Daniele da Mata usa a maquiagem como ferramenta para encarar o racismo
O tom certo da base, a cor ideal do corretivo, os mitos sobre os batons considerados proibidos e truques para fazer o contorno facial. O que para muita gente pode parecer apenas uma lista de truques de beleza, para a paulista Daniele da Mata, 26, representa as ferramentas usadas para ajudar mulheres negras a se aceitarem e se fortalecerem para encarar a vida -- e o racismo.
Em seu projeto "Negras do Brasil", Daniele dá aulas de maquiagem que vão muito além dos pinceis e das técnicas. Autoestima, transição capilar, racismo e até violência doméstica são assuntos que sempre aparecem no curso e, para ela, tudo isso está ligado. "Eu acredito que muitas das questões do racismo e das mulheres têm a ver com autoestima. As mulheres negras se verem e se reconhecerem é muito importante para um processo de mudança na sociedade", explica ela.
E quem vê essa mulher poderosa, ensinando e conduzindo, com seu cabelo bicolor e muito estilo, não imagina que esse processo de aceitação e reconhecimento foi algo que ela mesma já teve de encarar.
"Não havia tonalidades para a minha pele"
Criada por sua mãe, avó e tias, Daniele cresceu entre mulheres negras fortes, mas mesmo assim não conseguia reconhecer sua beleza na infância e adolescência. "Eu não gostava do meu cabelo, da estrutura do meu corpo e do meu nariz. Não me sentia bonita em nada e não tinha referências do meu tipo de beleza", lembra ela, que não usava maquiagem. "Até porque não havia muitas tonalidades para a minha pele."
Mesmo assim, os cosméticos faziam parte de sua vida desde cedo: aos 16, começou a trabalhar em uma fábrica de produtos de beleza, na produção. "Comecei etiquetando produtos, embalando e fui crescendo, até aprendi como produzi-los". Ali dentro, ela via a origem daquilo de que sentia falta no cotidiano: não havia fabricação focada na pele negra.
No mesmo período, Daniele ingressou no programa Promotoras Legais. "Eu queria ser advogada e parecia uma oportunidade de conhecer a lei, aprender. Nesse grupo acabei tendo contato com as questões do feminino e também da violência contra a mulher".
Com o cabelo alisado e com a autoestima no chão, aos 18 anos ela entrou em depressão "Estava sobrecarregada no trabalho, coordenava um setor, trabalhava muito, mas não tinha perspectiva de crescer. Era muito frustrante". Ela aguentou mais dois anos até que chegou ao limite: decidiu pedir demissão e tentar realizar o sonho de ser advogada.
"Pensei em fazer cursinho, mas não tinha grana. Aí me dei conta de que a única coisa que eu sabia fazer e falar sobre era maquiagem". Matriculou-se, então, em um curso técnico de maquiagem, com o intuito de ganhar algum dinheiro para pagar o cursinho, em 2010.
Daniele passou, ainda, por salões de beleza e estúdios de fotografia e a maquiagem ganhou cada vez mais importância em sua vida. Até que, em 2012, abriu sua escola de maquiagem, a Damata Makeup. "Quando alguém me sugeriu fazer aulas para mulheres negras, achei uma loucura. Conhecia a indústria e o mercado, sabia o quanto era difícil o espaço para isso", lembra.
Curso focado na autoestima da mulher negra
Uma viagem a Salvador (BA) mudou sua visão. "Foi a primeira vez que saí do estado, meu primeiro voo. Quando vi o tanto gente preta, o tanto de tonalidades... Isso mudou minha perspectiva. Voltei com a ideia de pesquisar e criar maquiagem para a pele negra". Assim surgiu o projeto Negras do Brasil.
"Antes, nas minhas aulas, eu notava que as mulheres brancas queriam a técnica. Com a mulher negra tinha outra problemática, de autoestima, se aceitar, entender que é negra", explica. Isso fez com que ela pensasse que seu novo projeto deveria ser bem diferente das aulas que dava até então: deveria ser acessível, chegar a todo o Brasil e mostrar para as marcas que a mulher negra também consome maquiagem.
A execução começou pequena, em São Paulo, até conseguir patrocínio de uma marca para levar suas aulas para outros estados. Enquanto isso, Daniele teve problemas com o alisamento dos cabelos e se viu forçada a iniciar a transição para assumir seus cachos. "Comecei a mudar. A troca com as alunas era especial e passei a ter objetivos diferentes. Comecei a me aceitar também".
"Eu me sinto bonita todos os dias"
Uma nova realidade surgiu para Daniele: seus cursos a levaram para lugares aonde coisas básicas ainda não chegavam. "Conheci mulheres que não têm acesso à internet, à transição capilar. Chego ali e meu cabelo é uma atração", conta.
Nas aulas, ela fala de como encontrar a base certa para o tom de pele, de técnicas de maquiagem e também desmonta mitos que cercam o assunto. "Você pode ter o rosto que quiser com a maquiagem. Mas por que diminuir o nariz? Peço para as mulheres pensarem. Se você precisa se transformar para se aceitar, será que a questão está na maquiagem?".
As mulheres relatam suas histórias e as aulas vão além. Em vez de aprenderem técnica para disfarçar o que não gostam em si, as alunas saem com um novo olhar sobre sua aparência: de reconhecimento de que são bonitas.
A cada aula, Daniele tenta reproduzir o processo que viveu nos últimos anos, de se aceitar e se amar. "Amadureci demais com isso tudo. Hoje eu me sinto bonita todos os dias. E quando a gente compartilha as mesmas dificuldades, a gente pode se ajudar".
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