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Tiroteio no Youtube: Por que são mais raros ataques cometidos por mulheres?

Nasim Aghdam, que vivia em San Diego, no sul da Califórnia e é de origem iraniana, teria ferido três pessoas na sede do YouTube, duas com gravidade - Reprodução Youtube
Nasim Aghdam, que vivia em San Diego, no sul da Califórnia e é de origem iraniana, teria ferido três pessoas na sede do YouTube, duas com gravidade Imagem: Reprodução Youtube

Denise de Almeida e Mariana Araújo

da Universa, em São Paulo

04/04/2018 11h02

A sede do Youtube foi palco de cenas de horror nesta terça-feira (3). Uma pessoa invadiu o local, disparou contra funcionários da empresa e cometeu suicídio em seguida. 

"Uma atleta vegana e a mais conhecida e famosa ativista dos direitos dos animais na Pérsia, promovendo o veganismo e o estilo de vida saudável e humano". Era com essas palavras que se descrevia na plataforma a suspeita Nasim Aghdam, de 39 anos, uma californiana de origem iraniana que mantinha ao menos quatro canais de vídeos sobre bandeiras que defendia, muitos deles exibindo o que via como crueldade com animais. 

Segundo o site "TMZ", o pai de Nasim teria dito à polícia horas antes do crime que a filha poderia ir ao local porque odiava o Youtube por supostamente censurar seus vídeos. Se ainda não é claro o motivo pelo qual Nasim teria atirado contra os presentes, o caso causou ainda mais espanto por uma particularidade: o crime foi cometido por uma mulher.

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Mulheres atirando contra multidões são caso raro, mesmo nos Estados Unidos. Segundo dados analisados pela revista americana Mother Jones, publicação independente que faz reportagens investigativas, de 98 ocorrências no país, apenas duas tiveram autoria feminina e uma foi praticada por casal. As outras 95 foram cometidas por homens.

A pesquisa coletou informações de ataques a tiros que aconteceram nos EUA desde 1982 até fevereiro de 2018, parte da reportagem "A Guide to Mass Shootings in America" ("Um Guia para os Tiroteios em Massa na América", em português), publicada originalmente em 2012 e atualizada no começo deste ano.

Já números levantados por Jaclyn Schildkraut, expert em assassinatos em massa e professor na State University of New York (SUNY) em Oswego, apontam que mulheres eram suspeitas em 4% dos casos ocorridos no país entre 1966 e 2016 — um período de 50 anos.

Nasim Najafi Aghdam - Reprodução Youtube - Reprodução Youtube
Nasim Najafi Aghdam
Imagem: Reprodução Youtube

Crimes violentos são mesmo em sua maioria praticados por homens, concorda o especialista Antônio Serafim, coordenador do Programa de Psiquiatria e Psicologia Forense (NUFOR) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq/HCFMUSP).

"O homem é mais explosivo, é uma característica biológica em função da testosterona. Já a mulher, por mais que possa ter esta resposta por uma característica psicológica, [ela é mais rara] por causa da diferenciação entre papeis hormonais. Quanto menos testosterona, menos explosividade você tem. Este caso surpreende por isso", explica.

No entanto, Antônio frisa que tanto homens quanto mulheres são capazes de violência. "Você vê esta agressividade em pessoas introspectivas, com dificuldades de expressar sentimentos e estabelecer relações de forma adequada do ponto de vista social. Personalidades esquizoides, com certo sofrimento na interação com o outro, entendem o ambiente de maneira muito ruim. Estão propensas a sofrer constrangimentos e vivenciar humilhações. Em alguns casos, elas podem ser internalizadas e se transformarem em raiva, com comportamento típico de agressividade coletiva". 

Elas são menos agressivas; porém mais letais

Quando mulheres matam, elas estão menos propensas a escolher armas de fogo como instrumento. Apenas 8% dos criminosos que as usam são mulheres, aponta a pesquisa do professor de justiça criminal Adam Lankford, autor de "The Myth of Martyrdom: What Really Drives Suicide Bombers, Rampage Shooters, and Other Self-Destructive Killers" ("O Mito de ser Mártir: O Que Realmente Move Homens-Bomba, Atiradores de Massa e Outros Assassinatos Autodestrutivos", em tradução livre).

Em comparação, 40% dos envenenamentos e 20% das mortes por incêndio estão ligadas a mulheres. Segundo Antônio, isto se deve ao fato de que a mulher elabora sua raiva de uma forma diferente daquela do homem.

"O padrão de violência das mulheres é de crimes mais pensados. Menos impulsivos como estes de atiradores em massa. Até pela condição física — como o enfrentamento físico em relação a homens é uma desvantagem, o envenenamento se torna uma prática muito comum entre elas".

Tanto o perfil psicológico das mulheres, quanto os métodos preferenciais delas, no entanto, fazem delas assassinas mais letais.

"Quando você tem uma capacidade maior de organização, tem um potencial maior de sucesso. Atiradores em massa, sejam motivados por raiva ou vingança, são pautados por uma condição psíquica de muita tensão que provoca imperícia. Todas as zonas cerebrais estão hiperativadas. Então eles saem atirando a esmo, têm ali cerca de 2 mil pessoas e acertam 10, 13. Se você pensar, matematicamente, [a letalidade] é bem pequena", pondera Antônio.

No entanto, como mulheres matam após um planejamento mais cuidadoso e costumam cometer crimes mais individualizados, têm um percentual de eficácia maior. 

Já as motivações de homens e mulheres nestas situações são muito parecias, segundo o especialista. Vingança é o motivo mais comum — seja por um constrangimento que o agressor acredita ter sofrido, por ter se sentido subjugado ou negligenciado. 

"Claro que, no meio destes indivíduos, você terá [aqueles com] transtornos mentais mais graves, quadros de transtorno de personalidade borderline ou antissocial, que são mais explosivos. Mas não é o mais comum", conclui.