Primavera das Mulheres mostra as direções que o feminismo toma no Brasil
Foi só quando a atriz Sophie Charlotte ouviu, e de uma outra mulher, que “o medo do estupro” é parte de se ser mulher no mundo é que ela entendeu o que sentia há tanto tempo: “Aquele receio constante de em qualquer lugar, a qualquer momento, ser surpreendida por um desconhecido que pudesse me fazer mal”.
Já nos anos 70, a então jovem cantora Olívia Byington saía num domingo de São Conrado, bairro da zona Sul do Rio de Janeiro, para o Centro da cidade quando sentiu uma faca nas costelas. Era um desconhecido, parecido com o dos pesadelos de Sophie. A diferença é que com Olívia a ideia se fez real. Hoje, de acordo com a lei brasileira, o que Olívia viveu seria considerado estupro. “Ele veio contra mim, rasgou meu jeans e tentou me penetrar.”
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A história inesquecível dela e o relato de Sophie estão no documentário “Primavera das Mulheres” (Doce Fúria, 2017), produzido pela roteirista Antonia Pellegrino e pela diretora Isabel Nascimento Silva. O filme narra os últimos anos dos movimentos de mulheres pelo Brasil e dá voz a diferentes protagonistas. De feministas radicais a atrizes e jovens influenciadoras da internet, de mulheres trans a ativistas do movimento negro: “Primavera das Mulheres” abarca as muitas direções que o feminismo toma hoje no país.
Na lista de entrevistadas ainda entram a filósofa Marcia Tiburi, a cineasta Anna Muylaert, a pesquisadora Djamila Ribeiro, a transfeminista Amara Moira, a ativista Mano Miklos, do blog #AgoraÉQueSãoElas, e a criadora da campanha #MeuPrimeiroAssédio, Jules de Faria, entre outros nomes.
Conversamos com Antonia sobre o filme que tem sua exibição de estreia dia 19 ,quinta, às 23h30, no GNT.
UOL: O que pretende o documentário?
Antonia Pellegrino: Levar o debate feminista para fora da bolha, para as pessoas que não estão necessariamente nas redes sociais esquentando a discussão. Só um filme poderia mostrar com muito mais impacto toda essa efervescência, todas essas pautas. Depois, a ideia também era fazer uma historiografia a quente desse momento. É inegável que há algo acontecendo e isso mexe com toda uma sociedade. Amarrar essa história e apresentá-la em um documentário é uma forma de deixarmos uma espécie de documento no tempo.
Então o filme não fala apenas com feministas?
Exato, não fala. Nosso doc não é para a mulher feminista porque tudo que está sendo dito ali, ela já sabe. Não tem novidade ali para ela. Nosso desejo é dialogar com as pessoas que não estavam nas ruas naqueles dias de protesto [os que aconteceram em 2015, por exemplo], que não acompanham o debate feminista de perto. Mostrar a luta de mulheres incríveis também foi uma vontade do nosso trabalho.
Depois de ouvir muitas e diferentes brasileiras, vocês conseguem dizer o que elas querem? Existe um desejo comum?
A pauta mais comum, que é transversal a todos os movimentos, é a questão da violência. Ela é a grande questão. E quando falo de violência, falo de estupro, feminicídio, assédio, violência psicológica. A violência que existe contra as mulheres apenas por serem mulheres.
Dá pra dizer que o feminismo está na moda? Se sim, por quê?
Eu não diria isso. Veja: desde 2013 passamos a discutir mais política e a nos importamos com as desigualdades. Passamos a entender que há alguma coisa que está colapsada na sociedade tal qual a gente vive. Propor outros mundos é uma tarefa que nos cabe. E é uma tarefa apaixonante porque lida com a utopia. E o ativismo dá sentido à vida. Faz o olho marejar, o peito abrir. Existe esse desejo de construir um outro mundo. Feminismo é uma aventura existencial e vai além das tendências. Esse processo de se tornar feminista é o de se refazer internamente. Feminismo não é mulheres com pelo no sovaco gritando e querendo abortar todo dia. Até pode ser isso, mas não precisa ser só isso. Há mulheres que evitam dizer "sou feminista". É preciso desconstruir essa hesitação, mostrar que o feminismo é potente, que é revolucionário, que é lindo, que é radiante. Tudo isso é tarefa que chamamos pra nós nesse filme.
Propor outros mundos é uma tarefa que nos cabe. E é uma tarefa apaixonante porque lida com a utopia
Fazendo o filme, existiu uma sensação de que as mulheres não estão conversando? Existem ruídos entre elas?
Até existem, mas eles se dão pela pluralidade de mulheres que há no Brasil. Faz parte do processo a gente não conhecer todas as demandas e irmos descobrindo que as exigências das mulheres vão muito além do nosso umbigo. Por isso a questão da interseccionalidade [a sobreposição ou intersecção de identidades sociais que sofrem opressão] é importante. E por isso conversamos também é.
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