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A melhor amiga das mulheres na luta contra o assédio são as redes sociais

A internet ajudou a aproximar mulheres diferentes em torno de uma causa - Getty Images
A internet ajudou a aproximar mulheres diferentes em torno de uma causa Imagem: Getty Images

Brenda Fucuta

Colaboração para Universa

08/03/2018 09h22

Há 110 anos, um protesto de norte-americanas contra a desigualdade salarial resultou na instituição do primeiro Dia Internacional da Mulher. A manifestação reuniu 1.500 mulheres, um sucesso à época, tempo das sufragistas e da primeira onda do feminismo.

Nas décadas seguintes se formou a segunda onda, com conquistas importantes: a libertação sexual, o direito ao divórcio, a entrada em massa no mercado de trabalho.

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Hoje, estamos vivendo a terceira onda, articulada principalmente por jovens nascidas nos anos 1980, integrantes da geração Y. Se o protesto de 1908 fosse gerenciado pelas ativistas de terceira onda, é provável que reunisse dez, cem, mil vezes mais adeptas.

“A internet ajudou a popularizar o movimento feminista. Aproximou mulheres diferentes em torno de uma mesma causa. Ela nos permitiu falar de feminismo sem academicismos, de maneira mais acessível e, às vezes, até de forma bem humorada”, disse Jules de Farias, em conversa que tivemos depois do lançamento da campanha “Chega de Fiu Fiu”, de 2015, contra o assédio de mulheres nas ruas.

A opinião de Jules é um consenso entre as ativistas. Além de aumentar o engajamento de jovens e das adolescentes, a capacidade de viralização das redes é responsável pelo repentino interesse na causa demonstrado por celebridades e até pelo mercado publicitário, que rapidamente lançou um neologismo (“femvertising”, do inglês publicidade feminista) para nomear as propagandas que enaltecem as mulheres.

Velho e novo feminismo

Além da internet, outras coisas separam as jovens feministas das ativistas que as antecederam. Uma delas é uma certa incompreensão de mulheres com mais de 40 anos pela luta contra o assédio que se transformou em uma das mais ruidosas bandeiras das jovens.

A atriz Catherine Deneuve, em janeiro deste ano, assinou um manifesto de intelectuais e artistas francesas que criticavam duramente a onda de denúncias de assédio. Para elas, era a volta do puritanismo, a perda da liberdade, a caça às bruxas.

Catherine Deneuve, como bem lembrou a repórter Silvia Ayuso , do jornal El Pais, foi a mesma pessoa que assinou um manifesto a favor da legalização do aborto nos anos 1970, escrito por Simone de Beauvoir.

Aqui no Brasil, a colunista e escritora Danuza Leão, uma mulher conhecida por ter desafiado muitas vezes as normas sociais, também criticou o movimento contra o assédio. Para ela, cantadas diárias levantam a autoestima de uma mulher.

O que é ou não assédio?

“Minha filha de 21 anos tem muita clareza sobre algumas questões de gênero. Ela é absolutamente contra o assédio e a favor de campanhas como a Chega de Fiu Fiu. Eu, por outro lado, cresci ouvindo assobios e isso nunca me incomodou. Mas entendo a posição da minha filha”, me disse a advogada Josie Jardim, fundadora do movimento Jurídico de Saias.

Para as ativistas Y, a bandeira do assédio não é estranha ao seu modo de vida. As jovens feministas querem ter o direito de andar nas ruas ou de vestir shortinhos sem se sentir ameaçadas.

“O assédio sexual previsto no Código Penal é um crime relacionado ao contexto de relações de trabalho. Em um cenário de hierarquia entre vítima e assediador, este se utiliza de sua posição de poder a fim de obter vantagens sexuais”, me explicaram as advogadas Gabriela Biazi, Raissa Belintani e Renata do Vale.

Bandeira da liberdade

As três são jovens e desenvolvem pesquisas sobre assédio e feminismo. Segundo as advogadas, o termo assédio foi incorporado pelo movimento feminista para designar uma série de violências recorrentes no cotidiano das mulheres.

“A bandeira contra o assédio sexual é uma bandeira pela liberdade das mulheres, pelo direito a uma vida livre de violência e imposições. Por isso, ser contra o assédio sexual não é ser contra o flerte ou contra o sexo. Pelo contrário, é lutar para que todos os indivíduos possam vivenciar essa parte de suas vidas com total liberdade, para que relações sexuais e de afeto sejam fruto de reciprocidade e não de violências e imposições”, disseram elas.

Em 2016, #PrimeiroAssedio, campanha lançada no Twitter pela mesma Jules de Faria, convidava as mulheres a compartilhar suas histórias de assédio –em casa, na balada, nas ruas, no transporte público, na escola e na faculdade. Em apenas cinco dias, a hashtag foi replicada 82 mil vezes.

O norte-americano #metoo, que ajudou a derrubar o produtor de cinema Harvey Weinstein, também foi criado para que as mulheres compartilhassem, nas redes sociais, suas histórias de abuso e assédio sexual.

Me too, em inglês, significa Eu Também. Sua criadora, a ativista Tarana Burker, foi eleita uma das pessoas mais influentes do ano de 2017 pela revista “Time”, que disse sobre os movimentos como o dela: (eles) “fornecem um guarda-chuva de solidariedade para milhões de pessoas que querem contar suas histórias”. Milhões de pessoas.

Vítimas e algozes

As campanhas serviram para que as mulheres pudessem dividir suas histórias e não há dúvida de que, depois delas, o mundo está mais atento ao tema. Por outro lado, onde há vítimas, há algozes.

Catherine Deneuve e suas colegas francesas criticam o movimento #metoo por promover uma campanha de acusação pública a homens que, supostamente, são julgados sem poder se defender. Coisa que, segundo o jornalista norte-americano Jon Ronson, está acontecendo rotineiramente na internet.

No livro “Humilhado”, o escritor reuniu uma série de histórias de pessoas que tiveram a reputação destroçada depois que seus deslizes caíram nas redes sociais. Jon diz que a internet se transformou em um tribunal cruel e incontrolável.

Seria o caso dos assediadores? Segundo um grupo de feministas francesas que respondeu ao manifesto de Deneuve pelo jornal “Le Monde”, "sempre que a igualdade avança, mesmo que meio milímetro, as boas almas imediatamente nos alertam para o fato de que arriscamos cair no excesso”.

Ou, como disse a feminista brasileira, a historiadora Luzia Margareth Rago, de 67 anos, ao definir o momento em que vivemos. “Hoje se um homem te agarra, você vai à delegacia. Antes você ia para casa chorar. Isso é uma conquista. Se você não nomeia as coisas boas, elas se perdem. Não dá para pensar só no ruim. Precisamos lembrar de potencializar o positivo.”