"Já ouvi que sou monstrinho, mas me sinto mulherão", diz modelo com nanismo
Com diversas peças e musicais no currículo, a atriz Juliana Caldas é a primeira mulher com nanismo a conquistar um papel em uma novela das nove da Globo. Ela está no ar em "O Outro Lado do Paraíso". Já Karina Lemos ficou conhecida como a "anã sexy do 'Pânico'". A modelo Rebeca Costa, por sua vez, criou o “Look Little”, em que dá dicas motivacionais e de moda para mulheres.
No Dia Nacional de Combate ao Preconceito contra o Nanismo, celebrado nesta quarta-feira (25), essas mulheres falam do preconceito que sofrem, da banalização com a qual a deficiência costuma ser retratada, além de ressaltarem a importância da representatividade, acessibilidade e vagas de trabalho.
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Os desafios do dia a dia de quem tem baixa estatura
No ar como Estela, uma jovem que é rejeitada pela mãe, papel de Marieta Severo, Juliana, 30, comemora a oportunidade de mostrar que os anões podem desempenhar diferentes profissões e funções. “É maravilhoso interpretar uma personagem que não é estereotipada e ter a possibilidade de mostrar de forma muito bacana o dia a dia e os desafios de quem tem baixa estatura”, afirma.
No mundo, 250 mil pessoas têm a deficiência (os dados são da Fundação Alpes na Espanha). Para Juliana, a aceitação é um processo pelo qual todo indivíduo passa. “Isso independe de ter ou não nanismo. Está dentro de cada uma de nós e é um exercício diário. Eu sou vaidosa. Não saio de casa sem um batom, um rímel nos olhos. Também gosto de variar looks, mais casuais como calça social e blusas, e tem dias que prefiro usar vestidos. Adoro!”
"A gente não quer exclusividade, mas sim, direitos iguais"
Saber que uma atriz com nanismo participaria de uma trama da Rede Globo trouxe esperança para a estudante de Direito Rebeca Costa, 25. “Ter a Juliana representando a gente no horário nobre é muito importante. Muita se fala, mas pouco se sabe sobre nossa realidade. As pessoas não têm vivência. Se cada um que assistir conseguir ver cada cena dela com empatia, tenho certeza que conquistaremos pelo menos 50% do respeito da sociedade”, diz ela.
Problemas no caixa eletrônico
“Me sinto desrespeitada desde o momento que entro numa loja e não sou bem atendida, até quando vou em uma lanchonete e o balcão não dá altura. O jeitinho brasileiro me machuca. Pago os mesmos impostos, faço parte da mesma sociedade, mas tenho sempre que dar um jeitinho. A gente quer direitos iguais. Não me sinto inclusa em uma sociedade que não me oferece um caixa eletrônico em que possa tirar meu dinheiro sem ter que passar minha senha para estranhos. Isso é respeito. Não quero olhar de pena, de riso, porque não tem nada de engraçado.”
Com o objetivo de driblar as adversidades do dia a dia e até mesmo as ofensas, a carioca criou o perfil “Look Little”, que já conta com 44 mil seguidores. “Faço questão de postar meus looks para acabar com essa ideia de que pessoas com nanismo só usam roupas infantis. Há, sim, opções de adultos para gente, um short de academia vira uma calça, um cropped uma camiseta. Fomos feitos para brilhar como qualquer outra pessoa. O nanismo é só um detalhe, me sinto um mulherão. A aceitação começa pela nossa essência. Já tive meus momentos de tristeza, mas nunca desisti de mim”, afirma Rebeca, que faz parte da agência de moda inclusiva Becs Model.
"Vocês são uns monstrinhos"
“Costumo não deixar o preconceito me atingir, mas ele ocorre constantemente. Uma vez estava em uma loja e uma menina me parou para dizer: ‘sabia que você é muito horrorosa? Você e seus amigos são uns monstrinhos’. Aquilo me machucou muito, mas não revidei, porque não posso transmitir ao mundo a maldade que ele me transmite”, afirma a jovem de 1,20 m de Niterói, Rio de Janeiro.
"Não sou só bonita, também sou inteligente"
Com o sonho de ser assistente de palco, Karina Lemos, 30, costuma se referir a si mesma como a “anã mais sexy do mundo” e não se faz de rogada ao exaltar suas curvas e beleza. “Não me incomoda o rótulo. Geralmente, só falam que anões são feios, então, pelo menos cheguei para representar. Mas não sou só bonita, também sou inteligente”, diz.
Mas nem sempre foi assim. Durante a adolescência a ex-participante do “Pânico” questionou o porquê de sua baixa estatura (1,36 m). Karina é casada com um homem de estatura mediana e é a única em sua família com a deficiência. Com o auxílio de um psicólogo, ela deu os primeiros passos para enfrentar seus traumas. Com a dança, a ajuda do companheiro Eric e a chegada do filho Renan, que nasceu com nanismo, a paulistana aprendeu a valorizar sua aparência e também a de seus semelhantes.
Cruzando com outras pessoas com nanismo na rua
“Achava que não poderia ter filho, que não encontraria nenhum namorado, que ninguém me aceitaria do jeito que sou, mas percebi que era tudo coisa da minha cabeça. Depois que me aceitei, passei a cuidar mais de mim. Antigamente, via uma pessoa com nanismo na rua e me escondia, não queria que se reconhecessem em mim”, conta ela, que desde o nascimento do filho, hoje com 10 anos, passou a participar de encontros dedicados a pessoas com nanismo e expandiu seu círculo social.
