Número de pilotas dispara, mas elas ainda enfrentam muitos desafios
Um estudo divulgado em março deste ano pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) revela que o número de mulheres com licença ativa para pilotar aeronaves cresceu 106% de 2015 a 2017. Apesar do crescimento expressivo, elas ainda são minoria no setor.
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Ativas desde o princípio
Thereza de Marzo, Anésia Pinheiro Machado e Ada Leda Rogato estão entre as precursoras da aviação brasileira. Thereza, por exemplo, foi a primeira pilota civil do Brasil a receber o brevê (registro de pilotagem), em 1922. Tomou gosto pela aviação com veteranos da Primeira Guerra Mundial. Porém, casada em 1926 com o ciumento instrutor alemão Fritz Roesler, acabou proibida de continuar com seu sonho. Na época, alcançou a façanha de completar mais de 320 horas de voo.
Além das turbulências
O machismo que Thereza enfrentou avançou até a década de 1970, quando a profissão ainda era associada quase que exclusivamente aos homens. Os registros da Anac reforçam isso. Embora a quantidade de pilotas com licenças ativas tenha mais que dobrado nos últimos dois anos (hoje, são 1.465 mulheres), o número ainda é muito pequeno quando comparado ao de pilotos homens: mais de 46.000.
O mesmo estudo da Anac revela também que a participação da mulher nas companhias aéreas teve o menor crescimento dentre as outras categorias, passando de 29, em 2015, para 41 em 2017. Já a presença de pilotas de linhas que operam com helicóptero foi de 14 para 22 no mesmo período.
Os desafios que elas enfrentam passa até mesmo pela denominação do cargo. Como o setor é majoritariamente masculino, as mulheres se acostumaram a ser chamadas de piloto, embora a palavra pilota exista no dicionário. Isso pode ser facilmente percebido tanto numa pesquisa realizada na rede social de negócios LinkedIn como pelo depoimento das entrevistadas.
“O termo pilota só tem ganhado força devido às discussões referentes ao feminismo e a crescente atuação das mulheres em diferentes áreas profissionais”, ressalta Juliana Aparecida Coppick, pilota especializada em aviação agrícola.
Comandante na companhia aérea Azul e diretora do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Luciana Carpena comenta que a questão da nomenclatura não é levada tão a sério. “Nosso ambiente de trabalho é sempre envolto de muito estudo e procedimentos operacionais internacionais, por isso não existe tempo, nem espaço para experimentarmos essas situações”.
Maria Flora Vicente, instrutora e pilota de helicóptero e avião há 16 anos, diz que é tratada com muita cordialidade pelos colegas, porém faz uma ressalva: “O preconceito acontece de forma velada e tendo, talvez, seu maior reflexo na dificuldade de se arrumar emprego na aviação executiva, onde a relação entre o piloto e proprietário se dá de forma mais íntima”.
Família, distância e outros desafios
De sua geração, Luciana é uma das aviadoras mais antigas ainda em atuação. Paulista, ela pilota aviões há 30 anos, dos quais 20 foram dedicados à aviação comercial em grandes companhias aéreas.
“Assim que terminei meus estudos consegui emprego em Rio Branco, no Acre, e fui adquirir horas de voo por lá. Como eu era jovem demais, ir para um lugar distante e totalmente diferente da minha realidade foi muito difícil”, lembra Luciana. Para Maria Flora, esse é um mercado muito exigente. “Estudo quase que diariamente. É uma profissão que necessita de dedicação e paixão”, comenta.
Já Juliana lista outras dificuldades. “Além de desembolsar muito dinheiro para me formar, me vi no desafio de arranjar um emprego numa área onde não conhecia ninguém”, lembra. Hoje ela trabalha sobrevoando e lançando insumos sobre lavouras de cana de açúcar, em Iturama, Minas Gerais. Um curso de formação de piloto comercial chega a custar, em média, R$ 140 mil.
Casada e mãe de dois filhos, um com 23 e outro de 11 anos, Luciana conta que não foi fácil administrar a rotina familiar devido às viagens, que exigiam muito de seu tempo. “Meu filho mais velho foi o que mais sofreu com a minha ausência. Hoje, ele não gosta nem de viajar de avião”, conta. Sempre houve muita conversa e empenho para estar com eles nos momentos mais importantes, ressalta Luciana, lembrando que o marido, também piloto, mas aposentado, sempre buscou conciliar suas escalas com as dela.
Juliana também relata os mesmos desafios quanto à família. Ela tem filho pequeno e chega a passar seis meses longe da casa. “Eu me sinto um pouco culpada às vezes. Gostaria de passar mais tempo com minha família. Como não é possível, prezo pela qualidade quando estou com meu filho”. Para burlar situações como essa, Maria Flora buscou trabalhos que não exigissem sua ausência da cidade. “Optei por ganhar menos e ter uma rotina de voos na qual durmo em casa todos os dias”, conta ela.
Questionadas sobre diferenças salariais, nenhuma das entrevistadas relatou receber menos do que seus colegas homens. “Até onde temos conhecimento, os salários são pagos por definição de cargo e o sexo é indiferente”, conta Luciana Carpena.
O futuro promete um cenário diferente
Segundo a Anac, as licenças para pilotas em fase inicial (ou privadas) foram as que mais cresceram, passando de 279, em 2015, para 740 no ano passado. Edson Luiz Gaspar, professor e coordenador do curso de Aviação Civil da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, acredita que esse é um bom indicativo. “Se atualmente tem crescido a quantidade de licenças para piloto privado, sugere-se que, não muito distante, existirão mais pilotas em fases avançadas da aviação, como a comercial e a de linhas aéreas”, observa.
O próprio curso coordenado por Edson parece reforçar essa previsão. “Já chegamos a ter apenas uma aluna em sala. Mas nos últimos cinco anos o crescimento foi significativo. Hoje a média de mulheres nas turmas é de 10%. Semestre passado cheguei a dar aula para 16 alunas numa sala com 75 pessoas”.
Fontes: anac.gov.br, lovemondays.com.br, aeronautas.org.br, catho.com.br, pucrs.br, portal.anhembi.br
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