Sabe aquela história de que é preciso amar seu trabalho? É mentira
“Diversão eu tenho com meus amigos, minha namorada, minha família. Trabalho, para mim, é só uma maneira de pagar minhas contas e bancar meus momentos de lazer. Quando comecei a pensar assim, parei de sofrer tanto por trabalhar com algo de que não gostava”, conta Silvio*, 38 anos, que fez faculdade de Biologia, mas, por questões práticas e financeiras, trabalha em funções administrativas que nada têm a ver com o que planejava nos tempos de estudante.
Por um bom período, Silvio se sentiu frustrado por não seguir os seus sonhos, e pulava de emprego em emprego. Até que passou a encarar a vida profissional de maneira pragmática. “Parei de romantizar um pouco, pois essa insatisfação afetava minha vida pessoal. Agora, até consigo ficar mais de um ano no mesmo emprego. Olha que evolução”, brinca. A história dele levanta a seguinte pergunta: é preciso amar o próprio trabalho?
Ninguém é obrigado
Vamos tirar um peso das suas costas: não, você não tem que ser apaixonado pelo que faz profissionalmente, ainda que frases motivacionais defendam o contrário. Claro que é menos desgastante sentir-se realizado no trabalho, mas nem sempre é possível, ainda mais em tempos de crise econômica. “O trabalho é apenas um instrumento de nosso projeto de vida”, diz Sigmar Malvezzi, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP (Universidade de São Paulo). “A profissão preenche três necessidades: econômica, de realização e de colaboração, que é a função social. Uma pessoa pode trabalhar e ter apenas uma ou duas dessas necessidades satisfeitas”, completa.
Delba Barros é professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais e fala que felicidade no trabalho é um ponto fora da curva. “É mais provável que você não tenha um trabalho que seja satisfatório o tempo todo”, conta.
Rotina leve
Se você precisa trabalhar, é bom saber que encarar a labuta com praticidade ajuda a não sofrer. “Cabe a nós tornar aquilo bom, olhar para o lado positivo, mesmo sabendo que as coisas negativas estão lá”, explica a psicóloga Adriane Afonso Oliveira, pós-graduada em Gestão de Pessoas pela FGV. Pode ser uma oportunidade, por exemplo, de descobrir em si talentos que você não sabia que tinha. Ter metas pessoais –como pagar o financiamento da casa ou bancar o estudo dos filhos– também ajuda a dar sentido para tarefas tediosas.
A auxiliar administrativa Gabriela*, 23 anos, encontrou na boa relação com os colegas uma maneira de deixar sua vida corporativa mais tranquila, embora encare trabalho como obrigação e não prazer. “De modo geral, não gosto de ter que lidar com rotina, horário e ser obrigada a fazer algo que não estou a fim no momento”, conta. “Mas as pessoas com quem convivo diariamente são agradáveis e tornam o ambiente mais tranquilo”, diz.
Quando está na hora de mudar
Ok, você não precisa estar em lua de mel com a vida profissional, mas quando o martírio no domingo à noite passa a ser um sinal de que é hora de preparar seu currículo novamente? Segundo Delba Barros, é quando a pessoa se sente imobilizada e o sentimento negativo em relação ao trabalho começa a se espalhar para as outras áreas da vida.
Para Sigmar Malvezzi, também é importante avaliar o crescimento e a realização pessoal, tentando considerar se existem outras oportunidades que podem ajudar de maneira mais eficiente a chegar ao seu objetivo.
Agora, se nenhum tipo de emprego satisfaz, mesmo que ele banque a realização de metas pessoais, e você precisa trabalhar, não é má ideia procurar ajuda de um profissional, para tentar encontrar um trabalho que seja suportável. “Quando você olha o currículo da pessoa e vê que ela pula de galho em galho, fica claro que o problema não é externo”, conclui Adriane Oliveira.
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