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O prazer da mulher segundo a Igreja, através dos olhos de uma evangélica

A cientista social Simony dos Anjos - Arquivo pessoal
A cientista social Simony dos Anjos Imagem: Arquivo pessoal

Em depoimento a Natacha Cortêz

Do UOL, em São Paulo

25/10/2017 04h00

Simony dos Anjos é cristã, feminista, formada em Ciências Sociais, mestranda em Educação e autora do blog "Sim, Genuflexos". Filha de pastores, criada e educada na Igreja Evangélica, ela questiona a leitura machista da Bíblia e também a forma como aprendeu a enxergar sua sexualidade por causa da vivência na Igreja.

"Sou cristã desde que me entendo por gente. Meus pais se conheceram na igreja. Venho de uma família convencional no meio protestante: pai, mãe e filhos frequentando a mesma igreja por décadas.

Ainda adolescente comecei a questionar parte do que via e vivia ali. Por que quase não há pastoras? Por que cobravam namorados de mim e não dos meninos? Por que eu tinha que ser recatada se quisesse me casar com um homem de bem? Aliás, por que falar sobre prazer, quando meu ou de outra mulher, era sempre uma conversa proibida?

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Na faculdade, fui prestar Ciências Sociais e acabei me aproximando do feminismo. Ele me abriu os olhos. Fui atrás de estudar o que pensam os cristãos progressistas e a chamada Teologia Feminista - indico a leitura de Elsa Tamez, Ivone Gerbara, Nancy Cardoso e Odja Barros para quem quer saber mais.

A interpretação da Bíblia tem fundo machista

Hoje, aos 31 anos, com essa visão questionadora da Bíblia e considerando a influência da religião cristã na formação social do Brasil, não me assusta que por aqui 40% das mulheres admitam dificuldade em chegar a um orgasmo. A interpretação da Bíblia, como estamos acostumados a fazer, tem fundo machista e influencia, sim, e de forma opressora, a sexualidade das mulheres. O nosso prazer é apenas para serviço do homem (como é dito em Gênesis). A nós cabe a submissão, edificar o lar, manter discrição e zelar pelos filhos. Se o assunto é sexo e a vivência plena e sadia dele, então a nós, mulheres, também cabe uma imensa culpa.

Culpa que nos mantém ‘em nossos lugares’ desde Eva e Adão. O relato da criação coloca Eva, a mulher fundamental, como pecadora e sexo frágil, incapaz de se controlar e resistir à tentação. É importante dizer: no imaginário cristão, a história foi escrita por um homem, Moisés.

Mas é desejo de Deus que tenhamos nossas sexualidades reprimidas?

E quando a culpa é relacionada à vontade de Deus fica difícil questionar. Mas foi mesmo ele quem quis esses milhares de anos de submissão feminina que atravessa a história da religião cristã? É mesmo desejo de Deus que tenhamos uma sexualidade reprimida, que só serve para agradar o outro? Nós, mulheres da Igreja, não somos protagonistas de nossas vidas, de nossas escolhas, quem dirá do nosso sexo.

Todos já ouviram falar de Sansão, Moisés, Abraão, Davi, Salomão. Mas alguém já escutou falar de Miriam, Débora, Noemi, Raabe, Joana, Priscila, Dorcas, Loide e Dâmaris? É importante demais olharamos para personagens femininas do livro sagrado.

Existe um livro na Bíblia chamado ‘Cantares de Salomão’. Nele, a sexualidade da mulher é evidente. Eu mesma o li com olhos menos espiritualizados, de forma erótica, por assim dizer, quando estava para me casar, aos 25. Ler a Bíblia questionando e reconhecer que o prazer feminino é indevidamente subjugado mudou minha perspectiva em relação ao meu corpo e ao meu prazer. Entendi que prazer feminino não deve ser servil, não somos proporcionadoras de prazer, apenas. Temos que nos sentir satisfeitas e completas em relação o nosso corpo e sexualidade. 

Prazer é uma fonte de emancipação da vida, dos corpos e dos relacionamentos. Até quando será apenas permitido seu gozo aos homens? Esse é um problema dentro da Igreja, mas ainda de uma sociedade patriarcal inteira.”