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Débora Maria quer justiça: "Você não cria filho para ser morto pelo Estado"

Hoje, aos 58 anos, Débora percorre o mundo falando contra "o terrorismo do Estado brasileiro" e lutando para que a justiça seja feita - ainda que tardiamente  - Fernando Martins de Freitas
Hoje, aos 58 anos, Débora percorre o mundo falando contra "o terrorismo do Estado brasileiro" e lutando para que a justiça seja feita - ainda que tardiamente Imagem: Fernando Martins de Freitas

Natacha Cortêz

da Universa, em São Paulo

28/02/2018 04h00Atualizada em 12/06/2020 15h00

Há doze anos, Débora Silva Maria era uma pacata dona de casa na periferia de Santos, litoral de São Paulo, quando o assassinato de seu filho, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, a transformou. Por amor e indignação, ela se juntou a outras mulheres, que também perderam seus filhos para a violência policial, e fundou o movimento Mães de Maio.

Hoje, aos 58 anos, Débora percorre o mundo discursando contra o que ela chama de "terrorismo do Estado brasileiro" e lutando para provar o que ainda não conseguiu: que os assassinos de seu filho sejam julgados e punidos.

"A dor do luto me levou para a luta política. Nunca imaginei encontrar chefes de Estado e viajar para embaixadas e universidades internacionais falando sobre os Crimes de Maio."

A caminhada de Débora

Era 15 de maio de 2006, quando Edson acordou e disse à mãe que iria trabalhar, mesmo com o dente do siso recém-arrancado. Débora temia que o filho saísse para a rua, pois as autoridades haviam alertado a população, dado o clima de violência instaurado por causa da guerra entre a polícia e o PCC. "Ele insistiu, ou perdia o emprego", lembra ela.

Naquele maio, a organização criminosa incendiou ônibus e travou uma batalha com a polícia em São Paulo. Na volta do trabalho, a caminho de casa, Edson foi assassinado com cinco tiros. "Um no coração, um em cada pulmão e o restante pelo tronco".

Débora não tem dúvidas de que os assassinos do filho eram policiais: "Saíram atirando em qualquer pobre, preto, que vissem pelas ruas, em retaliação ao PCC".

Débora Silva Maria - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Débora segura a carteira de motorista do filho morto
Imagem: Arquivo pessoal
Com a morte de Edson, Débora ficou 40 dias em uma cama de hospital. "Até que vi meu filho. Dizem que foi por causa dos remédios, mas vi, juro. Ele disse: 'Levanta e luta, mãe'."

Ela se levantou. Quase um mês depois, encontrou seus pares. Ednalva e Vera tinham histórias parecidas: também perderam seus filhos em crimes obscuros. Unidas, formaram as Mães de Maio.

As integrantes são mães, em sua maioria, e familiares das vítimas dos chamados Crimes de Maio, nos quais cerca de 600 jovens morreram em uma semana, em todo o estado de São Paulo.


Atualmente, Débora é coordenadora do grupo e uma mulher com contatos na Anistia Internacional. Fala sobre Ministério Público, Corregedoria e desmilitarização da polícia como se fosse especialista. "Faço parte de um time de mulheres que nunca se cansou de lutar por justiça. Não é sobre termos fé no judiciário brasileiro, temos fé em nós mesmas."

Conheça outras mulheres inspiradoras

Em dezembro de 2013, no Fórum Mundial de Direitos Humanos, Débora recebeu um prêmio das mãos do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por sua atuação à frente das Mães de Maio. Na ocasião, esteve com Dilma Rousseff e questionou a então presidente sobre por que não agendou um encontro com ela antes. "Era minha chance de cobrar a presidenta por justiça."

As Mães de Maio conseguiram uma indenização por danos morais. O valor, determinado em 2012, é uma pensão vitalícia de metade de um salário mínimo -hoje, o equivalente a R$ 447-, mas que nunca trouxe sossego a Débora.

É um absurdo. Eu quero moralidade, quero que o Estado peça perdão.

Enfim, em julho de 2014, pela primeira vez, um PM foi levado a julgamento, acusado de participar de extermínio de civis durante os Crimes de Maio. Pelos homicídios, praticados sem que as vítimas tivessem chance de defesa, foi sentenciado a 36 anos de prisão, além da perda do cargo público. Contudo, em poucos dias, o julgamento foi anulado.

Quem ela impacta

As Mães de Maio surgiram, inicialmente, contra a impunidade dos policiais envolvidos nas chacinas de 2006, mas, atualmente, influenciam outros movimentos formados por familiares de vítimas da violência policial no país todo.

O próximo feito de Débora é uma parceria entre a Unifesp, a Universidade de Oxford, na Inglaterra e o Fundo Newton para cobrar da Procuradoria-Geral da República a federalização dos Crimes de Maio.

Você não cria um filho para ser morto pelo Estado. Não canto o hino nacional. Berço esplêndido?! Nenhum brasileiro de periferia está deitado em berço esplêndido