"Coloquei um alho lá": como foi minha experiência com a ginecologia natural
Começou com uma coceira lá embaixo, primeiro leve, mas que foi ficando insuportável. Toda mulher que já teve candidíase ao menos uma vez na vida reconheceria a sensação, então saquei na hora. Mas dessa vez decidi que procuraria um caminho natural, já que a medicina tradicional parecia não dar conta da recorrência do problema.
Na verdade, seja em grupos do Facebook ou do Whatsapp, recebi orientações de outras mulheres sobre alternativas de tratamento: colocar um alho lá dentro, mergulhar um OB em iogurte e usar por uma noite, banhos de assento com óleo essencial ou com chá de camomila... Mas confesso que eu tinha alguns – para não dizer todos – preconceitos com a ideia de enfiar comida na minha vagina e também não botava fé em usar chás ou coisas fitoterápicas. Agora sei que, por ignorância, achava que eram tratamentos sem comprovação nenhuma, baseados só na fé mesmo de que possam funcionar.
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Então busquei um meio de caminho entre a minha vontade de me abrir para as alternativas naturais e o meu preconceito com elas: marquei uma consulta no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo, que é um local conhecido pelo atendimento médico humanizado e que funciona um pouco diferente da forma tradicionalmente encontrada em consultórios ginecológicos, partindo de um pressuposto de que a mulher deve conhecer o próprio corpo para se cuidar e saber reconhecer os sinais de doença, além de ter mais participação na escolha dos caminhos de tratamento.
Eu mesma conduzi meu exame ginecológico
Se você é homem, ou uma mulher bem sortuda, e não sabe o que é candidíase, explico: trata-se de um fungo natural da flora vaginal que, por desequilíbrio no PH, se prolifera demais causando a tal coceira e um corrimento branco bem específico, parecido com leite talhado (algumas amigas costumavam chamar de "ricotinha").
Na consulta, a médica me deu um espéculo – o aparelho que o ginecologista usa para abrir a vagina e examinar – e pediu que eu mesma abrisse. Depois, com um espelhinho me mostrou o interior da minha vagina e o colo do meu útero. É bem interessante essa experiência de encarar suas entranhas sexuais pela primeira vez.
Vendo o meu interior, ela me explicou que tudo estava normal, sem feridas e também que eu tinha um corrimento mais grosso que era de candidíase.
Ela ainda falou comigo sobre diversos outros aspectos da minha saúde, como as dores de estômago, mas nessa questão da cândida, me orientou a fazer uma espécie de O.B. de alho por sete dias, aliado com lavagens com óleo de melaleuca. Caso não funcionasse, sai da consulta já com uma receita de uma pomada intravaginal.
Além disso, fui orientada a comer menos derivados de leite e doces e descansar, porque estresse e desequilíbrio na alimentação podiam influenciar a proliferação do fungo. A ideia é que o corpo é um todo e não um monte de partes separadas que ficam doentes por conta.
A médica da família e da comunidade Luiza Cadioli, que trabalha no Coletivo – mas não foi quem me atendeu, me explicou que o alho já é reconhecido por muitas medicinas, como a chinesa, que já enxerga o alimento como remédio há milhares de anos. Ele é um bactericida potente e existem estudos analisando isso, mas o uso intravaginal, especificamente, ainda é pouco estudado. Mas que as médicas do Coletivo observam empiricamente no consultório que funciona.
Usei o alho e deu ruim, mas não desisti
Desesperada para me livrar da coceira, naquela noite fiz como a doutora orientou. Descasquei o alho, lavei e coloquei lá. Ela tinha me falado para passar uma linha por ele, pois ficaria mais fácil de tirar. Mas tive preguiça e foi sem linha mesmo. A melaleuca eu não consegui comprar e deixei para o dia seguinte.
Bem, a primeira coisa que senti ao colocar o alho foi como o seu odor forte se espalhou por mim. Parecia estar dentro da minha boca e das minhas narinas, muito forte e bem incômodo. Fui dormir com medo de estar empesteando o quarto, mas meu companheiro garantiu que não estava tão forte assim, dava para dormir.
De manhã, tirei o alho sem problemas e a coceira diminuiu um pouco. Fiquei animada e nem duvidei de tentar de novo uma segunda noite. Cheirão forte e tal, mas fui dormir ótima. O problema foi no dia seguinte. Quando fui tirar o vegetal de dentro das minhas cavidades, já senti que estava dolorido e, conforme ele ia saindo, um ardor enorme começou a se espalhar pela minha 'preciosa'.
