Topo

"Não confio mais nos homens", diz vítima do "golpe da camisinha"

Vítimas do "stealthing" tem incentivado a criação de campanhas mundo afora contra a prática - Getty Images
Vítimas do "stealthing" tem incentivado a criação de campanhas mundo afora contra a prática Imagem: Getty Images

Thamires Andrade

Do UOL

08/05/2017 13h29

Os relatos de mulheres vítimas do "golpe da camisinha", quando o parceiro remove o preservativo durante a relação sexual sem consentimento, estão aparecendo com frequência cada vez maior. Esse novo tipo de violência sexual tem gerado campanhas mundo afora --o ato é conhecido como "stealthing" ("dissimulação", em tradução livre para o português). Veja, abaixo, o relato da universitária R. T., 25 anos, que passou por essa situação. Ela ficou tão traumatizada que, desde então, não conseguiu ter mais nenhum parceiro.

"Sou mãe solteira e não tenho namorado. Costumava procurar parceiros em um aplicativo de paquera e foi lá que reencontrei um conhecido, o Eduardo*, filho de uma amiga da minha mãe. No passado, tínhamos muita afinidade, conversávamos bastante, mas a vida acabou nos desencontrando. Eu era noiva e tive um filho, ele acabou casando e depois se separando. Começamos a nos falar pelo aplicativo e combinamos de sair.

Nos dois primeiros encontros, saímos para jantar. No terceiro, decidi ir para a casa dele e ver o que rolava. Até, então, o Eduardo me parecia um cara legal, não demonstrou nenhum comportamento machista. Na segunda vez que nos encontramos, trocamos carícias mais intensas no carro e a todo momento ele me perguntava se eu estava confortável com a situação. Nunca houve nada estranho.

Na casa dele, quando o clima começou a esquentar, peguei a camisinha que tinha levado e pedi que colocasse. Sempre faço questão que meus parceiros usem camisinha e, além disso, tenho um DIU hormonal, mas ele está fora de lugar. Mais um motivo para usar o preservativo e eu havia contado isso ao Eduardo.

Ele ficou relutando para usar. Dizia que não era preciso camisinha, pois além de impedi-lo de gozar e incomodar, ele não tinha qualquer doença para transmitir para mim. Mas fui firme, disse que se não colocasse, ia embora para casa. 

O Eduardo, então, pegou a camisinha e colocou. Tudo ia bem, mas, sem que eu percebesse, ele tirou a camisinha durante a transa. Só percebi quando ele gozou. Fiquei paralisada na cama e ele agiu como se nada tivesse acontecido.

Na hora, não pensei em dizer nada. Mas me deu uma sensação ruim e eu quis sair dali. Levantei, vesti minha roupa e ele ainda veio me perguntar por que eu já estava indo. Só respondi 'porque eu não sou obrigada' e sai. Em momento algum o Eduardo tentou entender o que tinha feito de errado e depois ainda veio puxar papo comigo como se nada tivesse acontecido. Preferi não falar nada para não me desgastar ainda mais. Não acho que ele vá mudar esse comportamento escroto só por algo que eu diga.

Para piorar, minha menstruação atrasou no mês seguinte. Fiz um exame de sangue para checar se estava grávida, mas deu negativo.

Fiquei tão arrasada e me senti tão desrespeitada, que não consegui ter mais nenhum parceiro desde então. Faz três meses que não transo. Me sinto totalmente frígida depois desse episódio. Talvez por falta de confiança nos homens, não sei...

Eu já estava fazendo terapia antes de isso acontecer. Sofri muito com meu ex, pai do meu filho. Ele era agressivo e, antes de nos separarmos, na última briga, chegou a levantar a mão para me bater. O psicólogo tem me ajudado a lidar com isso, mas ainda é difícil.

Esse episódio com o Eduardo fez com que eu me sentisse invadida e só piorou as coisas. Eu estava transando com ele com consentimento. Mas não daquela maneira, não sem o preservativo. Li sobre o 'stealthing', ele tem sido discutido em alguns grupos do Facebook que participo e vejo algumas posturas machistas sobre isso. Até mulheres fazem comentários culpando a vítima. Dizem que isso só acontece com quem faz sexo casual, por exemplo. Não foi meu caso! 

Acho que as pessoas ainda têm esse tipo de pensamento porque fomos criadas achando que os homens tem direito e podem de fazer tudo com nós, mulheres. Quem pensa assim, provavelmente, deve ser vítima de vários abusos sem nem perceber e tudo isso por que fomos criadas para achar que isso é normal, quando não é!"

Homens podem ser punidos pelo "golpe da camisinha"

O golpe da camisinha pode não ser considerada estupro, pois a definição desse crime no Código Penal é "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".

No entanto, de acordo com Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos, integrante da Comesp (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo), tirar a camisinha durante a transa sem que a parceira saiba é crime. O ato se encaixa na legislação como "violência sexual mediante fraude", crime previsto no artigo 215 do Código Penal brasileiro, que consiste em "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima". A pena vai de dois a seis anos de prisão.

Como a retirada do preservativo durante a relação sexual aumenta o risco da transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, Teresa explica que também é possível que essa conduta se enquadre no artigo 132, que consiste em expor a vida ou a saúde de outra pessoa a perigo direto ou iminente. A pena é detenção de três meses a um ano.

As penas, segundo a integrante da Comesp, não são altas e, dificilmente, o homem ficaria em uma instituição prisional pelo "stealthing". "Mas a responsabilização criminal é importante, independentemente de qualquer coisa. O réu perderia sua primariedade, quando fosse procurar emprego, o dado ficaria exposto, fora o constrangimento que é passar por um processo penal. Uma condenação não se limita ao fato de ser preso ou não".

Caso você seja uma vítima, a indicação de Teresa é buscar uma delegacia da Mulher para prestar queixa e fazer um boletim de ocorrência. "Se essa prática resultar em uma situação mais complicada, como uma gravidez indesejada, cabe uma ação cível com um pedido de indenização, pois foi um ato sem consentimento", fala.

* Nome foi trocado a pedido da entrevistada