Freira e feminista: o que Ivone Gebara pensa sobre aborto, gênero e drogas
Ivone Gebara, 73 anos, é uma freira incomum. Para começar, ela se considera, e com orgulho, uma feminista; e isso inclui questionar os próprios dogmas da Igreja Católica. Ivone trabalha para que sua religião, o cristianismo, não mais promova o apagamento e a submissão das mulheres.
“Desde que me tornei feminista, percebi que a teologia cristã ignorou as mulheres, consideradas pelas igrejas seres de segunda categoria. Entendi ainda que as religiões não são apenas consolo para os necessitados, mas também têm a ver com a manutenção de exclusões injustas. Não somente no caso das mulheres, mas das pessoas consideradas ‘anormais’ ou de comportamentos ‘não naturais’”, explica.
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Autora de mais de trinta livros publicados –entre eles “Teologia Ecofeminista: Ensaio para Repensar o Conhecimento e a Religião” (1997) e “Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal” (2000)–, Ivone, além de freira, é doutora em Filosofia pela PUC-SP e em Ciências Religiosas pela Universidade Católica de Lovaine, na Bélgica. Seu raro currículo a faz uma “teóloga feminista”.
Teólogas feministas fazem perguntas críticas sobre as religiões e a forma como atingem a população. Defendemos que os textos bíblicos sejam vistos como produção literária de uma época com abertura à transcendência, e não como ‘palavra de Deus’.
Na década de 90, suas convicções, aparentemente inconciliáveis, causaram polêmica por causa de uma declaração à revista "Veja". Ali, Ivone dizia ser a favor da descriminalização do aborto. O preço foi alto: acabou punida pelo Vaticano e foi proibida de dar aulas e entrevistas. Contudo, ela nunca se calou. Na ocasião desta entrevista, por exemplo, estava de malas prontas para El Salvador, para dar assessoria a educadoras que trabalham com mulheres vítimas de mineradoras.
Aqui, Ivone reflete sobre temas que dividem a sociedade: aborto, casamento de homossexuais, poliamor, transgêneros, sexo antes do casamento e política de drogas.
Casamento gay
"Se o casal pertence aquela igreja, eu não vejo problema algum de o casamento acontecer com a bênção da instituição religiosa. Hoje em dia, casar pode simplesmente significar ficar junto, dividir alegrias, tristezas e bens. Pode significar, ainda, formar uma família. E, na minha opinião, para essas coisas, basta apenas o amor. Uma comunidade religiosa precisa incluir a diversidade em seus valores."
Aborto
"A gente não pode controlar a vida das mulheres. Aborto não é uma escolha para se colocar em praça pública, é algo muito íntimo. Precisamos garantir o direito dessas mulheres de decidirem por suas vidas e corpos. Para além do problema de saúde pública que tem significado os abortos clandestinos e malfeitos, a mulher deveria poder contar com políticas públicas que possibilitem abortos seguros. As leis querem colocar o aborto num significado único, mas ele não têm o mesmo significado para todo mundo. Mais uma vez: criminalizar o aborto é uma dominação do corpo das mulheres. Não é sobre salvar vidas de fetos, estamos falando de interesses econômicos e políticos. Acho que há uma hipocrisia nas decisões em torno da sexualidade da mulher."
Poliamor
"Não tenho autoridade para falar sobre isso. Mas temo que o poliamor possa levar a uma banalização das relações e possa causar dor para as pessoas envolvidas."
Sexo antes do casamento
"No meu tempo, o sexo era antes do casamento, mas, hoje, as pessoas ficam e transam e experimentam suas sexualidades em diferentes tempos. Eu, particularmente, não tenho objeção alguma sobre isso. E acho que a Igreja deve ser menos ditadora sobre isso, também."
Política de drogas e legalização da maconha
"Apesar de não ser autoridade alguma no tema, tendo a achar que a proibição não é o melhor caminho, muito menos se falamos de drogas. Quanto mais proibimos, mais excitamos mercados ilegais. E mercados ilegais são perigosos, e não só para os usuários, mas para toda uma sociedade. Acredito na liberação e na legalização das drogas, maconha entre elas, porém profundamente acompanhadas por processos educacionais e políticas públicas lúcidas."
Transgêneros
"As pessoas transgêneros existem e definitivamente não sou eu quem vou excluí-las. São cidadãos como quaisquer outros e devem se respeitados. É muito triste que haja tanta discriminação em relação a essas pessoas."
O papel da Igreja hoje
"As religiões como comunidades têm que pensar as suas tradições em função dos desafios dos tempos contemporâneos. Não podem ser excludentes mais. Você vai visitar as igrejas, todas elas, inclusive das periferias, são dominadas pelas figuras masculinas. O poder é masculino e branco e predominantemente heterossexual - mesmo eu não tendo certeza que realmente seja heterossexual."
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