“Faço questão de ir e levar ele, para que entenda que não somos os únicos com essa deficiência. O Renan abriu a minha mente, mostrou que não devo ter preconceito com ninguém, independente do biótipo, da raça ou das características físicas”, afirma ela.
A rotina costuma ser comum para Karina, mas ela ressalta o descaso das políticas públicas com pessoas de baixa estatura. “Não deixo de fazer nada no dia a dia, mas claro que falta acessibilidade nas ruas, nos bancos. Na maioria das vezes só visam os cadeirantes, os deficientes físicos, visuais e esquecem dos anões. Não entendem que também temos uma deficiência”, afirma.
Os sonhos da ex-panicat
Com formação em gestão de recursos humanos, a ex-panicat trabalhava como bancária até fazer alguns trabalhos na televisão e achar que poderia viver disso. “Meu sonho é ser assistente de palco. E acredito que isso não aconteceu porque sou anã. Afinal, não vemos pessoas com nanismo nessa posição ou como dançarinas. Só vemos anões fazendo palhaçada. Apesar de muita gente criticar, me sentiria privilegiada em trabalhar como assistente do Ratinho. Quando gravava o ‘Pânico’, eu achava que ia ter um contrato, ia poder pedir as contas do meu emprego e estourar, mas não aconteceu”, lamenta.
Banalização dos programas televisivos com anões
Karina também defende que dar visibilidade às minorias não significa zombar da cara delas ou pior, maltratar.
“Queremos ser reconhecidos como profissionais. Não é legal colocar pessoas com nanismo apenas para fazer coisas nada a ver. É muito chato programas de humor exibirem anões apanhando, como se isso fosse engraçado. Não é. A sociedade vai achar que anão foi feito para apanhar, quando na verdade somos tão humanos quanto as outras pessoas. Temos saúde, família, força de vontade. Não quero que o meu filho, por exemplo, seja maltratado, que apanhe, seja rejeitado. Todo mundo tem direito de crescer e ser o que quiser ser. E para isso é preciso que existam oportunidades."
E, por outro lado, há também o fetiche envolvendo as pessoas com nanismo, Karina costuma ser assediada em todas as suas redes sociais, até mesmo com imagens de nudes via WhatsApp. “Até proposta para programas eu já recebi”, conta.
Principais dúvidas sobre nanismo
Com especialização em genética médica, a endocrinologista pediátrica, Paula Vasconcellos explica que o nanismo ocorre por inúmeras causas e é impossível enumerá-las. “São mais de 200 tipos, com aproximadamente 80 variações. De maneira geral, as causas genéticas são predominantes. A acondroplasia é o mais comum (pernas, braços e tronco curto)”, afirma ela. Veja outras observações feitas pela especialista:
Como funciona o diagnóstico?
O diagnóstico começa com avaliação clínica, incluindo o exame físico do paciente e a análise da curva de crescimento - de preferência desde o nascimento -, além da curva de peso e de perímetro cefálico. No exame físico, o primeiro aspecto avaliado é a proporcionalidade ou não do corpo.
Precisa de acompanhamento e tratamento?
O tratamento vai depender da causa do nanismo. Se falta, por exemplo, o hormônio do crescimento, este será administrado. Se for acondroplasia (causa genética), infelizmente ainda não existe terapia especifica e o tratamento vai se basear no acompanhamento cuidadoso do crescimento, peso e perímetro cefálico e na prevenção/detecção precoce das eventuais complicações respiratórias, ortopédicas e neurológicas.
Embora se tenha tentado o uso do hormônio do crescimento, esse tratamento não modificou a altura final dos pacientes acondroplásicos. O alongamento dos membros por meio de cirurgia foi realizado em pacientes, com ganho de até 20 cm na estatura final. Mas as múltiplas cirurgias necessárias e as diversas complicações inerentes ao procedimento não consolidaram esse tipo de tratamento.
Mulheres com nanismo podem engravidar?
Em geral, sim. Naturalmente a baixa estatura pode provocar algumas complicações obstétricas, que devem ser acompanhadas pelo médico responsável.
Qual a chance do filho ter nanismo também?
Em 80-90% dos casos, essa mutação não é herdada dos pais - os pais são normais e têm um filho acondroplásico, condição causada por uma mutação de novo, como se diz em genética. Mas sabe-se que a idade paterna avançada (não a materna) pode contribuir para a ocorrência de nascimento de filho com acondroplasia. A pessoa com acondroplasia tem um risco elevado (50%) de ter um filho acondroplásico, mesmo se o outro genitor(a) não tiver o nanismo.
Combate ao preconceito
Embora se veja muito empenho na sociedade atual em aceitar o diferente, ainda há muito preconceito. Interessante e lamentável que os pais relatam terem vivenciado situações de preconceito até mesmo partindo de pessoas de quem nunca se poderia esperar - profissionais da saúde e professores, por exemplo. Isto prova que há muito ainda a ser feito em relação a um melhor conhecimento sobre a acondroplasia. O combate ao preconceito significa diminuir o grande sofrimento psicológico dos indivíduos com nanismo, que já sofrem com as dificuldades práticas do cotidiano.
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