Por que 56% das crianças querem ser um celular? Não parece, mas é sério
“Sai desse celular!” Essa frase não sai da boca de pais e mães, mas muitos deles mereciam escutá-la, também. Apesar de as atenções estarem mais voltadas aos impactos negativos do uso da tecnologia pelas crianças, pouco se fala sobre o assunto quando se trata de adultos.
Luci Pfeiffer, pediatra, psicanalista e coordenadora do Programa DEDICA, trata da defesa dos direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência grave e gravíssima. Ela diz que é preciso que os pais se debrucem cada vez mais sobre os próprios hábitos e percebam o quanto o convívio familiar tem sido negligenciado pelo vício na tecnologia.
Uma pesquisa global realizada pela AVG Technologies, que viralizou recentemente, mostrou o quanto os filhos estão invisíveis dentro de casa. Cerca de 83% das crianças entrevistadas disseram que se sentem trocadas pelo celular, 56% gostariam de ser um celular e afirmaram que confiscariam os aparelhos dos pais se pudessem.
Para o estudo foram ouvidos 316 brasileiros de um total de 6.117 entrevistados de países como EUA, Austrália, Canadá, República Tcheca, França, Alemanha, Nova Zelândia e Reino Unido.
“Vivemos uma realidade de violência virtual, que se dá por meio de abandono dos pais”, afirma Luci. “A negligência, que é a falta do cuidar, é uma das piores formas de violência. Ela é velada, não deixa marcas evidentes, mas destrói a estruturação de personalidade de uma criança. Por isso é grave.”
Veja também:
- Pôr filho pra pensar não é castigo: veja ações educativas para cada idade
- Devo postar foto dos filhos na internet? Veja prós e contras
- 7 dicas para saber o que seus filhos fazem na Internet
O impacto na formação de crianças e adolescentes
Segundo a especialista, até os seis anos, crianças constroem todos os valores éticos e morais, que são aprendidos por espelhamento e estímulo dos adultos. “Portanto, se o pai e a mãe não largam o celular em casa, é esse comportamento que estarão ensinando”, diz. “Isso tomará o tempo de atividades que valorizam o contato, gerando problemas como isolamento e vício.”
Luci critica ainda a maneira perversa como os desenhos atuais têm segurado a atenção das crianças, como se fossem os próprios pais. Os olhos grandes dos personagens, por exemplo, estão lá porque os bebês procuram o tempo todo o olhar dos adultos, as risadas recorrentes é o sinal de aprovação que eles sempre buscam nos responsáveis pela sua criação, as frases repetidas é o método mais eficaz de fazê-los aprender a falar.
“O problema é que nenhuma tecnologia substitui abraço, carinho, sorriso e olhar de aprovação”, conta. “O que está acontecendo é uma grave terceirização do cuidar, que não tem afeto nem calor.”
Como droga ou sexo
Antes, Luci lidava com um barulho imenso no consultório, por conta das crianças brincando>. Agora, quando vai à sala de espera, cada pai usa seu smartphone e a criança fica no tablet. Em casa, os adultos interrompem qualquer brincadeira para se ocupar das mensagens que chegam por WhatsApp, e o celular está presente até na hora das refeições
E quando o aparelho por acaso é esquecido em casa? A pessoa volta para buscá-lo imediatamente. “Isso se chama nomofobia, uma consequência grave da dependência de eletrônicos”, conta.
Luli Radfaher, professor de Comunicação Digital da Escola de Comunicação e Artes da USP e autor do livro “Enciclopédia da Nuvem”, compara o vício em tecnologia ao de drogas. “Toda vez que o indivíduo atualiza as redes sociais atrás de novidades, por exemplo, ele recebe uma descarga de endorfina do cérebro e fica feliz. É o mesmo prazer depois de um orgasmo ou do uso de cocaína.”
Essa dependência é agravada pelo aumento da expectativa sobre a carga social implicada nessas ferramentas. “Acredita-se sempre que o próximo post receberá mais likes. Isso é um círculo vicioso, que mexe com a autoestima.”
Como agir no dia a dia?
Na prática, as associações de pediatria nacionais e internacionais recomendam mudanças por parte de todos os membros da família.
- Aos filhos: até os dois anos, é aconselhado que a criança não tenha contato com nenhuma tela. Esse é o momento de aprender com o toque, o paladar e troca interpessoal. Dos 3 aos 6 anos, a recomendação de uso do aparelho eletrônico é de, no máximo, uma hora por dia. Dos seis em diante, os filhos devem usá-los até duas horas por dia.
- Aos pais: se tiver na companhia dos filhos, deixe o telefone de lado, preste atenção no que ele tem a dizer e brinque o máximo possível. Além disso, dê preferência à comunicação oral. Levar trabalho para casa também não deve virar rotina. É preciso aproveitar as trocas e a vida em família.
Reproduza no mundo real as ações virtuais
Uma campanha batizada de “Conecte-se ao que importa”, criada pela Associação dos Amigos do Hospital das Clínicas do Paraná, sugere com simples conselhos que atitudes tão comuns ao ambiente virtual sejam transferidas ao dia a dia. São elas:
- Tem gente solicitando a sua amizade dentro de casa
- Quando você larga o celular, é o seu filho que vibra
- Você não vai vê-lo crescer se continuar olhando para baixo
- Seu filho passa muito tempo na TV? Pois é, crianças tendem a imitar os pais
- A conversa em casa pode passar dos 140 caracteres
- Ele só quer a sua curtida
- Curta a vida dele como você curte a dos outros
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.