'Falo de aceitação, e não de superação', diz palestrante que perdeu braço
Kareemi, 36 anos, estava a caminho de Florianópolis para passar o Réveillon de 2011/2012 quando o ônibus em que viajava tombou em uma curva. Quatro pessoas morreram no acidente. A jornalista de Sorocaba (SP) sobreviveu, mas teve o braço direito amputado na hora, o couro cabeludo arrancado e lesões nas sexta e sétima vértebras, tendo de colocar placas de titânio para não perder os movimentos do braço que restara e das pernas.
Ter sobrevivido já foi um feito e tanto, mas ela ficou apenas 11 dias dos 30 previstos no hospital. Ao receber as primeiras visitas, mais consolou os outros pelo braço perdido do que foi consolada.
“Para eles, era uma tragédia. Mas eu sabia que podia aprender a fazer com o esquerdo tudo o que fazia com o direito.”
Depois da recuperação, ela retomou o plano de mudar de profissão que estava em andamento antes do acidente. Queria trabalhar com treinamento motivacional.
"Quando me vi amputada, a primeira coisa que pensei foi que ia alavancar o meu negócio.”
Nesta quinta-feira, 21 de setembro, Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência, ela conta sua história ao UOL.
“O acidente aconteceu em um momento da minha vida em que estava planejando mudar de atividade profissional. Era jornalista, mas sempre trabalhei com gestão de pessoas nas empresas de comunicação. Sabia que era uma gestora que motivava em vez de fazer pressão. Por isso queria abrir uma empresa de treinamento motivacional.
Quando acordei do coma, depois de uma semana, e me vi amputada, a primeira coisa que pensei foi que ia alavancar o meu negócio. Falar sobre motivação estando inteira ia parecer só teoria. Tendo sofrido o acidente seria muito mais inquestionável.
A perda do braço foi a parte mais visível do que aconteceu comigo. Precisei de cirurgia para costurar a cabeça porque tive o couro cabeludo arrancado. Coloquei placas de titânio nas sexta e sétima vértebras para conseguir movimentar o braço esquerdo e as pernas.
Não vivi o momento ‘por que comigo?’
Antes do acidente já tinha aprendido a não brigar e, sim, a lidar com o que não podia mudar.
Tenho uma prima, que é como uma irmã, e ela é fisioterapeuta e ativista da inclusão social. Por causa do trabalho dela, convivi desde a adolescência com paraplégicos, tetraplégicos, amputados… Sabia que essas pessoas viviam bem, só que de uma outra forma. A minha aceitação com o que tinha acontecido também vinha de ter esse conhecimento.
Não tenho dúvida de que a perda do braço impactou muito mais as pessoas a minha volta. Uma das coisas que recordo bem é que, no hospital, quando recebia visitas, acabava tendo de consolar as pessoas em vez de ser consolada. A maioria das pessoas tratava a perda do braço como uma tragédia.
O corpo é só uma forma de representação e não o que sou de verdade"
Tinha um prognóstico de ficar mais ou menos uns 30 dias hospitalizada e saí no décimo primeiro porque, sem duvida, minha mente trabalhou só com as alternativas positivas do que tinha acontecido: ter sobrevivido e poder reaprender a fazer as coisas.
Depois do acidente, o trabalho como palestrante motivacional foi fluindo e se tornou a minha atividade profissional. Mas, hoje, o foco do que faço não é a história da minha vida. Trabalho com outros temas para promover o desenvolvimento humano.
É claro que nunca vou conseguir deixar de ser lembrada por conta do acidente, porque o resultado dele é muito nítido no meu corpo. Mas não falo de superação. Para superar é preciso ter caído, ficado deprimido. O meu foco é falar de aceitação.”
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