"Podem ser 5 ou 50 anos": amigas com câncer curtem juntas o tempo que resta
Metástase. Uma palavra que traz medo e desânimo a muita gente, mas que uniu a jornalista Ana Michelle Soares, 34, e a professora Renata Lujan, 36. Ambas receberam a notícia de que o câncer já tratado havia voltado e tomado novos órgãos ao mesmo tempo e, através do Facebook, começaram a conversar para dividir angústias e informações. Mas as conversas acabaram virando uma amizade verdadeira e, hoje, as duas compartilham a certeza de que cada dia é extremamente valioso. Juntas, tentam aproveitar ao máximo o tempo que têm.
Elas já tinham vencido o câncer
Ana tinha encarado o câncer de mama aos 28 anos. Encontrado em estágio inicial, o tumor foi retirado e o tratamento teve sucesso. Por quatro anos e três meses, ela fez o controle e em menos de um ano receberia a alta completa. Em 2015, tudo virou de ponta cabeça: seu casamento acabou e, logo depois, um exame mostrou um nódulo no fígado.
Já Renata tinha operado o câncer um ano e meio atrás. Ela descobriu o tumor em 2013, três meses antes de seu casamento. Operou, começou a quimioterapia e entrou na igreja careca. "Mas eu fiquei bem, estava apenas fazendo o controle e até pretendia casar de novo, direito, quando passassem os cinco anos", conta. Mas seus planos foram interrompidos quando um exame mostrou que tinha vários nódulos no fígado, algumas semanas depois da descoberta de Ana.
"Quando vi o nódulo no ultrassom, não achei que era câncer de novo, pensei que fosse efeito colateral da terapia hormonal. Então postei em um grupo do Facebook com outras mulheres perguntando se alguém tinha passado por isso", lembra Ana. Vivendo a mesma sitação, Renata começou a acompanhar a jornalista.
Depois de uma semana, uma ressonância magnética deu a notícia de que o nódulo era maligno e Ana estava com metástase. "Eu fiquei arrasada, teria de começar tudo de novo, mas dessa vez sem nenhuma perspectiva de cura, apenas controle". Ela fez um desabafo na rede contando isso e, ao ler, Renata teve um pressentimento de que quando pegasse o resultado de seus exames, teria o mesmo diagnóstico.
"O médico disse que eu morreria em seis meses"
Não foi exatamente assim. De fato, ela estava com metástase. Mas enquanto o médico de Ana disse que poderiam controlar o avanço da doença com tratamento e ela poderia viver ainda muitos anos, o de Renata disse que não passaria de seis meses. "Quando perguntei quantos anos eu ainda tinha, ele disse 'eu não falo em anos, somente meses'. Eu tive certeza de que ia morrer", lembra a professora.
Foi aí que ela decidiu mandar uma mensagem para Ana. Elas começaram a trocar informações e, percebendo a diferença nos caminhos dos tratamentos, Renata decidiu procurar outro especialista, que mudou seu tratamento por completo e disse que, assim como a amiga, poderia viver muitos anos.
"A gente começou a dividir informações, depois foi o choro, o medo e a felicidade de que a medicina evolui. Quando você olha que a vida tem um fim, você passa a ter prioridades diferentes. Eu tinha 36 anos e um prazo de validade e a Ana entendia exatamente o que era isso", diz Renata.
A amizade virtual logo virou real e elas começaram a se encontrar com frequência e a se falar todos os dias por telefone.
O protocolo para controlar a doença varia. "Se ela estava ativa, fazemos um tratamento mais agressivo. Se entra em remissão, usamos medicação de controle. Tem horas que falha, horas em que precisamos trocar. E a gente começou a achar curioso porque as coisas começaram a acontecer parecido com a gente. Até os tratamentos falhavam juntos! Então a gente foi se apoiando", lembra Ana.
É o agora que interessa
As duas precisaram parar de trabalhar por causa da doença e, como os ritmos de melhoras e pioras sempre foram muito parecidos, começaram a compartilhar os momentos de aproveitar a vida.
"É diferente você conversar com uma amiga saudável e com ela. Nós não temos uma mega expectativa do futuro, sabe? Por mais otimista que a gente seja, às vezes dá uma piradinha. Ver as amigas tendo filhos, fazendo planos para daqui seis, dez anos... É um tipo de plano que eu não posso fazer mais. Eu tenho que fazer o agora, é isso que interessa. A gente vive numa inconsistência e nem o médico ou o psicólogo entende isso tão bem quanto ela", para Ana.
"Eu não quero ouvir 'calma, daqui a pouco você vai estar curada'. Eu não vou. E a Rê tem esse papel e muitos outros. Com ela consigo compartilhar os momentos ruins e os bons".
A primeira viagem juntas
Elas preferem pensar nos bons momentos. Como explica Ana: "A gente não desperdiça tempo, porque não tem tempo para perder".
Com isso em mente, a dupla decidiu começar a transformar cada segundo possível em algo especial. "No ano passado, a gente ficou desconfiada que o protocolo estava falhando e falamos: 'foda-se, vamos viajar'. E compramos a passagem e organizamos um mochilão pela Europa. Todo mundo nos chamou de loucas, mas simplesmente fomos", conta Ana.
Por 20 dias, acompanhadas de mais uma amiga e da irmã de Renata, elas rodaram vários países e curtiram como se não existisse o câncer. "A doença me fez identificar minha prioridade, que é viver hoje. E isso me fez ser mais independente", conta Renata. "Eu não dependo dos outros para me sentir feliz. Eu viajo, eu passeio, eu me divirto e a Ana é minha parceira, que me incentiva muito nesse processo de autoconhecimento", completa.
Sonhando juntas
Elas não precisam ir longe para experimentar essas sensações. Sempre que estão em folga do tratamento, aproveitam para curtir algo especial conforme dá. "Às vezes vamos a um restaurante bem caro, que sabemos que não podemos pagar, só porque estamos com vontade", conta Ana, rindo.
"A gente até conversa sobre uma lista do que ainda queremos fazer, sabe? Mas nunca organizamos isso, porque somos sagitarianas, ficamos no mundo da imaginação. Pode ser que a gente viaje para Paris ou para Aracaju, tanto faz. O mais importante é a que a gente não vai deixar de sonhar com o futuro. Mesmo sem muita expectativa de vida, a gente não deixa a outra desistir, nunca", conta Renata. Ela lembra feliz do incentivo que recebe da amiga para que viaje, mesmo quando não pode acompanhar.
E seja nas viagens, troca de mensagens matinais ou companhia para as sessões de quimioterapia, elas procuram sempre manter o humor e se colocar para cima. "Todo dia a gente tem motivo para comemorar, porque todo dia a gente consegue, juntas, ganhar um pouco mais de tempo. É um encontro de almas".
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