Patrícia Poeta é uma das muitas vítimas de violência no parto; veja relatos
Quatorze anos depois do nascimento do único filho, a apresentadora e jornalista Patrícia Poeta abriu o coração sobre a violência obstétrica que sofreu no parto para a revista “Marie Claire”. "Meu obstetra me forçou a esperar até a 42ª semana, fiquei esgotada. Passei 14 horas com contrações fortíssimas, até que ele optou pela cesárea”, revelou para a publicação.
O relato de Patrícia é uma faceta da violência obstétrica, que pode se manifestar de várias formas. Segundo a organização não governamental Ártemis –que combate todas as formas de violência contra a mulher--, ela vai desde a restrição de direitos garantidos por lei, como a presença de um acompanhante, a intervenções físicas desnecessárias, como a episiotomia indiscriminada (corte entre a vagina e o ânus).
Segundo pesquisa "Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado", realizada em 2010, pela Fundação Perseu Abramo e Sesc, no país, uma a cada quatro mulheres sofre alguma forma de violência --física ou psicológica-- na hora do parto. O estudo aborda diferentes questões que envolvem machismo e violência contra a mulher. Foram entrevistadas 2.365 mulheres e 1.181 com homens. Para responder sobre violência obstétrica, 62% das mulheres envolvidas no estudo participaram dos questionários.
A seguir veja os relatos de três mulheres.
“Senti ele me cortar e costurar”
“Sofri violência obstétrica nos partos dos meus dois filhos. Fiz o pré-natal do meu mais velho pelo SUS [Sistema Único de Saúde], em uma unidade básica de saúde perto da minha casa. No dia 30 de janeiro, fui em uma consulta, o médico constatou que eu estava com dois dedos de dilatação e marcou retorno para 10 de fevereiro. Em 2 fevereiro, depois de já não estar me sentindo bem há alguns dias, fui em um pronto-socorro. Uma médica fez um exame de toque e retirou o tampão do meu colo do útero. Foi sem meu consentimento. É um método utilizado para acelerar o trabalho de parto em ocasiões específicas, não para ser feito de forma indiscriminada com uma gestante de 37 semanas, meu caso. Fui embora com bastante dor e tive um pouco de sangramento. Cheguei em casa às 21h e às 5h do dia seguinte, minha bolsa rompeu e fui para a maternidade. O Arthur nasceu às 7h40, e o meu marido não pode ficar comigo na hora do parto. No hospital em que tive meu filho, em São Bernardo do Campo (SP), só era permitido mulher como acompanhante. O parto foi vaginal e o obstetra –que em nenhum momento conversou comigo— fez uma episiotomia sem me explicar o porquê e tirou o bebê a fórceps. Além disso, havia uns 20 estudantes de medicina assistindo ao nascimento do meu filho. Oito anos depois, para não passar por tudo isso de novo, já tinha convênio médico e escolhi um profissional que havia feito partos de várias mulheres da minha família. Achei que se tivesse uma pessoa em quem confiasse ao meu lado não sofreria o que passei no parto do Arthur. Mas o médico fez outra episiotomia em mim, sem anestesia. Senti ele cortar e costurar. Ele não esperou minha placenta sair naturalmente. Cortou o cordão umbilical antes que ele parasse de pulsar. A Ana Laura não mamou em mim assim que nasceu. Foi uma das piores experiências que tive na vida. É assustador pensar que aquela pessoa que pensei que fosse cuidar de mim foi quem cometeu as piores atrocidades comigo. No pós-parto, senti muita dor. Manquei por dez dias, mas é preciso falar sobre o assunto para que as pessoas entendam que é a mulher quem tem de ser protagonista do próprio parto e não o médico.” (Ligia Marina Ferreira, 34 anos, mãe do Arthur, 11, e da Ana Laura, 3)
“O anestesista deixou um desconhecido treinar em mim”
“Minha filha nasceu em um hospital particular de alto padrão em São Paulo, mas isso não impediu que eu passasse por uma situação que, só algum tempo depois, entendi que era violência obstétrica. Fui para a cesárea com muito medo do momento da anestesia. Na sala de preparação, o anestesista não se preocupou em se apresentar a mim, só fez uma cara de ‘imagine, não precisa ter medo’. Quando cheguei na sala de parto mesmo, vi que ele estava sentado em um canto, com um Ipad nas mãos. Outro profissional veio até mim, não sei até hoje quem ele era exatamente. Se era um residente... Foi ele quem tentou aplicar a anestesia. Tentou, porque não conseguiu. Foi apenas quando perguntei se estava fazendo algo errado que o anestesista de fato falou ‘tira aí, que eu faço’. Só que eu já tinha sido furada umas três vezes. Fiquei com um roxo imenso na coluna. O rapaz que tentou e não conseguiu aplicar até pediu desculpas, mas o anestesista mesmo nem se manifestou ou explicou quem era aquela pessoa estranha treinando na minha coluna.” (Anna Carolina Zanichello Andrijauskas, 27 anos, mãe da Helena, 2)
“Por que está gritando assim? Vai nascer um boi?”
“Para evitar que o médico do convênio me encaminhasse para uma cesárea desnecessária, resolvi ter meu filho na emergência de um hospital do plano. Comecei a ter contrações em uma segunda-feira e fiquei indo e vindo do hospital. Chegava lá, examinavam-me e diziam que eram contrações de treinamento e me mandavam para casa. Na sexta da mesma semana, voltei para a maternidade com muita dor. Mesmo falando o que sentia, vi umas cinco mulheres passarem na minha frente. Quando, enfim, o obstetra veio, sem avisar nem nada, estourou minha bolsa. Estava doendo para caramba e eu soltava uns gritos. Foi quando ele falou: ‘Por que está gritando assim? Vai nascer um boi?’. Eu me retraí na hora e passei a me segurar para não dar um pio. Durante todo o parto, o médico não se dirigiu a mim. Ele falava para a enfermeira me ensinar a fazer força. Tive um parto normal com anestesia. O obstetra tirou o bebê com fórceps e não me explicou nem colocou no prontuário. Só descobri depois porque a pediatra que examinou o Henrique disse que ele estava com uma marquinha do instrumento na testa.” (Kátia Anastácio, 27 anos, mãe de Henrique, 1 ano e meio)
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