'Fugi da guerra e achei minha mãe no Brasil', diz participante do The Voice
“Não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si. É sobre saber que em algum lugar alguém zela por ti.” Quando a refugiada Isabel Antonio, 16, entoou os primeiros versos da música “Trem-Bala”, de Ana Vilela, na fase classificatória do “The Voice”, parecia cantar sua própria história. Na segunda etapa do programa, soltou a voz em mais uma canção emblemática, “Heal the World”, de Michael Jackson, e avançou na disputa.
Natural da República Democrática do Congo, há dois anos ela se perdeu dos pais no meio da guerra civil, foi resgatada por missionárias brasileiras e procurou refúgio no Brasil, onde inesperadamente reencontrou a mãe e descobriu seu talento como cantora.
O medo da morte e a chegada ao Brasil
“Minha vida era muito simples, mas muito boa na África”, recorda em entrevista ao UOL. “A pior coisa que me aconteceu foi ter que deixar tudo para trás, para não morrer.” Isabel saía para curtir férias em família, quando se viu em meio a tiroteios e bombardeios da guerra civil. Era mais um dos massacres que assolam o país há anos.
Para salvar a própria vida, correu sem rumo. No caminho, se perdeu dos pais. O único membro da família que tinha por perto era a irmã, dois anos mais nova. “Foi terrível. Passamos três dias escondidas em uma mata, só nós duas, sem nada, achando que nossa mãe tinha morrido. Por sorte, encontrarmos um grupo de missionárias brasileiras, que prometeu nos salvar”, conta. “Andamos até a estrada principal e entramos em um carro que prestava socorro aos sobreviventes do conflito.” Dali, partiram para a Angola, pais fronteiriço.
Isabel deixava para trás não só a família, como a lembrança dos melhores anos de sua vida na escola, os amigos e a rotina de acompanhar a mãe na feira livre. No país vizinho, passaram um mês, antes de embarcar para o Brasil à procura de uma vida melhor e protegida. “Vir para cá era nossa única opção.” A expectativa era alta, assim como o medo.
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A maior das surpresas
“Não tínhamos mais ninguém, meu maior desejo era reencontrar minha mãe. Eu e minha irmã estávamos completamente desprotegidas. No voo até o Rio de Janeiro, passava de tudo na minha cabeça. Tinha muito medo do que poderiam fazer comigo aqui.”
Digna de um best-seller, sua história ganhou um contorno inesperado. Depois de duas semanas no Rio, as duas foram para São Paulo. A primeira parada foi na Cáritas Brasileira, entidade que atua na defesa e garantia dos direitos humanos. Na lista de registros de refugiados, a maior das surpresas: os nomes da mãe e dos outros quatro irmãos.
“Todos estavam salvos, morando em um abrigo. Foi muito inesperado. E o primeiro encontro com a minha mãe foi muito especial. Foi uma verdadeira bênção. Nunca pensei que pudesse acontecer tão fácil. Foi a primeira vez que me senti segura e feliz estando em outro país.”
O reencontro permitiu que as meninas não fossem levadas a um orfanato. “Poderíamos ter sido adotadas”, recorda apreensiva. A família foi encaminhada a um abrigo, onde viveram momentos difíceis. “Não éramos bem tratadas. Gritavam com a gente, trancavam as postas dos quartos e nos obrigavam a passar o dia na rua. Ficamos seis meses lá, até minha mãe encontrar um trabalho, que nos permitiu mudar para uma casa alugada.”
O talento adormecido
Isabel só comemora uma das saídas forçadas do abrigo -- aquela em que encontrou por acaso com Daniela Guimarães, idealizadora do Coral Somos Iguais, de refugiados, apadrinhado pelo maestro João Carlos Martins.
“Foi onde eu descobri minha voz”, diz a candidata que fez Carlinhos Brown virar a cadeira já nas primeiras notas de sua estreia como cantora. “Eu achava minha voz péssima quando estava na África. Quando cheguei aqui, parece que ela se transformou. Cantar hoje é o que me dá força, me relaxa e me ajuda a esquecer tantas agonias que enfrentei. Posso dizer hoje que encontrei a paz no Brasil.”
Uma nova história sendo escrita
Entre os aprendizados da nova vida, ela destaca o respeito à diversidade étnica e religiosa, que deseja ao seu próprio país, e também a descoberta do acolhimento. A saudade do Congo ainda é grande. Seu sonho é poder visitá-lo um dia para reencontrar amigos e parentes. Mas, a partir de agora, quer escrever a continuação de sua história de superação no país que a recebeu. “Não quero morrer em um bombardeio, mas vou carregar para sempre tudo o que vivi. Sei que tudo de ruim que passei foi para que coisas boas viessem adiante. Espero que as pessoas do meu país também encontrem a paz que merecem.”
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