Retirada de implantes de silicone cria atrito entre médicos e pacientes
Ter seios maiores é o pedido mais frequente nos consultórios de cirurgia plástica brasileiros: responde por quase 20% do total de operações estéticas e resultou em 288.597 aumentos mamários só em 2016, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Mas, apesar da popularidade, algo parece começar a mudar entre as mulheres e o bisturi. A procura por implantes caiu nos últimos dois anos —2,9 pontos, segundo levantamento da entidade— e, agora, os médicos também recebem pacientes ansiosas por tirar o silicone que colocaram.
São pessoas como a designer paulistana Renata Zi Colconi, de 28 anos, que teve implantes de 325 ml por seis anos e, em junho, passou pela cirurgia de reversão. “Estou muito aliviada e contente. Eles pesavam no meu corpo pequeno e limitavam meus movimentos”, diz. No Facebook, ela troca experiências com outras insatisfeitas em um grupo fechado que criou. “Abri o espaço para falar abertamente do tema e dividir dúvidas e angústias.”
Foi preciso convencer o médico
Um dos desafios, segundo ela, tem sido a recepção médica. A primeira conversa dela com um profissional foi difícil, conta. “Ele se negou a retirar, disse que eu ficaria desproporcional por ter coxa e bunda e que meu peito ia ficar muito pequeno sem a prótese. Também disse que eu precisava de uma lipoaspiração que extraísse a gordura do culote. Eu nem havia mencionado meu culote”, lembra.
O segundo profissional que consultou também tentou dissuadi-la. Ao invés da remoção, sugeriu trocar os implantes por outros, menores. “Tive de bater pé pela retirada total. Foram três consultas assim. Ele dizia ‘você vai ficar sem nada’ e eu o tranquilizava dizendo ‘tudo bem, não se preocupe’”, diz.
A engenheira elétrica e doutoranda da USP Camila*, 29 anos, que prefere não se identificar, relata uma acolhida semelhante. Antes de consultar o mastologista que acatou seu pedido, ela procurou um cirurgião plástico, sem sucesso. “Ele disse que o resultado estético seria ruim e que meu seio ficaria murcho. Insistiu na troca por uma prótese menor e, quando disse ‘não quero’, ele continuou insistindo. Desisti do médico”, afirma.
A vontade de livrar-se das próteses também marcou a artista visual Karla Keiko, 29 anos, que atualmente integra a Bienal de Curitiba com uma instalação dedicada ao corpo e à relação tumultuada com o implante.
“É um assunto invisível. Quando você consulta para colocar, ninguém fala: pode tirar depois. E, se há um problema, a solução é sempre outra prótese”. A curitibana teve contratura capsular, uma reação esperada em 3% das pacientes que causa enrijecimento e dor nas mamas, e foi operada em maio, mesmo mês que Camila. Usou o implante para criar uma peça vestível e oferecê-la aos visitantes da mostra de arte, em cartaz até 25 de fevereiro.
Médicos têm receio, segundo SBCP
Para o médico Felipe Lehmann Coutinho, coordenador do Capítulo de Reconstrução Mamária da SBCP, a resistência dos profissionais pode ser fruto de receio. “O que imagino que esteja ocorrendo é que os colegas sabem que pode haver um prejuízo estético e, por isso, relutam. Às vezes você tem uma mama esteticamente perfeita, bonita, proporcional. E prevê que o resultado [da retirada] será de pouco volume e flacidez. Há uma probabilidade enorme de a paciente ficar frustrada e se arrepender. Você não quer ser o cara a causar isso”, diz.
O presidente da organização, Luciano Chaves, considera o pós-operatório imprevisível: “Não tem como garantir. Quando a mama está com uma forma boa e você a deixa sem a prótese, o resultado torna-se uma incógnita”.
Procedimento de retirada
A cirurgia de remoção envolve, na maioria das vezes, uma mamoplastia complementar. Isso significa fazer uma plástica que reconstrua o formato dos seios uma vez que o silicone foi retirado. A técnica é igual à que corrige flacidez e usa o corte “T invertido”, conhecido assim por ter o formato da letra. Nela, a prótese é puxada por uma incisão horizontal abaixo da mama —o mesmo local onde comumente é inserida.
