"Perdi meu filho, mas encontrei meu caminho: ajudar outras mães como eu"
Uma síndrome rara levou o filho de Marília Castelo Branco, Thales, quando tinha apenas um ano e quatro meses. Apesar da dor, ela encontrou forças e sua vocação em ajudar outras mães de crianças doentes que buscam tratamento. Com sua ONG Síndrome do Amor, ela já providenciou estadia para mais de 1.200 famílias que buscam tratamento especializado em sua cidade: Ribeirão Preto (SP).
"Eu acredito que vida é energia e o oposto de morte é nascimento. O Thales nasceu, a energia dele veio ao mundo para ficar e me fazer perceber o valor e a força das coisas pequenas. Pequenas como ele, que chegou ao mundo magrinho e fraquinho.
Os médicos estranharam o jeitinho dele e fomos investigar. Descobrimos que era um problema raro, uma síndrome genética chamada síndrome de Edwards. Ela tem vários sintomas, mas principalmente afeta o coração e o desenvolvimento do bebê e ele não teria muito tempo de vida."
"Entrei em depressão"
"Eu estava com 39 anos, já tinha dois filhos adultos e fui pega de surpresa por tudo isso. Meu marido também, tanto que não conseguiu lidar com todo o peso e entramos para as estatísticas de casais que se separam quando um filho especial nasce. Algo que depois fui descobrir que é muito comum. Mas na época foi tudo muito difícil e entrei em depressão, lutando para seguir em frente.
Quando o Thales estava com quatro meses, decidi entrar em uma rede social da época, o Orkut e criei uma comunidade para pais de crianças especiais, em busca de apoio. No fundo, queria que outras pessoas me dissessem que algo poderia ser feito e meu filho viveria."
"Quando ele se foi, encontrei apoio online"
"Infelizmente ninguém pode fazer isso. Mas naquele espaço pude trocar experiências com outras mães que passavam por uma situação parecida e encontrar um pouco de conforto. Principalmente quando Thales se foi, com um ano e quatro meses. A dor foi sem tamanho, mas os laços que eu havia construído com outras famílias através da internet foram fundamentais para que eu pudesse encarar o luto. Como organizadora da comunidade, eu tinha uma responsabilidade com eles e isso me fazia pensar: 'não posso fraquejar, senão levo muita gente comigo'. Então me mantive forte."
"A comunidade online virou uma ONG"
"Um belo dia, uma mãe da comunidade comentou que a gente precisava formalizar o que acontecia ali. Eram tantas pessoas em busca de informação... E a gente tinha força para organizar e fornecer isso.
Assim, em 2006 surgiu a ONG Síndrome do Amor. Inicialmente criada para ajudar famílias de crianças com doenças raras com informação e colocando-as em contato umas com as outras."
"Percebemos que as famílias precisavam de um lugar para ficar"
"Rapidamente a ONG foi se construindo. Em 2008, ganhamos uma casa, onde poderíamos montar a parte administrativa da associação e capacitar voluntários para fazer o que eu vinha fazendo.
Bem nessa época, um conhecido me procurou e contou de uma família cujo filho tinha uma doença rara e estava tratando no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo aqui de Ribeirão. O menino estava havia tanto tempo no hospital, que a família faliu pagando estadias em hotéis e não tinha mais como acompanhar o menino.
É claro que eu resolvi ajuda-los e recebemos então a primeira família na casa da Síndrome do Amor.
Uma experiência que nos mostrou que as famílias das crianças que buscavam tratamento de referência na cidade precisavam de ajuda com hospedagem. Algumas chegavam a dormir no chão do hospital! Como a casa não era adequada para isso, surgiu a ideia de fecharmos parcerias com hoteis da cidade"
"Já ajudamos 1225 famílias"
"Em 2009, os primeiros hoteis oferecem diárias em cortesia e. Desde então, 1225 famílias já passaram pela Síndrome do Amor. Sete hotéis da cidade fazem parte da parceria e oitenta voluntários ajudam na administração e também no trabalho de informação e contato com as famílias.
Com o tempo, também começamos a receber doações e começamos a apoiar um projeto científico que envia amostras genéticas das crianças tratadas aqui para centros de estudo ao redor do mundo, contribuindo para a evolução do diagnóstico e tratamento dessas doenças."
"Sou feliz e sei que meu filho segue vivo no que faço"
"Mudei completamente minha vida para poder me dedicar à ONG. Como meus filhos já estão adultos e completamente independentes, voltei a viver com a minha mãe e levo uma vida simples, com o mínimo, para poder trabalhar pouco e dedicar 80% do meu tempo como voluntária à Síndrome do Amor.
Faço isso há 13 anos com a mesma motivação, a mesma paixão do começo. Sempre movida pela vontade de chegar ao maior número possível de mães. Eu sou feliz e realizada.
Engraçado que antes não era assim. Eu era mãe, era uma boa pessoa, mas não encontrava meu lugar no mundo. Parece que o Thales veio exatamente para isso. Ele chegou e mostrou: 'mãe, esse é seu caminho'. E foi embora.
Meu filho nunca falou ou andou, mas despertou em mim uma vocação. Por isso eu sei que meu amor pode não ter salvo sua vida, mas o manteve vivo nessa iniciativa que ajuda tantas outras mães e crianças como nós."
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