'Ele vai escolher quando crescer', diz mãe sobre gênero do filho
Mãe de um menino, Ana Paula Siewerdt, 37, conta como o filho Gael, de 1 ano e 7 meses, é confundido com menina por usar roupas e acessórios como calça saruel, chapéu, turbante e sandália. A jornalista afirma que ela e o marido, o psicólogo Anderson de Souza, 43, criam o filho para ser livre de preconceitos. Neste depoimento, Ana Paula diz que Gael vai escolher o seu gênero quando crescer e, caso seja trans, terá o apoio dos pais.
“Minha gravidez não foi planejada, eu e meu marido nunca tivemos o desejo de ser pais. Nossa rotina era bem agitada, gostávamos de viajar, passear, sair para comer, ter uma vida sem muito compromisso, achávamos que ter um filho iria limitar tudo isso.
Com uma viagem marcada para o deserto do Atacama, marquei um check-up e uns exames ginecológicos. Ao fazer o ultrassom transvaginal, a médica do laboratório disse: ‘Eu não posso realizar esse procedimento’. Eu questionei: ‘Como assim?’. Ela respondeu: ‘Tem um bebê enorme aí dentro, provavelmente de uns quatro meses’. Desesperada, eu chamei ela de louca e levantei da maca com o aparelho e tudo, só lembro de ter dito: ‘Eu não posso estar grávida, eu não quero ter filho, isso não é verdade’.
Ao contar a notícia para o Anderson, fomos à ginecologista e eu já cheguei perguntando se dava para abortar. Ela disse que não me aconselharia, porque eu correria risco de morrer. No dia seguinte, fizemos o ultrassom e descobrimos que era menino. Achei bom. Ser mãe de menina deve ser difícil, mulher sofre muito preconceito.
Um dia depois estava indo para o Atacama. Enquanto meu marido e um casal de amigos foram fazer os passeios, fiquei no hotel por recomendação médica. À medida que fui lendo e assistindo coisas sobre maternidade, fui mudando de opinião e me descobrindo mãe. Percebi que a gestação era a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida. Ao voltar de férias, decidi que iria parar de trabalhar por um tempo e criar um filho melhor para esse mundo louco. Criar um filho para ele ser o que quiser desde que respeite as pessoas e suas diferenças e limitações.
Gael usa turbante desde os 6 meses
Comecei a montar o enxoval com sete meses e na hora de comprar as roupinhas, não escolhi apenas os tradicionais tons e modelos masculinos. O Gael é uma criança, ele não é obrigado a usar azul, cinza, preto. Ele tem o direito de explorar tudo. Por esse motivo, o guarda-roupa dele é variado independentemente da cor e gênero: ele tem roupas coloridas, brilhantes, com estampas, calça saruel, calça mais acinturada, camisa feminina, masculina, macacão, bermuda, chapéu, boné e óculos de sol. Ele também tem três sandálias Melissa: uma laranja, uma amarela com desenho rosa e outra preta. Quando ele quer usar uma delas, ele mesmo vai na gaveta e pega.
A ideia de comprar roupas sem gênero aconteceu de forma natural. Eu e o Anderson escolhemos as peças de acordo com o nosso gosto e visando ao conforto. A primeira vez em que eu coloquei turbante no Gael, ele tinha 6 meses. Houve um episódio em que eu estava na rua quando uma mulher me abordou e disse que nunca tinha visto um bebê tão lindo daquele jeito, que usa turbante. Ela não aguentou e pediu para tirar uma foto com ele. As pessoas acham que ele é uma criança diferentona, mas na verdade não é. Ele é normal, a única diferença é ser livre para usar o que quiser.
Gael foi chamado de mulherzinha ao usar peça da Mulher-Maravilha
Por várias vezes, o Gael foi confundido com menina. Eu não me incomodo quando sei que não é por mal, apenas corrijo falando que é um menino. Agora quando eu percebo que é por maldade sempre arranjo confusão. Um dia desses eu estava no caixa de um empório e um funcionário supermachista e grosseiro falou para mim: ‘Assim não dá né mãe, vestir o filho com a camiseta da Mulher-Maravilha? Ele vai virar mulherzinha’. Eu retruquei: ‘Se ele quiser ser mulherzinha, é um direito que ele tem. Não é a roupa que vai definir o gênero nem o caráter dele. Você está sendo preconceituoso, não sabe o que está falando”.
Essa não foi a primeira vez em que recebi críticas ou me envolvi numa briga. Tenho um vizinho com um filho da idade do Gael. Eles são completamente diferentes, o menino é o típico ‘mauricinho’. Uma vez esse vizinho fez o seguinte comentário: ‘Gael, o tio vai dar umas roupas de homem para você’. Eu fiquei p... e prontamente respondi. Aí já viu, né? Ficou aquele climão.
Uma outra situação que causou confusão entre as pessoas foi quando o Gael foi batizado vestindo um mandrião. Ao ver ele de touca e vestido, todo mundo na igreja jurava que ele era menina e dizia: ‘Parabéns, sua filha é linda’.
Compro roupas femininas para ele, e daí?
Nós permitimos que o Gael experimente de tudo. Não há restrição de nada. Quando vou a uma loja e vejo uma peça na seção feminina, as vendedoras me olham um pouco desconfiadas e advertem: ‘Ah, é de menina’. Eu falo: ‘E daí? Não tem problema, ele vai usar mesmo assim’.
Pela dificuldade em achar roupas unissex, comecei a procurar marcas e mães empreendedoras que produzissem peças sem gênero. Foi assim que encontrei a Mini.mi Estúdio, da Adriana Farias. Gosto muito das criações dela, pois as roupas são feitas tanto para meninos quanto para meninas. Curto as edições limitadas que eles fazem de roupas iguais para pais e filhos, acho bem estiloso. Outra loja que compro bastante, apesar de vender peças exclusivamente femininas, é a Fábula. O Gael tem três macacões de lá.
Se ele for trans, vamos apoiá-lo
Meu filho não vai ser gay porque o visto com roupa de mulher ou porque o deixo brincar de amamentar sua boneca. Não é isso que vai influenciar a orientação sexual e o gênero dele. O Gael é uma criança e por enquanto é menino. Só quando for mais velho é que vai escolher o que quer ser. Se falar que é uma menina, não vou contestá-lo. Ele tem personalidade, não cabe a mim mudar o percurso da vida dele.
Se amanhã ou depois ele se descobrir transgênero, vamos apoiá-lo e respeitá-lo. Como feminista, luto pela igualdade de direito entre homens e mulheres, me oponho ao preconceito contra homossexuais, contra trans e quero que ele aprenda esses valores. O mundo é muito diversificado e não dá para ignorar isso e educá-lo em uma ‘caixa’. Nesse sentido, nossa escolha ao criar o Gael é para que ele seja livre e respeite o outro independentemente da roupa que usa, da raça, do sexo, do gênero e da cor”.
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