Topo

A história de Rebeca, a mulher que pediu o direito ao aborto seguro no STF

Debora Diniz

Colaboração especial para o UOL

23/11/2017 20h35

Na última quarta-feira, 22, o Supremo Tribunal Federal conheceu a história da estudante Rebeca Mendes Silva Leite, de 30 anos, por meio de uma ação apresentada pelo PSOL e a Anis – Instituto Bioética pedindo o direito de interromper uma gravidez de seis semanas, indesejada. Rebeca não tem condições econômicas e emocionais de levar sua gestação adiante: é responsável pela criação de dois filhos e vive com recursos de um trabalho temporário que vai até fevereiro. 

Aqui, Rebeca conta novamente sua história, em uma carta direcionada a ministra Rosa Weber, da 1ª turma do Supremo, solicitando a descriminalização e segurança do aborto para o seu caso. Não há prazo para que a ministra tome a decisão. Se for determinado pelo STF que a decisão tem repercussão geral, o aborto para todas as mulheres até a 12.ª semana da gestação passaria a ser permitido.

Leia também

Em tempo: não há até então nenhuma decisão autorizando casos como o de Rebeca no STF. Todas as decisões sobre aborto dizem respeito a gestações de risco de vida para a mulher ou de fetos com má-formação.

Rebeca, aos 30 anos, já cuida de dois filhos e não deseja prosseguir com a atual gravidez - Débora Diniz - Débora Diniz
Rebeca, aos 30 anos, já cuida de dois filhos e não deseja prosseguir com a gravidez
Imagem: Débora Diniz

"Meu nome é Rebeca tenho 30 anos, sou mãe de dois meninos. Thomas, de 9 anos, e Felipe, de 6 anos. Não é fácil, mas tentarei descrever o motivo do meu atual sofrimento. Na terça-feira, dia 14/11, descobri que estou grávida.
Minha menstruação, até então, estava atrasada apenas 10 dias. O que isso significou pra mim naquele momento? Bom, senti um grande abismo se abrindo e me sugando cada vez mais para baixo. Desde então, já não sei o que significa dormir, comer, estudar, enfim, tudo o que faço tranquilamente e quando não estou fazendo “nada”, eu estou chorando. Fico imaginando as possibilidades, e a longo prazo se eu estivesse vivendo outra realidade, o mínimo diferente que fosse, eu não estaria escolhendo fazer um aborto.
O que tentarei fazer aqui é um relato verdadeiro do que está acontecendo neste momento e mais ainda, tentarei ser o mais racional possível. Como já disse, sou mãe de dois meninos lindos e mesmo o pai pagando a pensão alimentícia para os meninos e morando muito perto de nós, ainda assim, me considero uma mãe que também faz o papel de pai. O lema dessa pessoa que se considera pai dos mais filhos é: “eu já pago pensão”. Isso é o que eu escuto basicamente, em qualquer situação, desde chegar da faculdade às 23 horas e perceber que um deles está com febre alta e ligar e pedir que nos leve até o hospital, pois ele tem carro e eu não, e a resposta que eu tenho é: “Eu não pago pensão? Chama o Uber e leva você”. Dentre outros absurdos que não vêm ao caso.

Mas o que isso tem a ver com a atual gestação? Infelizmente, o pai dos meus dois filhos é responsável também por essa gestação. Quando eu conto esse detalhe, geralmente as pessoas riem da situação. Mas não sabem como é ter um relacionamento saudável e sem remorsos, sendo uma mãe solteira. Mesmo assim, estamos separados há 3 anos, e essa foi a única aproximação amorosa que tivemos. Mas ainda assim não é esse o motivo que me leva a decisão de interromper essa gestação. Já adianto aqui, são dois motivos que me levam a essa decisão. O principal deles é que em fevereiro para ser mais exata, no dia 11/02/2018 eu serei uma mulher desempregada. Tenho um contrato de trabalho temporário no IBGE, e nessa data ele se encerra sem a possibilidade de renovação. Serei então uma mãe de dois filhos desempregada e grávida.
Rebeca Mendes Silva Leite - Debora Diniz - Debora Diniz
Rebeca e os filhos, Thomas e Felipe
Imagem: Debora Diniz

Se já é difícil para uma mulher com filhos pequenos trabalhar em nosso país, é impossível uma mulher grávida conseguir um trabalho para qualquer atividade que seja. Seremos três pessoas passando necessidades, não conseguindo pagar meu aluguel sem ter dinheiro para comprar comida e com toda essa dificuldade ainda terei um bebê a caminho. Esse é um cenário que a longo prazo não tenho perspectiva de melhora. O outro motivo que tenho é que estou cursando o quinto semestre do curso de Direito, curso este onde eu possuo uma bolsa integral pelo PROUNI e é o passaporte da minha família para uma vida melhor. Continuar com essa gestação significa também interromper por prazo indeterminado a conclusão desse sonho.
Não sou uma mulher irresponsável, estava trocando de uso de um contraceptivo por outro. Como não possuo convênio médico, todo procedimento é feito pelo SUS, onde todo e qualquer procedimento é moroso. Moro na cidade de São Paulo e, pra ser sincera, eu poderia ter ido até a Praça da Sé com R$ 700,00 reais e comprar o tal do “Cytotec e ter tomado na minha casa e acabado com tudo isso. Diante dessa possibilidade pesquisei o funcionamento e as consequências deste ato. Me entenda, eu nunca estive nessa posição e os relatos que vi foram mais que suficientes para descartar essa possibilidade. O medo do procedimento não funcionar e acarretar má-formação ou o remédio causar uma hemorragia causando a minha morte e, ser levada para um hospital e chegando lá ser levada para delegacia. Não quero ser presa e muito menos morrer. Não parece ser justo comigo. Não estou grávida de 4 ou 5 meses, estou grávida de dias apenas".
* O depoimento de Rebeca foi originalmente publicado no site do Think Olga e faz parte da campanha #EuVouContar, criada pela Anis -Instituto de Bioética e pelo Think Olga com o intuito de ouvir semanalmente histórias de aborto.