'Quase-mãe': ela resolveu falar a real sobre a dificuldade de engravidar
Priscilla Portugal, 36, é jornalista, natural de Curitiba, no Paraná. Mora em São Paulo, é casada há dez anos e tem um grande sonho: ser mãe. No próximo dia 26, ela completa seis anos e três meses em busca desse objetivo. Durante esse tempo, Priscilla passou por seis médicos, fez uma FIV (fertilização in vitro) e tentou inseminação artificial. O grande desafio --e, ao mesmo tempo, frustração-- dessa caminhada é a falta de diagnóstico.
"Os especialistas em fertilidade me pediram dezenas de exames, que não diagnosticavam nada. É desesperador".
Não conseguir engravidar pode ser tornar um fracasso pessoal e, consequentemente, um tabu. "Não se fala sobre isso. Se perguntam quando você pretende ter filhos, ninguém diz 'estou tentando e não consigo'. É mais fácil responder 'ah, não sei'".
Mas a mulher não precisa sofrer sozinha. E foi por isso que Priscilla criou o site "Cadê meu Neném?", em dezembro de 2016. A ideia surgiu quando ela conseguiu se abrir e contar sua história de "não-gravidez", que antes ficava apenas em seu diário. O objetivo é informar melhor com reportagens a respeito dos motivos da infertilidade e caminhos para resolver, além de contar histórias de outras lutas. Até hoje, foram mais de 30 mil visitas e 40 depoimentos de pessoas que conseguiram ou não ter um filho.
"Quanto menos informação, mais fragilizada e propensa a desistir. E os depoimentos ajudam porque você percebe que não é a única".
"A pressão para engravidar existe, mas está diminuindo porque as mulheres estão assumindo que não querem"
"A mulher tem uma propensão a se sentir culpada. Culpada por não dar conta do dia a dia, dos filhos, do marido, por não ficar magra, não ter feito a mão... Imagina não conseguir engravidar em uma sociedade que diz que ela só é completa com filhos? É uma culpa que remói. Depois que o site foi para o ar, muitas amigas de infância que só tenho contato pelo Facebook vieram contar a história delas. Ao mesmo tempo que não quero assumir minhas falhas, é importante saber: existe solidariedade e foi a coisa mais linda que o site deu para mim. Consegui sentir a tão falada sororidade"
"O casamento pode não aguentar o tranco"
"Conheci mulheres que acabaram se divorciando. Os dois precisam estar na mesma sintonia, porque a companhia é fundamental. Meu marido sempre esteve ao meu lado, não senti nenhum risco para o meu casamento. O sexo fica mais complicado, pois você descobre que tem três dias no mês para tentar. Toda vez que tentei um tratamento foi uma superempolgação, mas é muito desgastante, exames praticamente todos os dias, injeções, no caso da fertilização.E quando vinha um resultado negativo, ficava abalada e precisava de um tempo para me recuperar."
"Todos os médicos disseram que precisava fazer fertilização"
"Só fiz uma vez e com um médico em quem confiei. Não deu certo e sugeriram fazer mais uma na sequência. Eu não quis, porque havia chegado no meu limite físico, emocional e financeiro. É muito hormônio, é agressivo, é demais. Não consegui. Em compensação, tudo que era natural, de alimentação, chá, meditação, eu fiz. Sou superaberta. A única dica que não coloquei em prática foi o coito programado. Achei meio broxante transar com hora marcada."
"Precisava de um ano mais ou menos para me sentir bem e tentar algo novo"
"Cada uma tem seu caminho para sair do buraco. Busquei alternativas, como massagem, ioga, meditação, personal trainer, livros de literatura e listas de músicas que levantam meu astral. Nunca quis parar de trabalhar, porque estar ativa profissionalmente esvazia nossa mente da tristeza. E também aproveitamos a lua de mel estendida. Viajamos bastante, compramos um apartamento e saímos mais para jantar. Não quis pausar a minha vida. Mas, sim, se eu falar que não tenho momentos de tristeza é mentira. Acordei muitas vezes de madrugada e percebi que não é um pesadelo, que realmente não consigo engravidar e talvez nunca consiga realizar meu sonho."
"Eu não sou uma tentante, sou uma quase-mãe"
"Para mim, ‘tentante’ é uma expressão conformista. A maioria usa essa palavra, mas não gosto. Não sou uma tentante. Eu estou no caminho para ser mãe e, por acaso, nesse momento, tentando. Mas a realidade é que estou fazendo tudo que posso para conseguir. Essa frase não é minha, é de um depoimento que recebi para o site, mas reflete o sentimento de que 'nesse processo todo, não deixar a vida ruir é uma vitória'. Eu me inspiro nas mulheres que engravidaram. Mas também coloco no site os depoimentos com desfecho sem gravidez porque quero mostrar que engravidar não é o único caminho. Algumas são imensamente felizes com marido, emprego ou adotaram e estão realizadas com família. O inspirador é como a vida continua se movendo. No meu caso, a adoção é um assunto resolvido com meu marido."
"Incomoda escutar o famoso 'desencana que acontece'"
"A gente sempre tenta controlar tudo, a agenda, a casa, prazo dos trabalhos, mas isso não está nas suas mãos. Incomoda porque você pode fazer tudo que está ao seu alcance e, às vezes, não será suficiente. E alguém chegar e falar 'é só desencanar' traz mais uma culpa para os ombros da mulher. Como se você disfarçasse de empatia para aquela tristeza e no final está dando uma bronca, afinal a culpa é dela porque não desencana. Quantas vezes acordei triste e pensei 'ai meu Deus, se eu não relaxar, nunca vou conseguir'."
"A questão é: o que você está fazendo para ser feliz enquanto a gravidez não se realiza?"
"Além dos depoimentos e das matérias, estou criando uma nova seção no site chamada 'Porque eu mereço'. Conversei com algumas meninas e elas me perguntaram o que eu ando fazendo por mim mesma, para me amar. Afinal, esse processo pode virar só sofrimento, ir atrás de médicos, cuidar da saúde porque quer engravidar e do casamento pelo mesmo motivo. Vai ser uma despressurização e vou falar sobre formas de sair da tristeza, seja com um novo batom para se sentir mais linda ou um filme que vai fazer bem. Quero criar uma legião de mulheres unidas, mais bem informadas e felizes."
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