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"Só não amamento", diz pai que fica com filhos para mulher sustentar a casa

Eduardo e a filha Elisa, de 3 anos e 8 meses: O músico é um exemplo de como funciona a paternidade ativa - Arquivo pessoal
Eduardo e a filha Elisa, de 3 anos e 8 meses: O músico é um exemplo de como funciona a paternidade ativa Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração com o UOL

10/01/2018 04h00

Na casa do músico Eduardo Rodrigues, 37, e da funcionária pública Deborah Schmidt, 31, quem cuida a maior parte do tempo de Elisa, de 3 anos e 8 meses, é ele, e quem sai para trabalhar é ela. “Sou pai e só estou fazendo o que tem de ser feito, não há nada demais nisso”. Em entrevista ao UOL, o casal conta como tem sido essa experiência e os preparativos do produtor artístico que, em poucas semanas, assumirá os cuidados do filho Ian, de 5 meses, quando terminará a licença-maternidade da mulher.

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“Depois que a Deborah voltou ao trabalho, me adaptei no emprego e cuidei da Elisa por dois meses, enquanto não abria vaga na creche. Nesse tempo, pensamos bem e vimos que seria melhor um dos dois parar de trabalhar para ficar com ela nesse início. Na escola, ela estaria com pessoas desconhecidas e ficaria mais vulnerável a adoecer. Decidimos que quem ganhasse mais continuaria trabalhando, que era a Deborah”, diz Eduardo, que pediu demissão da produtora onde trabalhava há 10 meses.

A funcionária pública lembra que ficou bastante ansiosa e se segurou para não ficar ligando para o marido na primeira semana. “Sabia que se fizesse isso ia deixá-lo inseguro. Ele fazia um diário com as atividades dela e me mantinha informada por mensagem, avisando se ela já tinha dormido, acordado, comido”.

Brinco de boneca com a minha filha, conta o pai

Elisa, a filha mais velha do músico e da funcionária pública - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Elisa, a filha mais velha do músico e da funcionária pública
Imagem: Arquivo Pessoal

Apesar de apreensivo, o músico diz que que não teve dificuldades na rotina com Elisa: “Assistíamos à TV, desenho, brincávamos de boneca, ouvíamos música, íamos ao parque. Até hoje, ela adora que eu conte histórias, principalmente aquelas em que ela é uma das personagens”, conta Eduardo, que, atualmente, divide as tarefas com a mulher, enquanto ela está de licença da segunda gestação. “Ao chegar do trabalho, dava banho, comida, conversava. Era uma forma de participar da educação dela e compensar a ausência do dia”, relata a mãe.

Segundo o casal, eles nunca se eximiram de suas responsabilidades e sempre foram parceiros. “Temos a liberdade de pedir a ajuda um do outro. Meu marido tem mais facilidade e calma para fazer as crianças dormirem. Eu corto a unha, pois ele tem medo de machucá-las. Esses dias até brinquei: ‘Ainda bem que a mamãe corta a unha, se fosse depender do papai, vocês teriam a unha do Zé do Caixão’”, diz Deborah rindo. Outro momento família é o banho coletivo. “A relação que um pai cria com o filho é a partir de experiências como essa, isso ajuda a estreitar o vínculo”, afirma o músico.

Quando o homem cuida, é herói; quando é a mulher, não fez mais do que obrigação

Em breve, Eduardo assumirá também os principais cuidados em relação ao caçula, Ian, de 5 meses - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Em breve, Eduardo assumirá também os principais cuidados em relação ao caçula, Ian, de 5 meses
Imagem: Arquivo pessoal

Segundo Eduardo, existe um problema cultural quanto à paternidade ativa. “Quando um homem cuida de uma criança, ele é considerado um pai fantástico, um super-herói. A mulher faz a mesma coisa e as pessoas acham que ela não está fazendo mais do que sua obrigação. Eu acho isso errado”. Deborah concorda: “Quando a mulher volta ao trabalho, ela é questionada com quem deixou o filho. Quando é o homem, ninguém pergunta”.

De acordo com o produtor, há um estigma na sociedade de que o pai é o provedor e a mãe é a responsável pela criação dos filhos. “A maioria das pessoas acredita que um homem não é capaz de educar uma criança. Uma vez eu estava na feira com a Elisa e uma mulher me ofereceu ajuda só pelo fato de me ver sozinho com ela. Ela perguntou onde estava a mãe, eu respondi que estava trabalhando e que eu era o cuidador. Isso me incomodou bastante, porque eu sei que dou conta dos meus filhos. Só não posso amamentar, o resto faço tudo, isso vale para todos os homens”.

Não me arrependo de continuar trabalhando, diz mãe

Deborah, a mãe das crianças, deve voltar ao trabalho assim que a licença-maternidade acabar - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Deborah, a mãe das crianças, deve voltar ao trabalho assim que a licença-maternidade acabar
Imagem: Arquivo pessoal

No lar do casal, os afazeres domésticos também são divididos. Enquanto Eduardo cozinha, lava a louça e vai ao mercado, Deborah se encarrega da roupa e da limpeza geral. Agora eles se preparam para as últimas semanas da funcionária pública antes de terminar a licença. “Não me arrependo de continuar trabalhando, embora já tenha me sentido culpada algumas vezes. O que me tranquiliza é saber que meu marido ama nossos filhos e que estão sendo bem cuidados por ele”, comenta Deborah, que admite não ter perfil para ficar em casa.

“Eu me inspiro na dedicação da minha mulher, já tenho a experiência de criar um filho e agora vou ter de dois”, afirma Eduardo, que já pegou dicas de pais que trocam conhecimento no grupo “Paternando”, no Facebook. “Estava preocupado com a relação da Elisa e do Ian, dela tratá-lo mal por ciúmes ou por querer chamar atenção. Achava que o caminho era intervir o tempo todo, mas falaram para deixar rolar, observar e só intermediar se necessário. Funcionou. Ser pai não é só fazer as coisas legais, é errar, acertar e aprender sempre”.