"HIV não mata. O que mata é o preconceito", desabafa professor soropositivo
Aos 22 anos, Lino Lee descobriu que um ex-namorado tinha lhe infectado com o vírus HIV. Uma mistura de medo, impotência e muita raiva tomou conta dele. Lino pensou que seus dias estavam contados e, por não saber como lidar com a situação, se afastou e escondeu sua condição de muita gente.
Dez anos depois, o professor de ioga e de educação física "saiu do armário" e revelou ser soropositivo em uma publicação no Facebook. Hoje, completamente saudável, Lino desabafa: "O HIV não mata. O que mata é o preconceito". Abaixo, ele conta sua história.
*Vale lembrar: ter o vírus HIV não é a mesma coisa que ter Aids. A pessoa diagnosticada como soropositiva pode viver anos sem apresentar sintomas nem desenvolver a doença. Entenda os riscos na página do Ministério da Saúde.
Achei que minha vida tinha os dias contados
“Tive um namorado dos 18 aos 22 anos. A gente tinha feito os exames todos e não tínhamos HIV, então resolvemos não usar mais camisinha. Depois que já tínhamos terminado, saí com ele algumas vezes ainda, até que ele me disse que estava com HIV e que era bom eu fazer o exame, porque provavelmente teria também.
Isso aconteceu mais ou menos em julho de 2007. Falei que não ia acontecer nada comigo e fui arrastando por uns meses, com medo de fazer o teste. No final daquele ano, comecei a namorar outro rapaz, contei essa história e ele me incentivou a fazer o exame. Eu tinha 22 anos quando recebi o diagnóstico falando que era HIV positivo.
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Senti medo, impotência e raiva. Muita raiva do ex-namorado. Menti, me escondi, me afastei, omiti, enfim, não soube lidar com a minha nova realidade e achei que minha vida tinha os dias contados.
Antes de tudo isso, eu era voluntário em duas ONGs e dava aula para soropositivos. Meu TCC na faculdade teve como tema os soropositivos. Eu sou professor de educação física e tinha feito um trabalho com atividades físicas para soropositivos.
Eu tinha certo conhecimento até, mas quando eu recebi a notícia achei que iria morrer. Foi ignorância minha, mesmo. Um misto de pânico e susto. Eu fiquei em choque.
Excluído, humilhado, demitido
Meus pais não souberam do diagnóstico, eles morreram sem saber. Minha irmã ficou sabendo um tempo depois. Ficou triste, lógico, mas me deu muita força. Fora isso, eu tinha contado para poucos amigos nessa época. Só alguns, escolhidos a dedo, que eu sabia que iriam me dar força.
Mas sempre que eu me envolvia com alguém, acabava contando e nunca era muito boa a reação. Alguns deles me excluíram, alguns me humilharam. Teve uma academia em que eu trabalhava e fui demitido dois meses depois de contar. Deram a desculpa de corte de gastos, mas eu sei que não era. Acabei deixando quieto e não fiz nada porque eu também tinha medo de me expor.
Antes era como se eu fosse um bandido, fazendo as coisas escondido. Eu ia pegar medicação com medo de encontrar alguém na rua, de encontrar algum aluno conhecido. Eu fugia se visse alguém, dava uma volta no quarteirão. Estava me privando de um monte de coisa que eu não precisava, porque eu não estou fazendo nada de errado!
Hoje eu vejo que HIV não mata. O que mata é o preconceito, mata aos poucos. A ignorância mata. Eu me lembro de cenas, de pessoas se afastando fisicamente de mim, como se o simples toque de um dedo fosse capaz de transmitir o vírus. Essas coisas sim me mataram, essas sim matam. Por sorte tive amigos de verdade que me ajudaram, e eu lembro diariamente de cada um deles.
Foi como 'sair do armário' de novo
Quando revelei ser soropositivo em uma publicação no Facebook em agosto deste ano, uma prima me perguntou por que escondi isso por tanto tempo e por que resolvi falar agora. Escondi-me porque eu não tinha maturidade suficiente para encarar todo mundo. Também não imaginava que teria uma repercussão tão grande. Vi mais de mil pessoas curtindo, recebi um monte de mensagens inbox de gente se abrindo comigo também, falando que é soropositivo, mas que nunca teve coragem de falar.
A vontade de falar foi mais ou menos como 'sair do armário' de novo. Eu me assumi gay aos 15 anos para a minha família. Agora estou sentindo como se fosse uma segunda vez saindo do armário. O que eu queria na verdade é não me esconder mais.
As pessoas com quem eu convivo foram muito receptivas após o relato. Meus alunos foram super queridos e fofos. Os donos da academia em que eu trabalho também foram ótimos. Hoje eu sei que ninguém vai me atacar com pedras.
Chore mesmo, mas procure ajuda
Para alguém que acabou de descobrir que é soropositivo, meu conselho é: chore mesmo. Você precisa viver como se fosse um luto, mesmo, porque se ficar guardando isso vai virar uma bola de neve. Isso vai explodir uma hora e vai ser muito pior. Procure ajuda!
O centro onde eu faço acompanhamento tem tudo: enfermeiro, psicólogo, assistente social, tudo de graça. A terapia é muito boa para quem não consegue segurar sozinho a barra. E acho que a melhor coisa é procurar os seus direitos com a assistente social.
Quando eu comecei a fazer terapia, eu mal conseguia falar, chorava demais. Mas, aos poucos, a cada sessão ia me abrindo um pouco mais. A terapeuta falou coisas legais, que me fizeram pensar, e aí eu vi que eu não estava morto nem morrendo, mas que dependia de mim. Fiz o tratamento certinho, desde que eu descobri até hoje.
Nem ignorância, nem paranoia
Para quem está em volta da pessoa que acabou de receber o diagnóstico de soropositivo, é importante dar força e conhecer um pouquinho a doença. É preciso saber quais são os métodos de transmissão -- e que o contato físico, um abraço, um beijo, não são perigosos.
Outra coisa importante é não tratar como se a pessoa estivesse morrendo. Isso é a pior coisa! Tive alguns amigos que, por não saberem como lidar, me ligavam de 15 em 15 minutos perguntando se eu estava bem, se eu precisava de alguma coisa. Era gostoso o carinho, mas aí eu me sentia morrendo, me sentia pior.
Eu dou aula para bastante adolescentes e hoje vejo muitas meninas falando que tomam anticoncepcional, por isso não usam camisinha. Vejo muitos casais heterossexuais que se preocupam só com gravidez, sendo que você pode pegar todas as DSTs. Existe o pensamento de 'não vai acontecer comigo'. Eu também pensei assim lá atrás. Sabia de todos os riscos que corria".
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