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Cortella: "É perigoso imaginar a vida como na web e deletar o que te cansa"

?Pais não têm de dar muita satisfação aos filhos", diz Cortella - Bruno Poletti/Folhapress
?Pais não têm de dar muita satisfação aos filhos", diz Cortella Imagem: Bruno Poletti/Folhapress

Beatriz Vichessi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

01/02/2017 04h05

Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o filósofo Mario Sergio Cortella, autor de Por que fazemos o que fazemos? (Ed. Planeta),  elogia a geração de jovens com energia para empreender e inovar. Considera-a bem preparada para o mercado de trabalho, mas mal-educada. Ele aponta caminhos para os pais de fato educarem os filhos. Um deles é delegar tarefas domésticas. Outro, frear o hábito de comprar, comprar e comprar.  

UOL: Por que diz que jovens de hoje são ultra preparados e mal-educados?
Cortella: Eles não são mal-educados intencionalmente, a nova geração é um patrimônio magnífico para a sociedade, tem energia. A má educação a que me refiro tem a ver com hábitos que os adultos que os criaram formaram neles. Eles têm certo descompromisso com a etiqueta. Faltou que a família deixasse claro a relação de subordinação entre pais e filhos e incutisse a ideia de responsabilidade. Não faz sentido criar filhos como se não existissem fronteiras entre o mundo adultos e jovens.

A má educação dos jovens de hoje começa ainda na infância?
Sim. Há crianças que consideram ofensa ter de ler um livro para a escola, fazer tarefa de casa. Confundem desejos com direitos, não têm percepção do que é autoridade.

Por que pais que se trabalham tanto para garantir boa formação acadêmica aos filhos falham em educá-los em casa?
Existe uma confusão na cabeça das pessoas entre direitos e desejos, coisas distintas. Para desejo ser direito, preciso me esforçar, empreender energia. Temos de preparar as crianças para que tenham perdas e recusas na vida. É perigoso imaginar que a vida está ficando parecida com as redes sociais. Cansou de algo? Exclui, deleta, desconecta. As famílias contemporâneas de classe média quase não levam mais os filhos a velórios. Eles precisam ver adultos lidando com a situação, saber que há momentos que algo termina mas a vida continua. Se essa ideia não é formada, quando perderem um emprego ou um amor, vão se desesperar, deprimir... Sobre recusas, se no shopping, uma criança diz “eu quero”, os pais dizem “não” e ela começa a chorar, devem ir para casa, deixá-la chorar, lidar com a recusa. Pais não têm de dar muita satisfação aos filhos. A resposta em algumas ocasiões têm de ser terminal: “não”.

 

Muitos pais cobram perfeição de si mesmos e acabam não sabendo como lidar com os filhos: têm medo de dizer não e com isso não serem carinhosos. Acabam sempre cedendo. Como balancear afeto e firmeza?

É doentio supor que se conquista o afeto de alguém com frouxidão, dando objetos em troca ou poupando o outro de esforço. Estamos formando crianças e jovens com “consumolatria”: sair de casa é sinônimo de comprar e se não o fazem, têm a sensação de perda de tempo.

Na prática, como educar crianças e jovens?
Distribuir as tarefas de casa. Nos Estados Unidos, o menino pode ser filho do presidente de uma multinacional e mesmo assim, lava louça, tira neve da frente da casa e arruma a garagem. Não podemos enfraquecer a nova geração.

Os jovens estão chegando ao mercado com pressa de subir na carreira. Como explicar que não é assim?
Empresa e família têm de ajudá-los entender que no mundo do trabalho há alguns elementos básicos: hierarquia, compromisso com metas e prazos, desempenho, e que atos correspondem a premiações ou punições. Têm de mostrar que a energia deles, que está a solta precisa ser ordenada. A conduta imediatista que eles têm na vida é contrária a eles mesmos no mundo do trabalho. Carreira se constrói com paciência, que não é sinônimo de lerdeza. Muitos jovens argumentam “por que fazer faculdade?”. Citam Bill Gates e Marck Zuckerberg, pois eles abandonaram os estudos. Mas eles deixaram Harvard, uma das melhores do mundo! Não estavam sentados e foram convidados a estudar lá. E mais: Gates deixou a faculdade no quarto ano - foi uma alteração de rota.