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Cabelo raspado: o que a tendência da vez tem a dizer sobre ser mulher hoje?

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Natacha Cortêz

Do UOL

16/01/2018 04h00

Cabelo raspado é a tendência capilar da vez no universo feminino. As ruas não negam, nem as famosas: Kate Hudson, Cara Delevingne, Isabella Santoni, Kristen Stewart, Millie Bobby Brown e até Britney Spears, nos longínquos 2007, são prova de que o corte não se restringe aos guetos da moda ou às cabeças masculinas.

Uma simples busca no Facebook pelo termo “careca” entrega dezenas de grupos formados por mulheres que compartilham o estilo cabeça raspada. No “Relatos das carecas” são mais de duas mil mulheres. O “Mulher careca: uma questão de estilo” reúne quase três mil participantes. Nesses espaços, a ideia é compartilhar vivências, contar de “olhares tortos” e inclusive dos desafios que uma mulher precisa enfrentar por escolher (quase) não ter cabelo.

"No Brasil, raspar o cabelo é ser menos mulher"

Para uma mulher, ainda mais no Brasil, ostentar uma cabeça despida de longos fios é mais do que uma tendência capilar, “é um ato político, um discurso de liberdade e autonomia”, defende a psicanalista Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio e autora de “O Intolerável Peso da Feiura: Sobre as Mulheres e Seus Corpos” (ed. PUC/Garamond).

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Ela explica: “Ao lado dos seios, o cabelo é um dos símbolos máximos do feminino. Não à toa, em algumas culturas ele é tão ameaçador. No Islã, por exemplo, uma mulher é capaz de seduzir um homem através do cabelo. Daí, a burca para cobri-lo. Se fomos contextualizar o cabelo feminino na cultura brasileira, não podemos esquecer do quão conservadora e machista é a construção da feminilidade da mulher daqui. Aliás, no Brasil, raspar o cabelo é visto como ser menos mulher.”

Joana fala ainda da diferença entre uma mulher raspar a cabeça no Brasil e na Alemanha, por exemplo. “No imaginário brasileiro, a mulher ainda é muito objetificada e sexualizada. Esperam de nós os tradicionais signos estéticos do feminino --devemos ser bonitas, magras, com peitos e quadris grandes, com cabelos longos e alinhados, maquiadas e comportadas. Que não somente sejamos mulheres, mas que aparentemos ser mulheres. Isso é bem diferente em lugares onde o capital de uma mulher não está apenas em seu corpo.”

O UOL ouviu garotas que decidiram raspar o cabelo. Elas contam por que o fizeram e o que mudou nelas e em seus mundos depois do corte. Leia abaixo:

"A feminilidade pode ser construída de muitas coisas"

Raíssa - Reprodução - Reprodução
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“Meu cabelo sempre foi comprido, cacheado e volumoso. E chamava atenção. Mas a vontade de cortar curtinho sempre rolou. A princípio queria Joãozinho, como o da Anne Hathaway. Um dia conheci a Glória, ela tinha a cabeça raspada e era linda. Ver aquela mulher me inspirou. No dia seguinte, fui ao salão e pedi para passarem a máquina. Era 13 de setembro de 2017. Acho que demorei a cortar por medo de não me achar bonita, de não parecer feminina, de me confundirem com um homem, me desrespeitarem... Tudo besteira! Posso ser linda de qualquer forma. A feminilidade pode ser construída de muitas coisas, não só por um cabelo de comercial de xampu.” Raíssa Pignoni, 21 anos, estudante de engenharia civil de Caieiras, região metropolitana de São Paulo.

"Cabelo é só um acessório que a gente muda quando quiser"

Joyce - Reprodução - Reprodução
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“Ao contrário do que que as pessoas pensam, a feminilidade não está nos cabelos. Cabelo é só um acessório que a gente muda quando quiser. Faz dois anos e dois meses que raspei a cabeça pela primeira vez. Eu tinha feito transição capilar, isso de ir do cabelo alisado para o natural, e nesse processo já tinha me empoderado. Depois dele, entendi que queria ir além e descobrir a liberdade de ser uma mulher careca. E é de fato o que acontece: sem cabelos a gente se liberta de qualquer padrão.” Joyce Kelly, 24 anos, poeta de Duque de Caxias, Rio de Janeiro.


"Aprendemos desde criança que meninas tem que ter cabelão"

Yasmin - Tyno Cruz - Tyno Cruz
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“Ser careca foi a melhor coisa que fiz, um ato de coragem e amor que me fez mais forte. Raspei a cabeça pela primeira vez dia 5 de janeiro de 2017, uma quinta-feira. Estava na fase de transição capilar para retirar a progressiva e assumir meus cachos. Usava o cabelo comprido há anos e o primeiro passo foi cortar curto, só que chegou um momento em que não tinha mais jeito de arrumar. Foi quando ponderei sobre raspar. Houve medo porque aprendemos desde criança que meninas têm que ter cabelo grande. Mas minha tia descobriu um câncer de mama e decidi que se ela raspasse devido ao tratamento, eu rasparia em apoio a ela. Era o que faltava para me sentir encorajada. Conclusão? Me amei e desde então mantenho a careca.” Yasmin Victória, 29 anos, produtora de eventos do Rio de Janeiro.

"Acho que fiquei mais estilosa"

Camila Galdino - Reprodução - Reprodução
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"Decidi raspar o cabelo porque estava em plena transição capilar e não aguentava mais aquelas duas texturas, tampouco tinha paciência para deixar crescer. Passei a máquina pela primeira vez no dia 10 de agosto de 2016. O medo que tive foi sobre o formato da minha cabeça. Também fiquei receosa por conta dos meus pais, aquela coisa de não saber se eles receberiam bem o corte. No fim das contas, receberam bem e acho que fiquei mais estilosa. E passei a me maquiar mais. Amo make desde sempre, mas ultimamente tenho amado mais!” Camila Galdino, 20 anos, estudante e YouTuber do Rio de Janeiro.

"Sou muito maior do que meu cabelo"

Lavynia - Reprodução - Reprodução
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“Entendi que sou muito maior do que meu cabelo e que minha beleza não depende dele. Mas não foi fácil, como eu previa. Eu já era acostumada com o cabelo longo e tudo que ele supostamente significa. Acontece que raspar era a solução naquele momento. Eu tinha feito uma química forte para alisar os fios e eles começaram a cair, a ponto de surgirem buracos na cabeça. Na hora de raspar, tive medo. Medo de ficar feia, de ser criticada, de ter minha autoestima destruída. Depois que enfim tomei coragem, senti uma liberdade enorme.” Lavínya Pereira, 18 anos, designer gráfica de Salvador (BA).