Criança autista tem matrícula recusada em escolas e mãe cria campanha
A publicitária Fernanda Poli descobriu no ano passado que o filho Miguel, de 3 anos, tem autismo. Ao receber o diagnóstico, a mãe passou a procurar uma escola com salas menores e com um olhar mais focado na inclusão, onde o menino pudesse se desenvolver melhor. Ela só não esperava que essa busca seria tão difícil. Miguel já teve matrícula recusada em dois colégios.
Segundo a publicitária, o grau de autismo do garoto leve. "Ele é comunicativo, então, só dá para perceber que ele é autista com a convivência. Procuramos ajuda médica por algumas questões, como por exemplo, o fato de ele não atender quando é chamado pelo nome. Todos os exames que fazíamos não acusavam nenhum problema, até que o meu pediatra de infância, que é especialista em autismo, chegou ao diagnóstico", afirma.
Diferentemente de muitos pais, que veem o mundo ruir ao descobrir que o filho tem a doença, Fernanda e o marido se sentiram aliviados por terem recebido o diagnóstico cedo e logo focaram em medidas para ajudar Miguel. "Claro que não queríamos isso para nosso filho até por questões de preconceito e discriminação. Mas lidamos com muita calma e leveza. Começamos a participar de grupos para familiares com crianças com autismo e buscamos muita informação. Foi quando resolvemos buscar uma escola que tivesse um programa de inclusão".
Primeira negativa
Ainda em 2016, Fernanda buscou a Escola Viva, na Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo. "Foi uma indicação da psicóloga do meu filho e é conceituada como inclusiva. Passamos por um processo seletivo. Participei de duas reuniões e a terceira foi uma vivência dele na escola assistida pela professora que seria a do período", conta. Além disso, Fernanda preencheu um formulário de solicitação de bolsa de estudos.
Após a vivência de Miguel, a instituição entrou em contato com Fernanda e disse que a bolsa foi recusada e que eles não poderiam aceitar o filho dela na escola, pois a turma que ele entraria não tinha mais vagas para inclusão. "Na época, achamos que eles podiam fazer esse tipo de recusa. Acabamos guardando essa rejeição e não procuramos saber. Foi só com o passar do tempo nos grupos de pais com crianças autistas que aprendemos mais sobre a legislação e vimos que a escola estava errada", conta.
A escola alega que como o período da tarde estava com todas as vagas de inclusão preenchidas, ofereceu que o aluno fosse matriculado no período da manhã. Os pais, no entanto, negam que essa proposta tenha sido feita.
Segunda negativa
Em abril deste ano, Fernanda achou que sua saga atrás de uma escola para Miguel tinha terminado ao encontrar a Escola Morumbi, em Moema. "Fiquei encantada com a escola e já estava imaginando o Miguel estudando lá. Logo na primeira entrevista, falei que ele era autista e veio o silêncio. A coordenadora, então, pediu para que voltássemos lá para que o Miguel passasse por uma vivência e achamos que era mais para conhecê-lo do que para dizer sim ou não", fala.
Miguel foi assistido por duas coordenadoras da escola e, 45 minutos depois, elas foram conversar com os pais para informar que não havia vagas para inclusão na turma desejada. "Aí eu questionei, na semana passada tinha e agora não tem? E elas falaram que infelizmente não tinha", conta.
Na hora de ir embora, o filho nem queria sair da sala, o que partiu ainda mais o coração dos pais. "Fomos embora muito chateados e foi aí que pensei em quantos pais estão passando pelo mesmo que a gente, sendo que muitos não têm informação, sofrem calados", conta.
#autistaDEVEestudar
De acordo com Tatiana Viola de Queiroz, advogada especialista em saúde da Nakano Advogados, a lei da inclusão (13.146) e a lei de proteção aos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista (12.764) protegem a criança e destacam que nenhuma escola pode recusar uma criança com qualquer tipo de deficiência.
Na lei de proteção aos direitos do autista, por exemplo, de acordo com o artigo 7, o gestor escolar que se recusar a matricular o aluno com transtorno do espectro autista, pode ser punido com multa de três a 20 salários mínimos.
Para alertar os pais com filhos autistas, Fernanda fez um post em seu blog, "Curtindo com crianças" e criou a campanha #autistaDEVEestudar. "Quero que os pais não fiquem calados ao ouvirem uma negativa", diz.
Fernanda também fez uma denúncia a Diretoria de Ensino de São Paulo e ao Ministério Público. “Meu objetivo ao denunciar a Escola Morumbi não é que o Miguel seja matriculado lá, mas sim que a instituição seja punida. Quando você cita a Lei do Autismo em uma entrevista na escola, os coordenadores te olham com cara de alfafa, ninguém conhece a legislação. Os educadores precisam se conscientizar sobre o tema", fala.
"Quando a mãe vai lá tem vaga e depois que revela a condição do filho não tem mais? Por lei, essas instituições são obrigadas a aceitar o aluno. Mas, na prática, é preciso ponderar se os pais vão querer colocar o filho nessa escola que adotou uma postura dessa", fala.
Segundo a advogada Tatiana, além das denúncias já feitas por Fernanda, ela também pode entrar com um processo de danos morais contra as escolas. "Algumas atitudes só são entendidas quando pesam no bolso. A intenção do dano moral é diminuir o dano causado e punir a conduta da escola. Os pais do Miguel podem, inclusive, se comprometer a doar parte do valor recebido para uma associação de autismo", diz.
Outro lado
Em entrevista ao UOL, a pedagoga Ana Lúcia Figueira da Silva, coordenadora-geral do infantil da Escola Viva, afirmou que há 40 anos a escola se propõe a trabalhar com a diferença e é reconhecida pelo trabalho que faz com crianças que apresentam necessidades especiais. “Recebemos uma demanda grande de alunos que se encaixam nessas vagas de inclusão e como a escola se propõe a fazer um trabalho de qualidade, nem sempre podemos aceitar todos”, afirma.
A pedagoga também deixou claro que a escola não recusa a entrada das crianças, mas que elas ficam em uma espécie de 'fila de espera'. "Tem uma aluna de inclusão que esperou mais de um ano e hoje está aqui se desenvolvendo conosco. Toda escola tem limitação de vaga até por espaço físico. Tem momentos que tem vaga disponíveis e outros não", completa.
Já Juliana Chyla Hanftwurzel, diretora da Escola Morumbi, destacou que a instituição é realmente inclusiva e muito elogiada pelos órgãos supervisores de ensino por ter vários alunos de inclusão. "Cerca de 10% dos nossos alunos são de inclusão e nós recebemos a equipe de profissionais de saúde da criança que trabalham com ela fora da escola para avaliações. Toda semana recebemos pais para conversar sobre os alunos matriculados", diz.
Com relação ao caso de Fernanda, Juliana explicou que a recusa de Miguel ocorreu devido a presença de um outro aluno de inclusão no período da tarde. "Temos um número de alunos de inclusão em cada sala e consideramos que existe uma proporção ideal para um bom desenvolvimento das crianças. A sala em questão é uma turma de quatro alunos e já temos uma criança de inclusão com distúrbio muito próximo da criança da mãe que nos procurou. Não é só a inclusão, mas pensamos se podemos colaborar para o desenvolvimento do aluno. Assim, explicamos para a mãe que não achávamos que aquela classe, que já tinha um aluno de inclusão, era um ambiente adequado para o desenvolvimento do filho dela", fala.
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