Em seguida, o cirurgião faz outro corte, vertical, até a auréola, formando assim o “T” de ponta-cabeça. O bisturi também passa em volta do mamilo e a pele considerada excessiva é retirada a partir de todas essas aberturas. A operação conjunta, de retirada e reconstrução, é mais cara e mais demorada que a de colocação do implante, explica o médico.
Corpos estranhos
Os motivos para a retirada variam entre estética, conforto e saúde. “Eu me sentia um objeto aos olhos dos homens”, diz Keiko, que compartilha da impressão com Renata. “Os peitos enormes chamavam muito a atenção. Passei de ser alguém que falava com os outros normalmente a ser a Pamela Anderso. Ninguém mais prestava atenção no que eu dizia”, diz.
O desconforto físico oscilava entre dores e limitações. “Não conseguia dormir de bruços e cheguei ao cúmulo de, recebendo uma massagem, pedir duas almofadas para apoiar barriga e pescoço.”
Renata e outras mulheres que fizeram implantes também relatam problemas no organismo que a comunidade científica estuda, mas não associa ao silicone. “Nos últimos três anos tive uma piora generalizada na saúde. Meus joelhos doíam muito, tive problemas intestinais, não conseguia respirar bem e sentia fadiga extrema, dormia em qualquer lugar”, conta.
Os sintomas vêm sendo popularmente chamados de “breast implant illness”, ou “doença do implante de mama”, em português. Uma lista de quase 60 ocorrências, onde aparecem também dores de cabeça, secura nas mucosas e palpitações, circula em sites e grupos de pacientes identificadas com o quadro. A notoriedade cresce a partir de relatos como o da modelo americana Sara X Mills que, em agosto de 2016, retirou as próteses de 500 mililitros.
Ela explicou a decisão aos fãs em um texto na internet: “Desde imediatamente após a cirurgia, comecei a me sentir mal”, comentou, citando falta de ar, inflamações repetidas e inchaço peitoral, entre outros problemas. Em sua conta no Instagram, Mills usa a hashtag #explant (“explante”, como a retirada é às vezes chamada nos EUA) para advogar contra a plástica. “Quero espalhar conhecimento sobre as sérias desvantagens dos implantes”, afirma.
Não está claro que silicone traga problemas
Em artigos científicos, o silicone entra numa lista grande —vacinas e outros corpos externos incluídos— de possíveis gatilhos para reações autoimunes. Os quadros dependem, acredita-se, de predisposição genética e envelhecimento da prótese, que tem recheio e invólucro feitos do material. A doença é chamada de ASIA, sigla em inglês para síndrome autoimune induzida por adjuvantes, mas não há consenso sobre a causalidade dos implantes mamários.
“Nos anos 90, os Estados Unidos declararam uma moratória ao silicone justamente por suspeitar das reações. Passaram a usar próteses salinas e isso durou cerca de 20 anos. Fizeram estudos, mas chegaram à conclusão que não dava para culpar o silicone. A prevalência de doentes era a mesma que na população geral”, afirma Coutinho.
Quatro meses após a cirurgia, Renata sente melhora em alguns sintomas, segundo ela. “Desinchei no corpo inteiro e perdi cinco quilos. Não tive mais dores, parei dormir em qualquer canto e recuperei o viço da pele”.
O debate em que ela e outras mulheres entraram, no entanto, vai além da suspeita médica. “É mais do que isso. É um questionamento sobre a cirurgia em si. A gente não precisa de um pedaço de gel para ser feliz. E ela pode doer, sim. Não é tão confortável quanto dizem”, afirma. Zi fez o implante aos 22 anos, influenciada por outras jovens. “Na época, tinha amigas que estavam fazendo. Havia acabado de sair da faculdade, tinha cara de menininha e queria ser vista como mulher, achava que o peitão me daria isso”, conta.
Operada dez anos atrás, a engenheira Camila também tinha uma visão diferente. “Eu era muito nova, tinha os seios caídos e vergonha de me relacionar com o namoradinho. Se paro para pensar, vejo que a decisão de me operar teve a ver com a pressão que recebemos em relação ao padrão de beleza. Hoje, vejo a plástica como uma mutilação.”
*O nome da entrevista foi alterado para preservar sua identidade.
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