamentos mais próximos e confiantes, que são excelentes para a saúde, tanto física quanto mental", afirma Umberson. "Elas também costumam ser mais próximas dos filhos adultos."
Divórcio grisalho
Mudanças de companheiros podem terminar torpedeando essas diferenças de gênero e maritais. O índice de divórcio entre quem tem mais de 50 anos, chamado de "divórcio grisalho", dobrou desde 1990, por exemplo. Como os divorciados apresentam uma propensão maior a casar novamente ou morar junto do que viúvos, veríamos uma porcentagem menor de idosos morando sozinhos nos próximos anos.
Uma série de mudanças socioculturais, do menor estigma em relação ao divórcio até mais mulheres na força de trabalho, também poderia ser importante enquanto a geração do pós-guerra e seus filhos envelhecem.
"Vimos modificações tectônicas na saúde e nas crenças quanto ao que constitui uma família", declara John Cagle, professor de assistência social da Universidade de Maryland, campus de Baltimore, que estuda o estado civil em idosos.
Ele assinala que a raça e a etnicidade também desempenham papéis importantes. Por exemplo, afro-americanos e hispânicos idosos têm maior tendência a enfrentar problemas financeiros, independentemente do estado civil.
Minha amiga Frieda está do lado de quem não pretende voltar a se casar. "Estou velha demais para fazer o jantar de alguém toda noite", ela me disse aos risos. Frieda prefere pintar.
Gail Schwartz, que não está pronta para namorar, mas considera solitária sua casa vazia, acha que "seria maravilhoso em algum instante ter um parceiro com quem compartilhar a vida".
Ela, entretanto, é realista quanto a ser uma mulher solteira de quase 80 anos que um dia pode vir a precisar do tipo de auxílio que está mais acostumada a oferecer.
"Já conversei com minhas filhas a esse respeito. Não posso esperar morar com elas. Elas têm suas próprias vidas, seus filhos", conta Gail.
Se vier a precisar de cuidados, ela disse às três para acharem uma clínica agradável e para visitá-la. "Eu lhes dei permissão. Quero que saibam que é isso que desejo que façam."
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