Julgamento e permissão: o que é preciso saber para fazer laqueadura
“Meu corpo, minhas regras”. A frase do empoderamento feminino vem a calhar mais uma vez quando o assunto é o direito de reprodução. No Brasil, segundo a lei 9.263, de 1996, para conseguir se esterilizar, a mulher precisa cumprir alguns critérios, como ter mais de 25 anos ou dois filhos vivos e a assinatura do parceiro, caso seja casada. O problema é que, mesmo quando atende às exigências, ela pode ter o seu direito sobreposto pela opinião médica.
Depois de uma amiga ter um caso grave de trombose por conta da pílula anticoncepcional, a professora de inglês Lorena Monnerat, 36, decidiu parar de tomar o remédio. Isso foi há três anos e, como não queria mais saber de hormônios, encontrou na esterilização a forma segura de evitar uma gravidez indesejada. Lorena não tem e não quer filhos e, ao procurar três médicos particulares para fazer o procedimento, ouviu sonoros “nem tenta. Nem no SUS nem particular, você não vai conseguir”.
“As justificativas eram que eu ia me arrepender. Fiquei muito ofendida porque isso significava que eu não sabia o que queria para mim. E eu sempre soube, nunca quis ter filhos. Não estava preparada para ouvir isso. Sinto como se a gravidez fosse o símbolo máximo de ser mulher. Afinal, não respeitar o direito e desejo à esterilização é negar o ponto mais alto da independência. Ou você aceita que tem de ser mãe ou morre num aborto indigno”.
A professora é casada com um homem nove anos mais novo, que também não deseja ser pai. Dois anos e meio após a corrida pela laqueadura ter terminado sem sucesso, eles usam camisinha e fazem "tabelinha" para evitar o coito nos dias de período fértil. “Por enquanto, sem sustos.”
A lei e os médicos
O arrependimento é uma realidade, com taxa de 10% entre mulheres laqueadas --que somam 28% das brasileiras, segundo a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). O ginecologista e obstetra Sergio Yamamoto defendeu sua dissertação de mestrado na USP (Universidade de São Paulo) em 2011 sobre controvérsias na interpretação e desafios na aplicação da lei. Ao entrevistar 27 profissionais de saúde sobre casos de mulheres que atendem à faixa etária, mas não tem filhos, todos disseram entender a garantia dada pela legislação, mas não fariam o procedimento.
Segundo o especialista, faz parte do direito do profissional ter resistência e dizer não, de acordo com o código de ética da medicina, mesmo que isso esteja previsto legalmente. “O papel da equipe multidisciplinar que vai acompanhar essa paciente no processo é desencorajá-la. Teoricamente, o Estado teria que garantir acesso a todos os outros métodos contraceptivos. A esterilização tem que ser a última opção. Mas até que ponto posso tentar convencer essa mulher? É a vida dela”, fala.
A despeito da insegurança jurídica que muitos profissionais alegam em caso de arrependimento, a advogada Renata Teixeira Jardim, que fez uma análise bibliográfica sobre o posicionamento do Brasil em relação ao direito reprodutivo em 2012, afirma que não é papel do médico interpretar a lei.
Você pensa na esterilização como método contraceptivo?
Resultado parcial
Total de 1093 votosPara ela, que faz parte do Coletivo Feminino Plural, uma organização feminista não governamental de 1996, a carga cultural que enxerga o corpo feminino com papel reprodutor é o que pesa realmente.
“A regulamentação veio para acabar com o abuso da esterilização que era feito para o controle de natalidade, principalmente em mulheres negras e pobres. Mas é preciso ter o direito de decidir sobre o próprio corpo. Se existe uma resolução e essa paciente atende aos critérios, não cabe ao médio dizer que não, seja qual for o seu argumento”, afirma a especialista, que concorda com Yamamoto sobre a cirurgia ter de ser a última opção.
“O corpo era meu e o médico não operou porque meu marido disse ‘não’”
Mãe de três filhos --gêmeas de 13 anos e um menino de 5--, Laís*, 32, pediu que a esterilização fosse feita ao médico responsável por sua segunda cesárea, mas teve o desejo negado.
“O médico disse que só operava de acordo com o que meu marido falasse e ele, de bobeira, disse que não sabia no calor do momento. Quando eu estava anestesiada, na mesa de cirurgia, perguntei: o senhor está ligando [as trompas], né? E ele disse que não porque o pai não tinha concordado”.
A realidade atual, com os três filhos, impede que Thaís sequer pense em voltar para o centro cirúrgico. “Tomo pílula. Não vou conseguir mudar minha rotina, deixar meus filhos para operar. Podia ter feito tudo num dia só, mas....”.
Outros métodos
A cirurgia, que pode ser feita também por laparoscopia, é vista como definitiva, mas não é bem assim. Os médicos entrevistados pelo UOL reforçam que o DIU e o implante subdérmico têm a mesma chance de falha da laqueadura. Entretanto, por conta das questões financeiras, as mulheres dependem da eficiência do SUS ou aprovação do convênio médico para não terem que desembolsar entre R$ 1.500 e R$ 2.000 em clínicas particulares, no caso do DIU. O implante não está disponível na rede pública e custa, em média, R$ 2.500.
O professor de ginecologia Luis Behamondes, da Unicamp (Universidade de Campinas), e membro do Cemicamp (Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas), afirma que o grande problema do Brasil está no baixo uso dos métodos reversíveis e na taxa de gravidez não planejada, que chega a 50%.
“Se o sistema funcionasse e as mulheres tivessem acesso não teriam motivo para escolher uma cirurgia a um método menos invasivo com as mesmas chances de sucesso. O DIU de cobre custa R$ 17 ao Estado que está em campanha para aumentar o uso. Mas nosso médicos estão treinados e motivados a oferecer às pacientes?”
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