Topo

Projetos que podem dificultar aborto mesmo em caso de estupro ganham força

Alan Marques/Folhapress
Imagem: Alan Marques/Folhapress

Marcos Candido

Do UOL, em São Paulo

28/09/2017 04h00

Nos últimos cinco anos, projetos de lei e propostas de emendas à Constituição (PEC) que podem dificultar e até proibir o direito ao aborto legalizado (em caso de estupro, risco de vida para a mãe e feto anencéfalo) ganharam força na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, avaliam especialistas.

Iniciativas

A iniciativa mais recente, considerada contrária ao aborto, é defendida pelo deputado e membro da bancada evangélica Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP), que pede que a Constituição Federal seja alterada para garantir o “direito à vida desde a concepção”. O mesmo pedido foi feito em 2015, no Senado, pelo senador Magno Malta (PR/ES) com a PEC Nº 29, em defesa do direito à vida “desde a concepção”.

Veja também

A primeira proposta do tipo surgiu em 2012, a pedido do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje preso em Curitiba pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, que também exigia que o texto protegesse o feto a partir da concepção.

Desde 1940, o código penal brasileiro permite a interrupção da gravidez somente em casos de violência sexual ou de risco à mãe. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal também autorizou que o aborto fosse realizado para fetos com malformação cerebral (anencefalia).

Para entidades médicas de defesa da mulher e setores do direito, o feto ainda não é um indivíduo formado para receber proteção do Estado no momento da fecundação. Especialistas concordam que, caso a Constituição receba a alteração pedida pelos deputados, pode haver uma abertura para a proibição do aborto legal no Brasil, já que o código que tipifica crimes não pode contradizer um preceito fundamental da Constituição.

Um grupo de mulheres levou balões roxos para comemorar a votação do STF que discriminalizou o aborto anencéfalo, em 2012 - Sergio Lima/Folhapress - Sergio Lima/Folhapress
Um grupo de mulheres levou balões roxos para comemorar a votação do STF que descriminalizou o aborto anencéfalo, em 2012
Imagem: Sergio Lima/Folhapress

“O conceito da inviolabilidade do feto desde a concepção é o núcleo central de todas as propostas leis de retrocesso [em relação ao aborto] e está sempre sendo utilizado”, analisa Jolúzia Batista, assessora técnica do Cfemea, entidade de defesa aos direitos das mulheres.

Jolúzia cita que, além das PECs, também foram apresentados, entre 2016 e 2017, projetos de lei como o “Dia Nacional de Conscientização Anti-aborto”, do deputado Marco Feliciano (PSC/SP), e pedidos de reclusão de três a dez anos para quem “auxiliar, induzir ou instigar a provocação de aborto”, do deputado Flavinho (PSB/SP). No início de setembro, também ressurgiu na pauta a discussão do "estatuto do nascituro", que garante direitos ao "indivíduo concebido, mas ainda não nascido", enviado para comissões na Câmara.

Nos últimos cinco anos, o projeto de lei da Câmara mais favorável ao aborto foi apresentado pelo deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), que prevê parâmetros de atendimento a pacientes que abortam na rede de saúde pública e privada, mas sem descriminalizar a prática.

Emenda Cavalo de Troia

A estratégia de Mudalen foi apontada por especialistas em direito como um “cavalo de Troia”, por ter sido inserida em um texto que, originalmente, pretendia ampliar a licença-maternidade em casos de parto prematuro. “Era preciso ter aberto um novo projeto de lei para discutir com a sociedade”, afirmou a professora em direito constitucional da PUC Adriana Ancona de Faria, que na ocasião chamou a iniciativa de “carona gritante”.

Nas redes sociais, a emenda causou burburinho. Segundo dados da Beta, que emite alertas via Facebook sobre projetos de direitos às mulheres, mais de 7.000 e-mails foram enviados para pressionar deputados que votariam o texto de Mudalen na última quarta, 20, quando a sessão foi adiada.

Se aprovado, o texto do deputado pode ser votado no plenário da Câmara. Deputadas como Pollyana Gama (PPS/SP) e Jô Moraes (PCdoB-MG) já apresentaram votos contrários à emenda. Até o fechamento desta matéria, Mudalen não retornou os pedidos de entrevista feitos pelo UOL. Os projetos de Cunha e Magno tramitam na Câmara e no Senado.

Quebra de braço com o Supremo

Para Gabriela Rondon, pesquisadora do Anis - Instituto Bioética, nos últimos cinco anos, pautas que pela descriminalização do aborto progrediram somente no Supremo Tribunal Federal. Além da decisão favorável ao aborto em caso de anencefalia, em 2012, no fim do ano passado, o tribunal também revogou a pena de cinco pessoas que trabalhavam em uma clínica de aborto em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

Nós vimos no STF uma arena com uma configuração melhor para reconhecer direitos humanitários entre os poderes.”  Gabriela Rondon, advogada Instituto Anis

A decisão estimulou projetos de lei, PECs e comissões contrárias à decisão. Em defesa da emenda pela “concepção” na Constituição, Mudalen também argumentou que o STF não pode advogar sobre um “assunto complexo e sensível” por “falta de competição e legitimação” como o aborto, que deve ser defendida pela Câmara.

“Nós vimos no STF uma arena com uma configuração melhor para reconhecer direitos humanitários entre os poderes”, explica Gabriela. Em 2012, a entidade na qual a advogada faz parte conseguiu que o aborto em caso de fetos anencéfalos fosse aprovado pelo STF. Em 2016, quando os casos microcefalia dispararam no Brasil, a Anis também chamou a atenção do tribunal (a pauta ainda aguarda o andamento dos processos). No mesmo período, o projeto de lei 4.396/2016, do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), pediu o aumento da pena para abortos em casos de feto com microcefalia diagnosticada.

Em março, a ONG de Gabriela, com sede em Brasília, protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação para descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação, sob qualquer situação. A decisão ainda está em análise a pedido da ministra do supremo Rosa Weber.

“Estamos tentando discutir o papel da mulher na sociedade. Quando se questiona a mudança desse lugar, de dar a opção de controlar seu processo reprodutivo, há abalos. As pautas contrárias querem controlar essa posição familiar, mais do que proteger o feto desde a concepção”, conclui.