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Miss Brasil relata que se achava feia e era subestimada por ser negra

Patrícia Colombo

Do UOL, em São Paulo

16/12/2016 07h00

Em 12 de janeiro, Raissa Santana se juntará a mais de 80 candidatas do mundo inteiro no confinamento para o Miss Universo, cuja edição de 2016 será realizada no próximo dia 30 de janeiro (sim, em 2017 mesmo) nas Filipinas. Primeira negra eleita Miss Brasil em exatos 30 anos, quando Deise Nunes assumiu a coroa, Raissa já foi vítima de preconceito e defende que o concurso se sustenta em muito mais do que eleger a mais gata da lista. “A Miss é uma referência e é mais do que um exemplo de beleza, é de comportamento. E é também uma questão de quem você representa estando lá”, afirma, em entrevista ao UOL.

A preparação para o evento envolverá, claro, muita malhação, encontros com nutricionista, aulas de inglês, lições de passarela, coaching, entre outros compromissos e orientações. A pausa da correria só acontece durante o período de festas, que serão celebradas junto à família no Paraná. Nascida em Itaberaba, na Bahia, migrou para São Paulo quando tinha apenas um ano de idade. Por aqui, viveu durante cinco anos, quando sua mãe, após diversas tentativas de melhoria das condições de vida trabalhando como empregada doméstica, resolveu se juntar ao restante dos parentes que moravam em Umuarama, no Paraná. Ali, fixaram-se.

“Em São Paulo eu não podia nem brincar na rua”, relembra. “Vivi infâncias diferentes e a que tive no Paraná é a quero poder oferecer para os meus filhos. Quando nos mudamos, a vida se transformou. Soltava pipa, morava com os primos, então era aquela bagunça. Era muito divertido.” A mãe de Raissa a criou sozinha, contando com o auxílio da tia e da avó da modelo. “Não tive uma criação tradicional, mas as mulheres da minha casa são meus maiores exemplos”, diz.

De vítima do preconceito à referência
Raíssa tem duas irmãs, uma de 8 anos e outra de 17, e dois irmãos, um de 10 e outro de 19 anos. Entre as garotas, dicas de moda e beleza são frequentes e a primogênita lidera como referência, claro. “Somos muito unidas. Elas pedem minha opinião para tudo. Quando era mais nova, como muitas meninas negras, caí no erro de alisar meu cabelo. Depois, vivenciei aquele processo demorado de transição de quase dois anos para conseguir assumir meu black power. Observando tudo o que passei, minha irmã adolescente resolveu fazer o mesmo e desistiu das químicas. Hoje ela ama os cachos que tem”, comenta.

Mas a história nem sempre foi de empoderamento. Quando mais nova, a baiana não gostava do que via no espelho, não sabia mexer no seu próprio cabelo a ponto de ele naturalmente ficar de um jeito que lhe agradasse e o deslocamento na sociedade era uma sensação que fazia parte de seu dia a dia --sobretudo na pré-adolescência, período em que o bullying dos colegas de escola se tornou constante. “Me zoavam por ser feia, desengonçada”, conta. “Eu era uma negra com cabelo cacheado... Hoje eu tenho essa maturidade para entender que havia preconceito racial velado.”

A mudança foi iniciada aos 15 anos, quando a descobriram em uma academia onde trabalhava como secretária. Participou de um concurso de beleza –como a única negra na competição-- e levou segundo lugar. “Inicialmente, era estranho porque não via ninguém como eu ali, mas foi muito importante para a minha autoestima. O primeiro ensaio de fotos que fiz foi um choque porque descobri que eu não era o horror que a galera no colégio dizia que eu era”, relembra. “Foi um período de confusão na minha cabeça (risos).”

Após a experiência, seguiu como modelo. Matriculou-se na faculdade de Marketing e voltou a participar de concursos de beleza com a inscrição da competição municipal em 2015. Tornou Miss Umuarama 2016, depois Miss Paraná e, em outubro, Miss Brasil. “O aumento da autoestima leva a uma conscientização de quem você é. Passei a gostar de tudo sobre mim, sobretudo a negritude. O amor pelo meu cabelo e pela cor da minha pele”, afirma.

Raissa ainda pontua que existem poucas negras nas competições, mas acredita na mudança do cenário. “Lembro que na competição estadual, por exemplo, havia 41 candidatas, mas apenas duas negras incluindo eu mesma. Isso me deixa triste, mas há possibilidade para mudanças. No concurso de Miss Brasil já convivi com mais meninas e foi maravilhoso”, comenta, referindo-se aos estados de São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Maranhão e Rondônia, representados por Sabrina de Paiva, Victória Esteves, Beatriz Nalli, Deise D’Anne e Mariana Theol, respectivamente.

“Independentemente do que possam falar, a mulher negra tem que se sentir bem com ela mesma”, aconselha. “E não ligar para que os outros pensam, mas também não aceitar o preconceito --que existe embora muita gente prefira não ver. Porque saber se posicionar é necessário.”