Tomei banho, joguei muita água lá, mas ainda levou umas duas horas para a ardência passar por completo. Em compensação, a coceira continuava.
Desisti de usar o alho, mas não da minha experimentação natural. Comprei a melaleuca no mesmo dia.
No caso do óleo essencial de melaleuca, ele é muito forte e pode queimar. Por isso a médica que me atendeu orientou a diluir em água e usar uma seringa ou ducha para irrigar minha vagina, ou fazer banho de assento.
Fiz por sete dias, não tive nenhuma reação alérgica e já no segundo dia já senti a diferença na coceira. Em uma semana, estava livre do incômodo e do corrimento.
Para escrever esse relato, investiguei mais sobre a melaleuca com a ginecologista Bruna Wunderlich, uma das colaboradoras da página Ginecologista Sincera, e ela me explicou que a melaleuca é um antibiótico e antifúngico que tem menos riscos que os alopáticos, mas como todo fitoterápico, ela representa riscos. Também disse que todo remédio, seja natural ou não, tem efeitos colaterais e pode representar riscos para a saúde.
Mas isso tudo é científico?
Ok, o alho me causou ardência e a melaleuca resolveu. Mas uma pessoa como eu não confia só no resultado empírico, então fui atrás de saber: esses tratamentos naturais têm base científica?
O alho, especificamente, tem bastante. Existem estudos que comprovam seu efeito antibiótico e até um brasileiro, publicado na Revista Brasileira de Plantas Medicinais, que mostrou a ação do alho em relação à Cândida Albicans é eficiente. Mas por que ardeu, então? A doutora Julia me explicou que isso é normal, já que o alho é ácido e a cândida deixa a vagina irritada, então pode acontecer mesmo. Ainda bem, não aconteceu nada fora do normal comigo!.
A melaleuca também já foi bastante estudada, bem como vários outros óleos, plantas e ativos. A fitoterapia, inclusive, está entre as opções de terapias complementares oferecidas pelo SUS.
Mas tem muita coisa que ainda não está comprovada dentro da nossa ciência. E, segundo Bruna, isso tem a ver com o fato de que quem domina – através do dinheiro – as pesquisas de medicamentos e tratamentos, é a indústria farmacêutica. E quem lucra com remédio não quer que você se trate com o que compra na feira, né? Ela, inclusive, defende que a medicina popular, baseada na tradição, tem muito valor, porque vem da experiência de gerações e gerações. E se os pesquisadores parassem para estudar os tratamentos usados por ela, talvez sua eficácia fosse comprovada cientificamente.
O negócio não é negar os remédios, é poder escolher
O que todas as médicas procuraram ressaltar comigo é que a ginecologia natural não é só sobre colocar o alho, ou tomar chás ou usar óleos essenciais. Sua ideia central é tentar resgatar o empoderamento feminino sobre o próprio corpo, o que não devia ser exclusivo dessa linha médica. Elas ressaltam que isso passa por orientar a mulher para conhecer o próprio corpo para poder reconhecer quando algo está errado.
Isso tem a ver, por exemplo, com quando a gente começa a ter um corrimento e acha que está com DST. Quem nunca passou por isso? Entramos em pânico, vamos no médico e, com frequência, descobrimos que era só corrimento natural de uma determinada fase do ciclo menstrual. Para as médicas adeptas da ginecologia natural, um dos pontos de partida deveria ser toda mulher entender seu ciclo, os tipos de mucos que são normais ou não.
As falas delas também têm um outro ponto: aderir à ginecologia natural não quer dizer ser contra à tradicional. Elas são complementares. Isso quer dizer que cada caso é um caso, se para uma pessoa pode funcionar um fitoterápico, para outra o ideal vai ser um medicamento de farmácia. A diferença que eu pude notar no consultório, é que existe uma conversa e uma discussão com a paciente para entender o que vai fazer e participar da decisão.
Euzinha, que entrei nessa experiência toda preconceituosa, no fim das contas me surpreendi. Não só tratei a candidíase, como aprendi um monte sobre o meu corpo. Além disso, entendi que a ciência também tem interesses e muita coisa deixa de ser estudada, mas isso não quer dizer que não faça bem. E fico, como a ginecologia natural, no meio termo: quando puder, vou tentar usar alternativas naturais para a minha saúde, mas sem fugir dos remédios quando precisar. O próximo passo vai ser curar minha gastrite com chás.
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