No começo deste ano, a apresentadora Bela Gil falou em seu canal no YouTube sobre como a episiotomia arruinou a sua vida sexual. Embora a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirme que o procedimento é crucial somente entre 10% a 15% dos partos normais, o corte é feito no Brasil em cerca de 53% dos casos, segundo o “Nascer no Brasil - Inquérito Nacional Sobre Parto e Nascimento”,realizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). De acordo com este documento, a conduta é apontada como desnecessária na maioria das vezes desde a década de 1970.
A episiotomia é um corte feito para ampliar a passagem do bebê no momento do parto normal, de forma lateralizada, da vagina para o ânus. O procedimento é adotado diante de algumas circunstâncias, como o tamanho do bebê ou a necessidade do uso de fórceps. Entretanto, também pode acontecer sem necessidade e caracterizar violência obstétrica.
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A fisioterapeuta Laíse Veloso, especialista em sexualidade feminina, diz que mesmo quando a episiotomia é indicada pode causar problemas para a vida sexual da mulher. Segundo ela, é frequente a queixa de dor durante a relação sexual após esse tipo de intervenção.
"Quando existe um corte, forma-se uma cicatriz e o tecido cicatricial não se alonga mais, torna-se fibroso, duro. Por isso, a mulher não consegue mais relaxar para receber a penetração e, quando ela acontece, vem a dor. O grande problema é que vira um ciclo vicioso e a dor só aumenta", explica.
Laíse, que faz parte do Projeto Afrodite, do departamento de ginecologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que quando é esse o motivo que leva a paciente ao consultório, uma das etapas é avaliar a cicatriz. "É algo que interfere na qualidade de vida das mulheres porque a saúde sexual faz parte do todo".
A seguir, ouvimos a história de duas mulheres, que tiveram seus direitos violados e enfrentam problemas até hoje, mais de um ano depois do nascimento dos filhos.
"Senti dor para transar durante um ano e ainda tenho medo"
"Lembro que estava na fase expulsiva latente do trabalho de parto, quando a cabeça do bebê já aparece, e vi a médica pegando o bisturi. Ela falou 'mãezinha, eu vou te ajudar para não demorar muito'. Não deu tempo de dizer nada, ela avisou e me cortou. Foi muito mais do que uma violência física, mas significou que eu não tinha capacidade, que não conseguiria fazer meu filho nascer sem aquela 'ajuda'. Senti dor durante um ano e até hoje, dois anos e meio depois, a região da cicatriz arde depois do sexo. Não sei quantos pontos foram. Quando perguntei, disseram que 'não era algo importante e que eu tinha que me preocupar em cuidar do meu bebê'. Tenho medo, não tenho mais liberdade com meu próprio corpo, é um desconforto muito grande. Estou grávida novamente e quero parto normal mais uma vez. Mas meu trauma é tão grande, que peguei pavor dos médicos, troquei por várias vezes durante o pré-natal. Vou para outro hospital e estou me apegando ao pedido expresso no plano de parto e ao empoderamento interno que eu e meu parceiro adquirimos depois do absurdo que aconteceu", Denise, 21 anos.
"Interrompia o sexo porque não suportava o desconforto"
"Nunca fui do tipo que sonhou loucamente em ser mãe, mas quando decidi que seria, me propus a fazer o melhor. Houve um planejamento, fiz um plano de parto, que expressava minha decisão contra a episiotomia. Quando eu completei cerca de dez horas de trabalho de parto, atingi cinco centímetros de dilatação. Não fui avisada, só vi o médico pegando o instrumento, que parecia uma lâmina. No fundo eu sabia para o que era, mas estava cansada e, por ser o primeiro filho, fiquei com medo de dizer algo e prejudicar o bebê. Se eu tivesse o conhecimento de hoje, teria gritado. Pedi anestesia no início das dores, os efeitos já tinham passado e eu senti cada agulhada nos 40 minutos --eu contei o tempo-- que ele ficou me costurando. Por mais de uma vez, pedi anestesia local naquele momento, mas ele só repetia que estava acabando. Me senti insegura para retomar a minha vida sexual por mais de um ano, sentia dor, não aguentava. Muitas vezes interrompi o sexo porque não suportava o desconforto. Hoje, 1 ano e 9 meses depois, sinto dor em algumas posições que forçam mais a região. Nos dias mais frios, o corte lateja de eu sentir a perna direita repuxar. Me senti refém. Foi uma violação ao meu corpo e me rendeu uma depressão muito forte. Estou chorando por lembrar. Não imaginei que a ferida estivesse tão aberta ainda", Thalita*, 33.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada.
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