Ela viveu na rua, fez sucesso na Suécia e voltou ao Brasil para achar a mãe
Christina Rickardsson, 34, é conhecida na Suécia como autora do livro "Nunca Deixe Acreditar", um best-seller que esgotou sua primeira tiragem em poucos dias e levou a autora a programas de televisão e a rodar o país com palestras. Mas muito antes disso, ela era Christiana Mara Coelho, uma menina brasileira que passou seus primeiros anos vivendo em uma caverna em Minas Gerais.
Primeiros anos da vida em uma caverna
Christiana nasceu em 1983, em Diamantina. Quando tinha 15 dias, sua mãe Petronília foi com ela viver em uma caverna nos arredores da cidade. "Nós éramos muito pobres e viver ali era mais seguro do que nas ruas da cidade", explica.
Apesar de não lembrar completamente dessa época, ela guarda memórias de momentos com sua mãe ensinando sobre as plantas e a natureza, de conversas sobre Deus e os sonhos que tinham. "O tempo que passamos juntas na caverna foi o mais feliz da minha vida. O mais difícil para nós era a fome, a busca pela comida e a sobrevivência".
Mas essa fase acabou quando tinha por volta de cinco anos. Ela não sabe muito bem o que houve, mas se lembra de terem sido perseguidas por um grupo de homens, de se esconderem em um buraco e então iniciarem uma jornada que terminou nas ruas de São Paulo, onde viveu o resto da sua infância até se mudar para a Suécia.
Nas ruas de São Paulo, fome e abuso
Na capital paulista, Petronília e Christina viviam nas ruas. Às vezes, a mãe encontrava trabalhos e elas podiam comer melhor, mas em muitos momentos precisavam pedir ou roubar para comer.
Uma vez, Petronilia começou a trabalhar como faxineira em uma empresa. A filha ia junto e tentava ajudar a mãe como dava. Até que um dia estava brincando quando o patrão se aproximou e abusou dela. Quando soube, sua mãe a pegou no colo e saiu dali para nunca mais voltar, deixando para trás a rara oportunidade de ter algum dinheiro.
"Deve ter sido muito difícil para ela se mostrar tão forte perante aquela situação, levantando-se, pegando-me no colo e saindo de lá, quando precisávamos tanto daquele dinheiro", recorda.
Foi com essa situação que Christina entendeu que o mundo fora da caverna não era seguro e ela precisaria aprender as regras para sobreviver. A nova realidade era cruel.
"Vi minha melhor amiga morrer com um tiro"
Por algum tempo, elas viveram em uma favela, Brasilândia. Lá Christina conheceu sua primeira amiga. "Camile era o nome da menina que passei a amar como uma irmã. Tenho quase certeza de que nos conhecemos na favela e, através dela, conheci outras crianças e passei a pertencer a um grupo de amigos com muitas coisas em comum".
Juntas, elas brincavam, corriam pelas ruas e também buscavam comida. Às vezes era no lixo, outras era com pequenos furtos. No fim, sempre dividiam todo alimento que conseguiam. Em meio às dificuldades, a amizade tornava a vida mais leve.
Mas não durou muito. Um dia as duas acabaram dormindo nas ruas de um bairro nobre e quando acordaram, foram abordadas por policiais. Elas tentaram fugir, correram, mas Camile foi pega.
Christina voltou para busca-la e escondida assistiu a pior cena da sua vida: viu Camile levar um tiro na testa, junto de outras crianças, e cair morta no chão. "Uma parte da minha alma morreu junto com Camile". A menina passou vários dias apática depois disso, sem forças para seguir e foi sua mãe quem a consolou e ajudou a recuperar a energia.
No orfanato
Nesse meio tempo, Petronília engravidou novamente e Christina ajudava a cuidar de seu irmão, Patrique. Viveram ainda quase um ano de dificuldades, em que muitas vezes a menina precisou chegar a cheirar cola para conseguir enganar a fome que sentia.
Até que um dia a mãe disse para ela: "Vou trabalhar como faxineira na casa de uma família rica, mas não posso levar vocês comigo". Christina e Patrique foram para um orfanato, onde sua mãe ia visita-los aos domingos.
Porém, quase um ano depois, ela parou de aparecer. Segundo a diretora da instituição, Petronília estava doente e fora proibida de ver as crianças. Mas a verdade é que a mãe ainda aparecia no portão da escola para tentar encontrar com os filhos e era proibida de entrar. Foi nesse portão que Christina viu pela última vez a mãe e, chorando, tentou segura sua mão enquanto era puxada pelos funcionários.
Pouco tempo depois disso, ela e o irmão foram adotados por um casal de suecos, Lili-Ann e Sture Rickardsson. Apesar de não querer ir embora e deixar a mãe biológica, a menina se viu deixando o país e sua vida mudou por completo.
24 anos depois, o reencontro com a mãe
"Quando cheguei na Suécia, eu tinha oito anos e meu irmão um ano e 10 meses. Era eu quem tinha todas as memórias de quem nós éramos e isso era muito importante para mim. Então eu decidi contar nossa história para meu irmão todas as noites, para que eu não perdesse quem eu realmente sou", conta Christina.
Mesmo com todo o estresse da mudança e da chegada a um novo país, com uma língua desconhecida, ela se esforçava para se lembrar de sua mãe e já decidiu ali que um dia voltaria para o Brasil para reencontrá-la.
Mas a adaptação não foi muito difícil. "Eu era boa em me adaptar, porque eu havia feito isso minha vida inteira". Assim, em dois meses ela aprendeu o novo idioma e, com o tempo, foi se esquecendo do português.
Por 24 anos Christina viveu uma vida tranquila, sem fome e sem medo na Suécia. Até que aos 32 decidiu voltar para o Brasil. Com ajuda de uma amiga e de um detetive particular, reencontrou a mãe. "Ela é exatamente como eu me lembrava", apesar do tempo, Christina ficou à vontade com Petronília, que vivia novamente em Diamantina com suas irmãs.
Elas choraram e se abraçaram cheias de saudade e colocaram a conversa em dia. "Mamãe viveu mais 14 anos nas ruas depois que Patrick e eu fomos adotadas. Saber que ela teve uma vida tão difícil me deixa muito triste", contou a escritora. Mesmo depois de ir viver com as irmãs, Petronília ainda voltava para São Paulo para tentar encontrar os filhos, sempre alimentando a esperança de revê-los. Saber disso mexeu demais com Christina, que quis aproveitar cada segundo que teve ali com sua mãe.
Dessa viagem, dois frutos vieram. O livro "Nunca deixe de Acreditar – das ruas de São Paulo ao norte da Suécia", que acaba de ser lançado no Brasil. E a ONG Coelho Growth, que oferece suporte e educação para crianças em situação de rua e orfanatos de São Paulo e do Rio de Janeiro.
"O governo não está fazendo seu trabalho e a sociedade está ignorando mais de 7 milhões de crianças pobres. Basta dar a elas a oportunidade de fazer algo de suas vidas para que não virem criminosas", explica ela sobre a decisão de fundar a ONG. Christina sabe pela própria história que uma criança de rua pode sim viver seus sonhos, se tiver oportunidade.
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